Há dias o ManQuem veio ter comigo bué aflito, tanto que mal conseguia falar. Pedi-lhe que se acalmasse. Contou-me que tinha tido um sonho bué estranho, assustador mesmo, mas não era psicografia. Estava numa banda fixe, onde tudo era bala, mas o que melhor funcionava e era motivo de orgulho era a JUSTIÇA. Ninguém estava acima das leis, não havia impunidade, não importava quem fosse, nem do kumbu, dos links, padrinhos e canais que tinha. Todos se submetiam a legislação em vigor até o pai grande e a mãe grande da tal banda que eram cidadãos exemplares.

Pensei que ele estivesse a brincar e gozei, perguntei se a tal banda era na tuga ou no Brasil, onde a justiça conseguiu mexer madies pesados, como ministros, juízes, chefes de Governo e de Estado. Futucou, respondeu que não era lá, era numa banda tipo a nossa, mas bem melhor. Perguntei quanto tempo durou o tal sonho. Disse que nem dormiu, sonhou acordado, em pé numa paragem da espera de metro que demorou tanto que deu tempo para sonhar acordado ao sol quente e empoeirado de dar inveja ao Zango, Calemba 2 ou Sumbe.

Disse-me que não havia bicha para tratar documentos ou no banco, tão pouco para ser atendido num hospital público ou matricular o filho numa escola pública. Essas cenas eram do passado, no sonho dele a banda estava em dia, ao ponto do pessoal se gabar que vivia numa banda de sonho, onde a maior referência era o estado da justiça. Era tão bom, tão bom que era motivo de estudo internacional, as grandes escolas mundiais estudavam a aplicação da justiça na banda, comprometida com a verdade, honestidade, humanismo, imparcialidade, legalidade. Os operadores de justiça eram tratados como estrelas. "Olha lá vai o senhor da justiça, grande pessoa! Olha quem vem, é a senhora escrivã!" Toda gente os conhecia pelo belíssimo trabalho que faziam, as crianças queriam bumbar na justiça quando crescessem, era o sonho de quase todos pais.

As cadeias esvaziaram, os crimes reduziram, porque o pessoal fazia um trabalho preventivo de se tirar o chapéu, buscando alternativas com bons resultados. Havia celeridade, ética, a burocracia excessiva era passado, assim como o arroto da gasosa, fruto da melhoria das condições de trabalho e sociais, da aposta em pessoal sério, competente, honesto e profissional. Foram vários casos de sucesso, mas um chamou mais a atenção. O CASO JEFRAN! Após anos de bilos, orações, lamentações, pragas rogadas, jejuns, peregrinações, doenças e mortes de alguns lesados, cujo o sonho da casa própria virou pesadelo, eis que uma equipa forte e decidida conseguiu pôr um fim. Dar aos lesados o que tinham direito e aos acusados o que a lei dizia.

Foi um choque geral. Não houve boda, houve choros, lágrimas pelos anos de sofrimento, humilhações sobrevividas, ameaçadas e dificuldades superadas. Os lesados naquele dia sentiram nas contas bancárias o peso da justiça e viram Francisco Silva e seus comparsas a enfeitarem as celas, sentiram-se aliviados, o peso que os sufocava tinha caído, o nô que os cafricava sumira. Uffff. Até que enfim, diziam, abraçando-se!
ManQuem fez uma pausa, suspirou profundamente. Recuperou o folego e continuou. "Meu, sabias que a alegria quando é muita não consegues rir!? Só chorar? Foi o que se sentiu nesse dia milagroso. Centenas de famílias aos prantos..."vitória da justiça, vitória da justiça..." eram as palavras mais ouvidas ante soluços, gritos e palmas. Houve quem dissesse que até os cazumbis dos que partiram prematuramente descontentes por culpa da jefran (de gente inconsequente, desumana e protegida por outros mais velhos aguados), também se fizeram presentes e foram finalmente descansar em paz.

Nem eu sabia o que dizer. O silêncio e a tristeza invadiram-me num misto de revolta e incompreensão que apenas as últimas palavras do ManQuem me beliscaram. "O sonho acabou. Mas antes eu pensei, será que o actual PR João Lourenço também vai terminar os mandatos, tal como o anterior sem que essa maka esteja resolvida? Será que os malandros afinal são tão ricos, protegidos e poderosos que a justiça não os toca? Será que nós os lesados somos tão pobres, fracos e desamparados ao ponto de até hoje juiz algum fazer jus as suas vestes, juramento, nobre missão, bom nome e titulo que enverga e fazer valer os seus poderes para que possamos dormir em paz, mesmo sem casa, e deixemos os nossos ente queridos que partiram angustiados, terem o eterno descanso em paz graças a justiça? Será que essa impunidade do caso jefran vai continuar a ser o sonho milionário do Francisco Silva e kambas fardados e a ser o nosso maior pesadelo? Que pecado e crime cometemos para sermos punidos pelo estado que nos devia defender?"

Com essa dica do ManQuem já a soluçar, perdi rede, lacrimejei a pensar: quando é que esse sonho será real e as bocas de impunidade dos intocáveis do caso jefran deixarão de manchar ainda mais a nossa justiça? Até quando jefran? Katé