João Lourenço, que havia chegado ao nervo do poder autoproclamando-se reformador, foi amplamente aplaudido pelas " largas massas populares" quando, num assomo de coragem, afastou os filhos de José Eduardo dos Santos, assim como figuras próximas aos círculos do poder de empresas estratégicas como a Sonangol, Fundo Soberano, Cimangola,Bromangol, Semba Comunicações, dentre outras.
No que se convencionou chamar a "primavera lourencista" , promoveu uma ligeira abertura da comunicação social pública, dando a sensação de esta seria um "aliado natural" no combate à corrupção e impunidade que se propusera realizar.
Nos seus discursos emotivos e prenhes de retórica , o homem, que lutou tenazmente para acumular as funções de PR com as de presidente do MPLA, fazia-se passar por uma espécie de "Messias", o "salvador da pátria" que teve por missão colocar o fim de 38 de (des)governação de JES e abrir uma nova era na gestão da coisa pública, na distribuição da riqueza social e moralização da sociedade.
A "ousadia" de afrontar ou, por outra, desconstruir um império aparentemente sólido erguido durante décadas na base da corrupção, dos monopólios, oligopólios, do nepotismo e de outras práticas politicamente pouco recomendáveis, custou a JLo reacções de anomosidade e hostilização em certos sectores que o próprio PR designaria de " Marimbondos".
Na linha de pensamento do PR, o combate à corrupção e à impunidade passariam inevitalvelmente pela destruição dos ninhos onde se acoitavam os "marimbondos", ou seja, de figuras que tinham enriquecido à sombra do ex-PR, José Eduardo dos Santos; um combate, contudo, animado por uma dose exacerbada de entusiasmo, com muito romantismo político à mistura e ingenuidade que, nos dias de hoje, veio a revelar-se selectivo e sem grande eficácia prática.
Embora fosse um crítico às práticas do passado, no qual não se pode alhear totalmente por ter sido uma figura de proa no regime do ex-PR, João Lourenço não se despiu, porém, do " fato constitucional" que herdou de Eduardo dos Santos; um fato que lhe confere uma série de poderes discricionários para nomeação ou exoneração dos seus colaboradores directos, sem que as suas propostas sejam submetidas ao "crivo" de um órgão colegial.
De tanto poder concentrado na sua pessoa, diz-se em meios críticos, com alguma dose de ironia, que falta apenas a João Lourenço nomear os responsáveis da esquadras policiais de bairro ou os chefes de pelotões dos quartéis militares.
Com a imagem seriamente desgastada e os níveis de impopularidade em alta, João Lourenço lançou novamente mão, há dias, a uma série de exonerações e nomeações, de forma a renovar o tecido governativo, assim como alimentar a esperança de que é possível inverter o marasmo em que se encontra o país. Trata-se de um velho expediente que remonta à época do ex-PR no sentido de "mudar tudo para que tudo fique na mesma".
Na última movimentação governamental que culminou com a exoneração e nomeação de uma ministra de Estado, de uma ministra e de cinco governadores provinciais, João Lourenço deixou transparecer a necessidade da movimentação constante de governantes, sem no entanto dar sinais de mudança no modelo de governação que, verdade seja dita, tem sido o principal factor que emperra o funcionamento de toda a máquina governativa.
Se, por um lado, procurou esconder o mau desempenho dos seus auxiliares que acabavam de ser exonerados, por outro, tentou passar a ideia de que os recém- nomeados eram merecedores dos referidos cargos por um suposto bom desempenho no exercício das suas tarefas.
Isso ficou perceptível no seu discurso de posse dos novos governantes ao afirmar que: "Há o caso de quem já era governador e foi movimentado. Estou a referir-me à actual governadora do Cuanza Sul, que vem de Cabinda; ao actual governador do Huambo, que vem do Bié. As pessoas, às vezes, se interrogam : «mas, então, se estavam a fazer bom trabalho, porque é que saem?»
E eu, meio a brincar, digo que saem para desempenharem a função de bombeiro. Portanto, se fizeram bom trabalho onde estavam, o que esperamos é que venham a fazer igual ou melhor nas províncias para onde foram indicados agora.
É muito bom quando somos exonerados porque precisamos da pessoa exonerada para outras funções: passar de município para província, ou passar de uma província, onde estamos a fazer um bom trabalho, para uma outra onde pretendemos obter outros resultados".
Não deixa de ser contraditório o elogio de João Lourenço ao ex-governador do Bié quando, três semanas antes, Pereira Alfredo apresentou ao PR um "caderno de encargos" de muitas obras e projectos que não foram realizados por falta de dinheiro que não havia sido disponibilizado pelo órgão central.
Soou a uma certa arrogância e deselegância da parte do Titular do Poder Executivo (TPE) na forma como reagiu às lamúrias do seu auxiliar, dizendo que a província do Bié não era a única que tinha problemas de ordem financeira.
Se faltou a Pereira Alfredo dinheiro para concretizar os vários projectos inscritos no sector da educação, saúde, habitação e estradas, como pode ter tido um bom desempenho governativo?
Tivesse uma ponta de humildade e solidariedade institucional, João Lourenço, na sua qualidade de TPE, deveria ter assumido uma quota-parte das responsabilidades, tanto nos fracassos das políticas gizadas pelo seu Executivo, afinal ele é o Alfa e Ómega de toda a acção governativa.
Mais do que lançar farpas ou indirectas aos governantes que supostamente falharam por culpa própria, ele deveria mudar o sistema de governação, que é bastante centralizador e concentrado numa só pessoa, pelo que muitos problemas locais seriam resolvidos em sede das autarquias.
Mas, pelos vistos, João Lourenço não se mostra inclinado a realizar as eleições locais, pois isso implicaria a divisão do poder pela horizontal, um sinal de erosão iminente do poder central.