Penso tratar-se da primeira vez que um canal em TV fechada (só está disponível na operadora ZAP) está a liderar. É importante aqui realçar que, através da "suspensão" das suas emissões pelo ministério de tutela, a ZAP Viva, a TV Record Angola e a Vida TV não fazem parte do estudo do ano de 2021. Os seus mais directos concorrentes, a TV Zimbo e a TPA 1, estão disponíveis em três operadoras: a ZAP, a DSTV e a TV Cabo. Essa surpreendente liderança do ZAP Novelas também pode ser a confirmação de que o poder do comando (controlo-remoto) mudou de mãos. Hoje há cada vez mais mulheres, adolescentes e crianças a "comandarem" e a ditarem o que se vê nas nossas casas.

A Covid-19 mudou hábitos, alterou rotinas e impôs-nos a todos um novo estilo de vida. É em casa onde mais as pessoas vêem televisão e, uma vez que foram obrigadas a passar mais tempo no lar, logo passaram mais tempo a assistir e a explorar a diversidade de conteúdos ou alternativas que os canais lhes ofereciam. As televisões perceberam isso e adaptaram a sua programação ao momento. O "Fica em Casa" e o "Fique em Casa" entraram em cena, com as nossas televisões a posicionarem-se para ser uma fiel, zelosa e acalentadora companhia dos telespectadores num período bastante difícil das suas vidas.

A TPA 1 e a TV Zimbo colocaram a informação na chamada linha da frente, ajustaram conteúdos, tendo a Covid-19 como uma espécie de Alfa e Ómega de quase toda a informação. Surgiu o espaço diário de transmissão em directo dos números da Covid-19, as notícias, as reportagens, os espaços de entrevistas e debates sobre o tema. A ansiedade, a expectativa, o medo e a busca pela informação tornaram a Covid-19 no centro de todo o universo mediático nacional. Esse fluxo excessivo de informações sobre determinado assunto também deixou espaço para a desinformação, especulação e manipulação. A pandemia gerou também infodemia. Em determinada fase do processo, faltou um pensamento de equilíbrio, um exercício de gestão/contenção de conteúdos informativos, alternativas aos conteúdos informativos. As pessoas ligavam a televisão e era-lhes logo dada informação sobre a Covid-19, número de infectados, doentes, recuperados e mortos. A infodemia afastou as pessoas e, em determinado período, elas decidiram "desligar a ficha", foram procurando conteúdos alternativos, foram atrás de uma programação menos "cinzenta" e mais "colorida".

Enquanto canais generalistas tiveram de adoptar uma postura de equilíbrio e evitar "saturação" de conteúdos informativos aos cidadãos, a TPA 1 apostou (e bem) no projecto "Live no Kubico", com o ZAP Viva foi mais fácil, porque sempre teve uma programação diversificada com espaços de entretenimento, bastando acrescentar à grelha os diários informativos sobre a Covid-19, além do diário e matinal "Kiosque de Imprensa" e um programa de debate semanal à quinta-feira, sem esquecer que os grandes formatos de final de semana e programa de humor também "prenderam" muito público à estação. A viver ainda o período de graça da liderança, a TV Zimbo ficou muito focada na informação. A mudança de gestão e de linha editorial também pesaram nesta perda de liderança. A TV Zimbo, que privilegiava os temas sociais, passou a ser muito de política programática e planeada, perda de identidade, acabando também alinhada num certo conteúdo de propaganda, ganhando o rótulo de "TPA 3".

Este estudo e a liderança da ZAP Novelas podem ser uma boa oportunidade para a nossa reflexão, para tentarmos perceber como é que as novelas mexicanas e turcas passaram a dominar as preferências dos nossos lares. Pode ser também um sinal de como as outras televisões generalistas devem fazer uma introspecção, diversificar conteúdos e libertar-se das interferências de poderes e interesses alheios ao Jornalismo. Pode ser uma boa oportunidade para se perceber que o conformismo, a monotonia, a acomodação, a ausência de debate alargado de ideias, a estratégia e visão podem fazer deixar de procurar compreender os anseios e preferências dos telespectadores. É que os comandos que, por causa de confinamentos vão comandando as nossas vidas, vão dando sinais de uma sociedade que começa a preferir a ficção das novelas do que a "realidade informativa" que as demais televisões lhes vão oferecendo diariamente. Esse é ainda um dos poucos poderes que as pessoas vão tendo, o poder de decidirem aquilo que querem ver pela televisão nas suas casas. O poder do comando mudou de mãos.