Mas, a deriva não pára. Sem capacidade para assegurar índices de prestação académica atractivos, sem capacidade para estabelecer uma ligação produtiva com o sector empresarial e desprovida de condições de funcionamento encorajadoras, insistimos agora, ao nível do ensino superior, em continuar a confundir democratização com massificação.

E os danos provocados pelo desprezo a que foi votado o ensino público em Angola reproduzem as suas misérias também na política.

Por aqui parece que estamos apostados em continuar dar palco às "pérolas gramaticais" com que, amiúde, Bento Kangamba gosta de brindar a sociedade...

Como se vê pelo "talento" empregue agora na campanha de folclórica agitação propagandística posta em marcha pelo Gabinete de Cidadania do MPLA. O que este gabinete está a fazer circular nas redes sociais é demasiado mau para ser verdadeiro.

A estratégia de comunicação contida na mensagem é desastrosa. Faz-se um uso inapropriado da palavra "revú", ignorando-se o tom pejorativo que lhe está subjacente. E se a mensagem está mal elaborada, os conceitos são todos errados.

Nem o nome do líder do MPLA não escapou à intifada: "Lorenço". Escrevem, afinal, como pronunciam. Mal e porcamente! Seguem-se cotoveladas pedestres na gramática e erros de concordância monumentais.

Não chegam a cometer a proeza de, em dez palavras, aloirarem o texto com quinze erros como, frequentemente, se notabiliza Kangamba, mas se a ousadia não for travada lá chegarão...

Mas, indiferentes a essas e outras misérias, lá vamos nós, cantando e rindo, com abertura de mais universidades, como se o maior número de instituições de ensino superior por metro quadrado determinasse a sua qualidade ou a subida de Angola no ranking regional...

O ambiente, ao nível da academia, é insalubre. Os currículos estão lá, mas, como diz o meu camarada Alves Fernandes, "o autoritarismo e a arrogância" são hoje "co-morbilidades" que, por ali, concorrem também para o predomínio da "pandemia das ordens superiores", da troca de favores, da profissionalização da intriga e da falta de visão e da ausência de liberdade democrática...

Sem nunca ter havido diálogo e muito menos debate académico entre a Ministra do Ensino Superior e os professores catedráticos espalhados pelo país, não espanta que - como diria o escritor e sociólogo português, João Pedro George - por ali também se "viva num lago de água estagnada, pobre em oxigénio"...

Da quarentena das vaidades que por lá vai desfilando, o Prof. Doutor Eng. Luís Guerra Marques nunca deixou de se mostrar receoso perante a antevisão da (anunciada) catástrofe.

Na semana passada, Ennes Ferreira, professor catedrático do ISEG em Portugal, escrevia no Expresso que "país sem um sector educacional estruturado e de qualidade certamente não vai longe".

Pode ser uma verdade "lapalissiana", mas não será assim tão líquido. E antes de Ennes Ferreira, já no início da década de noventa do século passado, Guerra Marques advertia que "a privatização do ensino das engenharias e da medicina poderá vir a redundar num perigoso negócio de consequências criminais incontroláveis". Pena é que ninguém o tenha levado a sério. Muita pena. O resultado está à vista...

O investimento na formação de base de professores do primeiro ciclo com uma aposta de longo prazo no Magistério Primário surge agora como um desafio inadiável e de importância capital para travar a tragédia e encetar a recuperação da antiga qualidade pedagógica do ensino de base em Angola.

Para isso, falta-nos, no entanto, rigor e uma aposta séria na investigação. Mas, para começar, salvaguardado o contexto, ao nivel do ensino primário, falta-nos um novo Pinheiro da Silva...

Falta-nos reflectir sobre o que (não) fizemos mais de quarenta anos depois do envio dos primeiros bolseiros angolanos para o estrangeiro. E aqui chegados, não poderemos agora continuar a remeter a um silêncio sepulcral o resultado do investimento feito pelo Estado nesta matéria, quer através do INABE, quer através da Sonangol, quer ainda através do sector pesqueiro.

E não podemos continuar a fazer cedências neste ponto porque, ao longo de anos, a ecologia do poder fez dos militantes e da fidelidade partidária o seu aliado preferencial, mas dissociou-se do seu principal activo: os quadros.

Alhearmo-nos agora deste último e vasto património seria o mesmo que capitular perante a imposição de uma insustentável quarentena política arquitectada por uma elite cujo cérebro foi sequestrado pelas ramas petrolíferas.

E se essa elite, através de um ambicioso e diversificado plano de formação de quadros promovido pela Sonangol sob a batuta de Cláudio Silva, soube montar e olear a máquina e lubrificar os rolamentos, nunca conseguiu, porém, accionar o ponto de ignição...

Agora, queixamo-nos da falta de recursos qualificados em muitas áreas do saber. Essa realidade é inquestionável. Mas pior do que isso, é o sub-aproveitamento, a utilização irracional ou mesmo o ostracismo a que têm sido votados muitos quadros diferenciados em Angola.

E se não os temos por aqui em dimensão satisfatória, só nos resta ir lá fora recrutar angolanos ou estrangeiros à altura das nossas necessidades. E devemos fazê-lo sem complexos!

Outros países, com as mesmas dificuldades, mas com melhores performances económicas que Angola, dispensaram preconceitos e não hesitaram em recrutar o melhor que há no mundo.

(Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, nas bancas, ou através de assinatura digital, disponível aqui https://leitor.novavaga.co.ao e pagável no Multicaixa)