Nas listas pelo Círculo Nacional, que elege 130 deputados, o MPLA, maior partido angolano, tinha a primeira mulher em quinto lugar (Luzia Inglês Van-Dúnem); a UNITA, líder da oposição, em quarto (Helena Bonguela Abel), e a terceira força política nacional, a CASA-CE, em terceiro, Cesinanda Teresa Narciso.

Os círculos provinciais que elegem 90 deputados, cinco por província, seguiram a tendência do Círculo Nacional, à excepção da segunda praça eleitoral (depois de Luanda), a Huíla, onde as mulheres nas listas representavam 40 por cento dos candidatos.

Todos os cabeças de lista das seis formações políticas concorrentes eram homens, as mulheres eram apenas 30 por cento do total das listas com mais candidatas a suplentes do que a efectivas, num País onde elas constituem a maioria da população, 52 por cento.

A consequência desta secundarização das candidatas nas listas é um parlamento com um número de mulheres abaixo dos 30 por cento, longe dos mínimos definidos pela SADC e pelas Nações Unidas em resoluções subscritas por Angola.

Quando Angola se prepara para as mais disputadas eleições da sua história, a formação das listas de candidatos a deputados dos diferentes partidos concorrentes passou a ser tema de debate a vários níveis.

Conhecidos que são os cabeças de lista de cada formação política, a expectativa gira à volta dos nomes e género dos putativos números dois das candidaturas. Outra discussão dos dias é sobre o lugar das mulheres nas listas e as políticas pela igualdade e equidade de género nos programas e manifestos eleitorais dos partidos.

Espera-se que, para estar em sintonia com as melhores práticas da região, nomeadamente com os países com altas percentagens de mulheres parlamentares - África do Sul (47 por cento), Namíbia (44 por cento) ou Moçambique (43 por cento) - os partidos angolanos, todos dirigidos por homens, percebam que é imperativo acabar com o apartheid social que discrimina a maioria da população.

Espera-se também que o preço do poder não signifique o sacrifício da luta pela igualdade e equidade de género, como elemento essencial para a construção da democracia e " chave para o desenvolvimento sustentável da região", como sustenta a SADC.

A organização regional defende ainda a "eliminação da discriminação, alcance da igualdade e equidade de género, através do desenvolvimento e aplicação de legislação, políticas, programas e projectos sensíveis ao género".

Numa altura em que as recomendações e decisões da SADC, da União Africana, no âmbito da Agenda 2063 e das Nações Unidas, vão no sentido da defesa da paridade em todos os lugares de tomada de decisão, é de esperar que, em Angola, quem quer conquistar o poder e apostar na democracia dê passos contra as desigualdades políticas, nomeadamente de género.

A manter-se o mau exemplo de 2017, Angola continuará entre os piores países da região em matéria de paridade do género e dificilmente ultrapassará os actuais 29% de mulheres no Parlamento.

Seria uma decisão tendente a manter Angola no grupo dos países da SADC que nunca tiveram uma mulher como Presidente, vice-presidente ou primeira-ministra, diferentemente da Tanzânia, Zâmbia, Maurícias, Moçambique, Namíbia, Zimbabwe e Malawi.

A paridade, para além de igual número de homens e mulheres em listas eleitorais e órgãos de tomada de decisão política e de gestão da administração pública, passa, sobretudo, por dar igual destaque e representatividade a homens e mulheres nas listas e estruturas de poder.

Esta paridade só é alcançável com a colocação das mulheres em lugares cimeiros e elegíveis e usando o método zebra para as listas, construídas de forma alternada - um homem, uma mulher, sucessivamente.

Não basta que as listas tenham 40 ou 50 por cento de mulheres, é necessário que as mulheres sejam colocadas em lugares elegíveis e cimeiros, como são os homens.

Na declaração política adoptada em 2015 pela Comissão sobre os Estatutos das Mulheres, as Nações Unidas comprometeram-se a lutar pela plena realização da igualdade de género e empoderamento das mulheres até 2030.

Tendo em conta que o mandato dos próximos eleitos termina em 2027, pouco antes de 2030, os partidos angolanos têm, neste momento, a oportunidade soberana para demonstrar o seu compromisso com políticas e práticas democráticas e respeitadoras dos direitos humanos das mulheres.

Depois de, há três anos a UNITA ter seguido as peugadas do MPLA ao eleger também para vice-presidente do partido uma mulher, a natural expectativa criada é que tal passo tenha seguimento na formação das listas candidatas às eleições gerais de Agosto.

A mudança de poder e de regime tão ansiada por grande parte da sociedade não assenta apenas nos protagonistas, mas também nas políticas e suas práticas, com vista à democratização da sociedade.

Este caminho inclui, a par da separação e descentralização e limitação de poderes, a despartidarização das Forças Armadas, da Polícia, dos órgãos de comunicação social e da administração públicos, o prioritário combate a todas as desigualdades que enfermam a vida política e social e económica de Angola.

Substituição por substituição dos actuais inquilinos do Palácio cor-de-rosa sem mudança de práticas será, certamente, insuficiente para o eleitorado angolano constituído maioritariamente (cerca de 70 por cento) por jovens com menos 40 anos e que conhece e reconhece o lugar da mulher na estrutura político-social do País.

O mesmo eleitorado, que apostou e aplaudiu efusivamente a troca de José Eduardo dos Santos por João Lourenço, cedo percebeu que mais do que a mudança de rostos é necessária uma mudança de regime para a construção de uma sociedade onde se cumpra a igualdade de direitos e de oportunidades.

Mais do que ocasião para novos ou velhos lugares ou tachos, Angola vive o momento ideal para a mudança de comportamento e de políticas que coloquem os interesses do País à frente da ambição pessoal de cada um dos protagonistas políticos e evitar que as mulheres continuem a figurar em lugares de pouco destaque e que o sonho da igualdade seja mais uma vez atirado para as calendas gregas.

A aposta na igualdade e na equidade de género levada a sério por muitos partidos políticos da região surge hoje como uma prioridade noutras regiões do mundo, incluindo nos Estados Unidos.

Cientes da necessidade imperativa de retirar o extremista direitista Trump da presidência dos EUA, nas últimas eleições americanas, os democratas também perceberam que era importante dar sinal à sociedade de que a luta contra o troglodita podia e devia ser associada ao combate contra as desigualdades de género e étnico-raciais, elegendo uma mulher negro-indiana (Kamala Harris) para a vice-presidência.

Isto depois de quatro antes terem tentado, sem sucesso, fazer eleger uma outra mulher, Hillary Clinton, para a chefia do Estado americano.

Como a política é, por essência, o reino da simbologia, nestas eleições espera-se que os partidos políticos transmitam sinais de evolução contra a estagnação e regressão.

Espera-se que os partidos se afastem do vale tudo pelo poder, apresentem projectos credíveis e se mostrem disponíveis para construir uma sociedade tolerante, assente no respeito pela dignidade humana e que dê primazia ao seu principal activo, as mulheres.

Os partidos podem, para tal, respaldar-se na actual Constituição que, ao definir os poderes do/da Presidente e vice-presidente da República, não coloca qualquer entrave a que essas funções possam ser desempenhadas por mulheres.

Aliás, a Constituição é muito clara ao sublinhar o princípio das democracias liberais, segundo o qual todos os cidadãos são iguais em direitos, independentemente do seu sexo...

Desta forma, no País de Njinga Mbandi (séculos XVI/XVII), Kimpa Vita (séculos XVII/XVIII) e Deolinda Rodrigues (século XX), será incompreensível que, na terceira década do século XXI, se repita o que aconteceu em 2017, provando, assim, a décalage entre o discurso político e a prática.

Torna-se incompreensível que, em pleno século XXI, se aposte na secundarização das mulheres, tratadas como bilbelot, infantilizadas como se precisassem de tutores para a sua ascensão política.