Antes de vir para Angola na qualidade de embaixadora/chefe da Delegação da UE, que visão tinha deste País em termos económicos, políticos e sociais?
Angola era um mistério para mim. Amigos e colegas que tinham vivido ou viviam em Luanda disseram-me que eu devia candidatar-me para uma posição na Delegação ou numa embaixada, que o País era "uma perla escondida" de que eu, que já tinha vivido e viajado bastante para África, ia gostar. O pouco que eu conhecia do País eram as histórias dos estudantes angolanos que conheci quando estudei em Coimbra, Portugal, durante os anos 80, com uma bolsa europeia (o chamado intercâmbio de estudantes "Erasmus"). Mas também me lembro muito bem dos anos depois de 1975 quando vivia em Lisboa com os meus pais. O Porto de Lisboa estava cheio de contentores e carros, e os hotéis transbordavam com pessoas que tinham partido de Angola e de outras ex-colónias portuguesas. Tinha 8, 9 anos na altura e não percebia bem o que tudo isso significava, mas, com certeza, deixou uma impressão muito forte e uma vontade de conhecer a origem de todas essas pessoas. Depois, claro, havia também todas as histórias sobre a guerra civil angolana, sobre os quartos de hotel caros e as rendas mais loucas do mundo e os "Luanda Leaks". Conheci o livro de Ryszard Kapuscinski ("Mais Um Dia de Vida"), os livros de José Eduardo Agualusa, traduzidos noutras línguas que não o português, e a música de Bonga. Fiquei então muito feliz quando a UE me ofereceu a possibilidade de vir para Angola e conhecer o que só sabia na teoria.
Agora que já cá está (há sete meses), aquela visão mantém-se ou se alterou? Porquê?
Cheguei a Angola numa altura bastante estranha. Já ando na diplomacia há quase 30 anos e trabalhei em sítios muito variados, mas nunca comecei uma nova função em quarentena durante duas semanas. Foi um momento bem lindo quando, depois do resultado negativo do teste de Covid-19, saímos de casa e demos a primeira volta a Luanda. Não tinha imaginado esta mistura de prédios de luxo ao lado de musseques. Não esperava a Marginal, a Ilha do Cabo ou a Cidade Alta. Não sabia que, em Luanda, as estradas quase nunca tornam para a esquerda - foi um polícia quem nos alertou. Contudo, mais importante, tive a oportunidade de conhecer a equipa de pelo menos 40 pessoas, na maioria mulheres, angolanos e angolanas, europeias e europeus, da nossa Delegação; de apresentar as minhas cartas de credenciais ao Presidente João Lourenço; de conhecer os nossos parceiros, ministros, secretários de Estado, funcionários, membros da sociedade civil, empreendedoras e empreendedores e muitos outros; de trabalhar com os embaixadores e colegas das missões diplomáticas bilaterais e das agências das Nações Unidas. Todos com muita energia, trabalhando para ajudar Angola a sair dessa fase tão difícil da pandemia, da crise socioeconómica, e de "reconstruir melhor" e transformar Angola numa sociedade mais equitativa, onde há serviços básicos e emprego para todos, um bem-estar para cada angolana e angolano.
Como julga que a sociedade civil angolana (por um lado) e o Estado angolano (por outro) olham para a presença da UE no País?
A parceria entre a UE e Angola data de há muito. A Delegação abriu em 1986, e, em 2012, assinámos o chamado Acordo "Caminho Conjunto", que confirmou, mais uma vez, o relacionamento forte, político, de cooperação e outras áreas, entre a UE e Angola. Notei que existem muitas ligações entre Angola e a UE, de amizade, de comércio, na cultura. Encontrei muitos angolanos que têm uma conexão qualquer com a Europa, angolanos que têm família em Portugal, angolanos que estudaram na Alemanha, Bélgica e Franca, jovens que sonham viajar para a Europa ou que já tinham viajado para os diferentes países europeus, diplomatas que foram postos na Itália ou na Espanha, jovens que tinham viajado para a Europa. Aliás, não há só a Delegação da UE em Angola, mas também temos 11 países - Estados-Membros da UE - que estão representados em Luanda, alguns até com consulados noutras partes do País. Quase a metade da bela equipa da Delegação é angolana, a outra metade, uma mistura de países europeus, tal como Portugal, Espanha, Itália, França, Bélgica e Holanda. Sinto-me muito bem-vinda, do lado do Executivo angolano e da sociedade civil. Tive a oportunidade de visitar algumas províncias fora de Luanda. Gostei imenso das paisagens e da hospitalidade. Sempre paro quando vejo e faz-me bem ver uma bandeira europeia ou de um país europeu nos painéis publicitários. Isso mostra o empenho da UE e dos Estados-Membros, bem apreciado, julgo eu, pelos angolanos, do lado do Executivo como do lado da sociedade civil.
A grande bandeira do actual Executivo angolano é o combate à corrupção. Em que medida pode a UE contribuir (ou tem contribuído) para o alcance desse objectivo?
O combate à corrupção é um tema muito importante para a UE. Por um lado, porque, como doadores, é difícil explicar aos contribuintes europeus que as contribuições financeiras da UE desaparecem, seja no desconhecido ou em bolsos que não deviam ser preenchidos. Por outro, que esse dinheiro seja utilizado para as despesas sociais, por exemplo, que poderiam ter sido financiadas com fundos saídos do erário, mas que se perderam por causa da corrupção. A experiência internacional também mostrou e continua a mostrar que a corrupção impede o desenvolvimento. Foi assim que nasceram dois programas importantes: um chama-se PACED (Projecto de Apoio à Consolidação do Estado de Direito) e é um programa nos países lusófonos de África e Timor-Leste que pretende reforçar as capacidades através de formações, manuais, encontros para prevenir e lutar eficazmente contra a corrupção, o branqueamento de capitais e o crime organizado, especialmente o tráfico de estupefacientes. Outro programa, que só lançámos o ano passado, é um programa com a UNODC (Organização das Nações Unidas contra a Droga e Criminalidade), que trabalha com a Procuradoria-Geral da República de Angola, para reforçar as capacidades daquela e outras instituições em temas como a identificação e a recuperação de activos no exterior.
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