Este documento está a ser divulgado num momento em que a Índia atravessa uma das mais catastróficas vagas de calor de que há registo no país, tendo mesmo o Governo de Nova Deli optado por proibir a exportação de cereais de forma a reduzir a o risco de insegurança alimentar.

Melhor exemplo para as consequências das emissões poluentes geradas pela actividade humana - como a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a agência das Nações Unidas para a meteorologia, garante ser o que está por detrás desta tragédia global em curso - seria difícil, porque o conteúdo do documento pode ser observado em directo.

E não é só na Índia que é visível ao vivo e a cores os efeitos dos poluentes atirados para a atmosfera, também em África, onde as secas históricas voltaram a países como a Somália, o Quénia, a Etiópia ou o Sudão, mas também no Sahel e na África Austral, apesar de 2022 estar a ser um ano menos severo que 2021 para a produção agrícola e a consequente diluição do risco de insuficiência alimentar nas áreas mais sujeitos a estes fenómenos, como é o caso do sul de Angola, Namíbia ou mesmo Botsuana e Zimbabué.

Com os actuais indicadores sobre a emissão de gases poluentes, desde logo os resultantes da queima de hidrocarbonetos, enquanto a almejada transição energética não acontece, e segundo a abordagem do Secretário-Geral da ONU a este relatório e o que dele se compreende, é que "se trata de um claro fracasso da humanidade" para salvaguardar o seu futuro.

António Guterres, sublinhando que o tempo está a esgotar-se e que o combate a este "destino trágico a que a Humanidade se está a expor" pode ser o "projecto de paz" mais ambicioso de sempre, entre dezenas de indicadores, apontou dois como sendo uma calara demonstração do que nos espera num futuro breve, que é a acidificação dos oceanos e o aumento da temperatura media em todo o Planeta Terra.

No imediato, as inundações e as secas prolongadas vão deixar milhões de pessoas à beira da morte por fome, com o restante da Humanidade a ter de lidar com aumentos substanciais dos preços dos alimentos, o que, aliado aos efeitos de outras crises, como o conflito na Ucrânia, vão fazer de 2022 um ano de grandes dificuldades, o que não é difícil de antecipar visto que em todos os últimos sete anos, como destaca o documento, foram batidos sucessivos recordes de temperatura média global.

Depois de sublinhar o "falhanço da humanidade no combate à disrupção climática", Guterres focou a atenção naquilo que tem vindo a apontar desde que chegou ao cargo, há pouco mais de 4 anos, que é a incapacidade gritante de avançar na substituição da energia fóssil por alternativas verdes, porque "os combustíveis fósseis são um beco sem saída" para a vida no Planeta Terra, "tanto ambientalmente como economicamente".

E avisou: "O único futuro que existe para a Humanidade é o das energias renováveis", acrescentando que, apesar de o que nos espera ser já um futuro imediato de grandes dificuldades, "ainda é possível encontrar uma saída" através do vento e do sol, que são, já estando isso mesmo provado, mais baratos que o carvão e outros combustíveis de origem fóssil".

"Essa realização pode ser o projecto de paz para o século XXI", atirou como desafio às gerações actuais, a quem exortou a "agir em conjunto" para que seja possível salvar o destino comum que nos espera.

Sobre este Relatório do Clima da ONU 2021, o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, citado pelas agências, sublinhou que, mais que em qualquer outro tempo, as alterações climáticas e os seus efeitos devastadores "estão a acontecer mesmo em frente aos nossos olhos" e como nunca existem agora evidências de que é a actividade humana que está por detrás desta tragédia em curso que vai transformar o Planeta Terra num mau sítio para se estar já nas próximas gerações.

E deu como exemplo a constatação científica de que muitos dos glaciares perpétuos deixaram de o ser e estão já a desaparecer a uma velocidade de não-retorno, o que está e vai fazer ainda subir mais o nível dos oceanos, o que está a obrigar, e obrigará ainda mais, milhões e milhões de pessoas a deixar as suas casas.

"Mas é o aumento da temperatura que mais impacta nas nossas vidas já hoje, especialmente através da sucessão de prolongadas secas, como é melhor exemplo a África Oriental - Corno de África, as cheias inusitadas como a que atingiu há semanas a África do Sul ou ainda a gigantesca vaga de calor que atravessa a Índia e o Paquistão...", apontou Petteri Taalas, numa abordagem a este documento.

Apesar de estes documentos se sucederem ano após ano, com as campainhas de alarme a soarem cada vez de forma mais estridente, a verdade é que os dados de 2021 são ainda mais graves, desde logo com o recorde histórico da emissão de gases com efeito de estufa, face ao aumento igualmente histórico do recurso à queima de hidrocarbonetos - gás, petróleo, carvão... -, com os oceanos a terem cada vez menos capacidade de aprisionamento destes gases, apesar de serem responsáveis por 90% desse "trabalho" e estarem a subir de nível como nunca sucedeu em tempos imemoriais.

"E o pior de tudo é que aqui chegados é já hoje ciência provada que os efeitos trágicos deste cenário global se vão prolongar por gerações e são já irreversíveis numa escala temporal de séculos ou mesmo milénios, com uma aceleração aterradora nas duas últimas décadas", disse este responsável, o que se traduz pela evidência de que o Planeta Terra se aproxima exponencialmente e a grande velocidade de uma situação insustentável para a vida humana tal como a conhecemos hoje.

Por fim um exemplo claro de que se está a entrar num ciclo de disrupção cuja gravidade não em paralelo e que está exposto neste documento: os oceanos são responsáveis por mais de dois terços do aprisionamento de CO2 - que com o metano são dos mais perigosos gases poluentes -, gás proveniente, em larga percentagem, da queima de combustíveis fósseis, o que é fundamental para gerar uma atmosfera respirável, mas, ao mesmo tempo, esse aprisionamento de CO2 está a acidificar os oceanos, extinguindo a vida que neles é cada vez menos abundante, o que, no fim da linha, é tão grave como a poluição atmosférica para aquilo que é decisivo para a sustentabilidade da espécie humana.

Os efeitos desta escalada catastrófica da poluição são especialmente visíveis no sul de Angola, onde às secas prolongadas se sucedem cheias devastadoras, deixando as populações locais em permanente insegurança alimentar, com mais de 800 mil pessoas a experienciarem algum tipo de fome, mais ou menos severa, e centenas de milhares de crianças em risco.

A situação no sul de Angola tem-se deteriorado nos últimos anos, embora alguns projectos de envergadura tenham permitido atenuar esta situação, como pode ser revisitado nos links expostos no fim desta página.