As razões para a escassa presença popular na intensamente mediatizada cerimónia fúnebre final vão, como destacam alguns analistas, do facto de o legado para o povo ser escasso para as aspirações que existiam, com excesso de pobreza e pouco combate ao crime económico, mas em pano de fundo estará a forma recatada como viveu a sua vida pública, da qual não se destaca uma grande proximidade às pessoas da rua, o que é explicado pelos mais próximos como resultado da sua evidente timidez natural.

Longe destas cerimónias, Isabel dos Santos optou por enfatizar o momento dando os parabéns ao seu país, que hoje faria 80 anos, ignorando, nesta mensagem nas redes sociais, o funeral de estado que decorre na capital angolana.

"Papa sempre caminhamos juntos mão em mão, estive do teu lado desde Brazzaville, estive contigo sempre nas tuas batalhas, glórias e dificuldades.... E sempre continuarei contigo. Feliz dia de aniversário... vou sempre celebrar a tua vida", escreveu a fila mais velha de JES na sua página do Facebook.

Mas o que sobressairá do juízo da História passará muito pelos destaques dados a quem sobre ele falou hoje, como a sua filha, Josiane dos Santos, fruto do seu casamento com Ana Paula dos Santos, que dedicou o tempo de púlpito no cerimonial a destacar as qualidades de pater familias de JES.

Segundo conta a Lusa, Josiane destacou a figura de José Eduardo dos Santos principalmente no papel de pai, "adotando uma nação inteira e logo o continente que o carrega".

"Em nome da minha família, agradeço a todos os presentes que se juntaram a nós para celebrar a vida do grande homem que perdemos", disse, deixando um "reconhecimento aos membros do executivo que tornaram possível este dia".

"É com o coração apertado e profunda tristeza, que hoje, como representante da família enlutada, estamos aqui todos presentes e unidos para prestarmos respeito ao nosso pai", afirmou Josiane dos Santos, considerando que as "palavras não suficientes para descrever" a figura do progenitor.

"A saudade e a dor vêm em ondas, parte de mim se foi e não voltará", afirmou Josiane dos Santos, citada ainda pela Lusa, que recordou o percurso de José Eduardo dos Santos.

"Não deixarei que usem o teu nome em vão, em benefício próprio" e "lutaremos as tuas batalhas com determinação", avisou Josiane dos Santos, num discurso com a voz embargada e marcado pela emoção.

"Papá, as tuas lutas não foram em vão", disse, recordando a "música e o desporto", em particular o futebol, como as suas paixões.

"Os teus filhos levarão adiante o teu legado", prometeu.

De Portugal...

Também o ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) português, João Gomes Cravinho, destacou hoje o papel do ex-presidente angolano, sublinhando que soube criar proximidade com Portugal e que o país "lhe deve muito".

João Gomes Cravinho está presente nestas cerimónias fúnebres e,eEm declarações aos jornalistas, destacou que o antigo presidente "mostrou liderança extraordinária em momentos decisivos para Angola e o continente africano"

JES "soube estabelecer com todos os Presidentes da República portugueses eleitos em democracia, devido à longevidade da sua carreira, relações que propiciaram a proximidade entre os nossos povos e nesse sentido também Portugal lhe deve muito", destacou Cravinho, igualmente citado pela Lusa, à chegada à Praça da República onde decorrem as exéquias, em Luanda.

Para o chefe da diplomacia portuguesa esta "é a homenagem que Angola e o mundo devem" a José Eduardo dos Santos, que foi Presidente durante 38 anos "em tempos difíceis e complexos". "Mostrou liderança extraordinária em momentos decisivos para Angola e o continente africano e naturalmente Portugal não podia deixar de estar presente ao mais alto nível", comentou João Gomes Cravinho.

O antigo chefe de Estado morreu em 08 de julho, com 79 anos, em Barcelona, Espanha, onde passou a maior parte do tempo nos últimos cinco anos, mas as exéquias só agora se vão realizar devido à disputa sobre a custódia do corpo entre duas facções da família de José Eduardo dos Santos - a viúva e os três filhos mais novos, apoiados pelo regime angolano, contra os cinco filhos mais velhos.

Outros

Governo, amigos e partido governamental recordaram hoje a figura do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, o "bom patriota" que promoveu a paz e reconciliação no país, numa cerimónia que incluiu o desmaio de um dos oradores.

"Em nome da direcção do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola], de todos os militantes, simpatizantes e amigos do nosso partido, venho oferecer-te uma flor. Adeus nosso presidente emérito, adeus camarada presidente José Eduardo dos Santos, adeus arquiteto da paz, adeus Zedu, paz à sua alma", resumiu Luísa Damião, vice-presidente do partido que governa Angola.

Em representação da Fundação José Eduardo dos Santos, João de Deus recordou que o povo falava do ex-presidente como 'Zedu', "dada a sua natureza de humildade e trajetória simples".

Com 37 anos, José Eduardo dos Santos "sacrificou a sua juventude", para assumir, em 1979, uma "substituição necessária para dar sequência ao prematuro passamento físico do imortal guia da revolução", numa referência a Agostinho Neto, afirmou João de Deus, que desmaiou durante o discurso, tendo sido assistido pelos serviços médicos.

Por seu turno, o chefe da Casa Civil do Presidente de Angola, Adão de Almeida, afirmou hoje que o país se despede de José Eduardo dos Santos, "um bom patriota" que "trouxe a paz" a garantiu a "unidade territorial" ao longo dos 40 anos de governo.

No seu discurso, Adão de Almeida elogiou o legado histórico de José Eduardo dos Santos e o seu papel na "transição" de Angola para o regime democrático, economia de mercado e na construção de um conjunto de "direitos, liberdades e garantias dos cidadãos", dos quais destacou a abolição da pena de morte.

Mas, em particular, o ministro elogiou a "invulgar sagacidade" do ex-presidente que, após a vitória na guerra civil, promoveu a reconciliação nacional, de "cujos frutos Angola usufrui há 20 anos".

Já Roberto Almeida, antigo presidente da Assembleia e próximo do ex-presidente, falou do amigo como "um arquiteto da paz" que "pôs fim definitivamente a décadas de guerra fratricida", num "reencontro da grande nação angolana".