O número de crianças a viver nas ruas de Luanda, subsistindo de esmolas e de pequenos expedientes, não pára de crescer nos últimos meses, muitos, como o Novo Jornal Online constatou, porque as famílias não os conseguem manter ou porque fogem de casa devido aos maus-tratos.
Na baixa de Luanda ou em locais próximos como o Maculusso ou a Sagrada Família, diante do olhar público, centenas de crianças, descalças e pobremente vestidas, deambulam em busca de sustento, pedindo esmolas ou recorrendo a pequenos serviços, como arrumar carros ou engraxar sapatos.
O cenário dos dias de hoje faz lembrar os anos imediatamente a seguir ao fim da guerra, quando também magotes de meninos percorriam as ruas da capital, dormindo onde calhava, muitos deles aproveitando os antigos sistemas de saneamento subterrâneo da cidade.
Com o passar dos anos, a situação foi melhorando mas, agora, com a grave crise financeira, onde muitas famílias foram afectadas pelo desemprego, a situação dos meninos de rua de Luanda voltou a ganhar uma dimensão preocupante.
A este problema, um outro ganha igualmente dimensão a que a cidade de Luanda já não estava habituada nestas proporções: o cada vez maior número de deficientes físicos que procuram na esmola e nas dádivas de quem passa, de carro ou a pé, um meio de subsistência.
O crescente número de crianças e de deficientes nas ruas da capital, levaram as autoridades a reagir e, nos últimos dias, segundo o director do Gabinete de Acção Social do Governo Provincial de Luanda, Manuel Sebastião, foi realizada uma reunião de auscultação com os parceiros socias com objectivo de encontrar respostas.
Como este processo, onde o Governo Provincial está a ouvir os parceiros, nomeadamente organizações de âmbito social, está no início, Manuel Sebastião adiantou ao Novo Jornal Online que ainda não é possível fazer uma descrição da acção ou das acções que vão ser desenvolvidas no sentido de responder a esta situação.
Para já, adiantou o director do Gabinete de Acção Social do Governo Provincial de Luanda, estão a ser analisadas as propostas elaboradas pelos parceiros para dar uma resposta e só depois serão dados os passos seguintes.
Uma criança, uma história diferente
O cenário retratado é visível em qualquer parte da cidade, mas com maior realce na baixa de Luanda, ou, à noite, junto a locais que brilham nas mentes destas crianças mas aos quais não têm acesso, excepto aos restos no caixote do lixo, como as lojas de fast-food espalhadas pela cidade.
A palavra de ordem é sobreviver, mas cada menino tem uma razão para ter feito da rua a sua casa. Muitos encontraram nas sombras da cidade, o quarto de dormir, mas não conseguiram fugir à violência, como alguns contaram ao Novo Jornal.
Um deles é Nelson Makaio, que explicou os motivos que o fizeram sair de casa em direcção à rua: depois de ter perdido os seus pais, foi sujeito a violência em várias formas por parte dos seus familiares e preferiu a rua na esperança de encontrar algum conforto.
"As minhas irmãs obrigavam-me a vender água fresca na praça, lavar a louça e às vezes era obrigado a cozinhar, e, quando não fazia o trabalho, não me davam comida o dia todo. Falei com os meus tios, mas não valeu a pena porque achavam que o desobediente era eu e então preferi sair de casa", contou este adolescente que reside na rua há mais de dois anos.
Numa volta pelos pontos de maior agrupamento de meninos de rua, no largo da Sagrada Família, encontramos o jovem Pedro Caetano e os seus companheiros que "controlavam" as viaturas estacionadas de forma a conseguirem alguns trocados para o seu sustento.
"Sempre que o meu pai chegava em estado de embriagues batia-me muito, então preferi fugir para não voltar mais", explica, indo directo ao assunto.
Este rapaz de 16 anos acrescentou que tem recebido a visita da sua mãe para regressar a casa, mas diz que não pretende retornar devidos aos maus-tratos do pai, admitindo que não tem sido fácil estar na rua porque alguns companheiros mais adultos obrigam-no a fazer coisas de que não gosta.
Um outro lado das ruas
A rua também se tem tornado o lugar de muitos portadores de deficiência física para pedirem ajuda aos transeuntes e garantirem o seu sustento.
Maria Kufila, de 42 anos, deficiente dos membros inferiores, está separada do marido há três anos porque este deixou de dar sustento à família e, por causa disso, viu-se obrigada a pedir ajuda para apoiar os filhos.
"Desde que o meu marido saiu de casa, os vizinhos eram as pessoas que me ajudavam a sustentar os meus filhos, só que nos últimos tempos está difícil receber apoio deles. Esta foi à forma que encontrei para apoiá-los", disse esta mãe de quatros filhos.
Quem também está na rua pedindo ajuda é a dona Joana acompanhada de sua filha, Márcia da Silva, de 18 anos. A mãe contou que a maior parte da família encontra-se na província de Benguela e sem apoio algum viu a rua como único refugiu.
"A família não me apoia, por isso que me encontro aqui pedindo ajuda para conseguir algum dinheiro para regressar a Benguela porque lá teremos uma vida diferente", explicou, desiludida com Luanda.
Mas o Novo Jornal Online falou com outros meninos de rua e deficientes, que, por causa da violência a que foram sujeitos, ou porque têm vergonha da situação em que se encontram, preferiram o anonimato.
E há um traço comum a todas estas histórias, muitas delas trágicas: querer sair das ruas e ter uma vida "normal".