Tudo começou em Setembro de 2012. O jornalista angolano Rui Ramos tinha acabado de visitar os serviços pediátricos de um hospital público de Luanda, de onde saiu triste por constatar, entre outros aspectos, que as crianças internadas estavam sem qualquer atracção cultural, faltando-lhes, por exemplo, um livrinho com que pudessem «preencher» o tempo que aguardavam pela alta médica.

Então, surgiu-lhe a ideia de criar pequenas bibliotecas nas pediatrias. Uma criança, um livro, muitos hospitais foi o nome escolhido para o projecto e a Pediatria do Hospital Américo Boavida, em Luanda, a primeira unidade a ser contemplada, depois de uma activa mobilização de amigos e o recurso a dinheiro do próprio autor do projecto, um esforço que viria a ser «coroado» com a angariação de 200 livros.

Nascia, assim, uma iniciativa que, pouco tempo depois, obrigou a que lhe fosse alargado o público-alvo, visto que a doação dos livros deixou de estar «confinada» a hospitais, passando a abranger escolas, centros comunitários, igrejas, enfim, todo o sítio onde crianças, jovens e adolescentes se pudessem reunir para ler passou a estar no «radar solidário» de Rui Ramos.

No total, ao longo dos oito anos de existência do projecto, mesmo sem qualquer apoio do Estado, beneficiando apenas do auxílio de amigos e, muitas vezes, usando do seu próprio dinheiro, Rui Ramos procedeu à doacção de exactos 33.100 livros, ajudando, assim, a criar/apetrechar 129 bibliotecas ou salas de leitura.

E, para quem duvide dos números, Rui possui a extensa base de dados com contactos dos beneficiados e as dezenas de fotos que eternizam os momentos da entrega dos livros pelos quatro cantos do País.

A última doação

Há mais ou menos duas semanas, o projecto de Rui Ramos procedeu à doacção número 129 desde que foi criado, em Setembro de 2012. Na empreitada, realizada em Luanda, o «feliz contemplado» foi um centro comunitário do distrito da Samba, que ministra formação profissional gratuita a crianças e adolescentes na área de música.

Apesar de existir há nove anos e de possuir, inclusive, uma orquestra, o referido centro sempre funcionou sem biblioteca. Por isso, ao Novo Jornal, é com "muita satisfação" que Malamba Camunga, professor e maestro da instituição, fala dos 200 livros que lhes foram doados.

"Recebemos os livros e, agora, estamos a lutar para conseguir patrocínios que nos ajudem a comprar mesas, cadeiras e estantes própria de bibliotecas", revela Camunga, adiantando que a espera pelos patrocínios não tem impedido os alunos de terem acesso aos livros.

"A ajuda do senhor Rui é um milagre que chegou numa altura muito boa", considera Malamba Camunga, que ressalta que os livros não estão disponíveis apenas para os alunos do centro, mas também para o resto do Bairro Huambo, zona onde está situada a escola.

«O livro é um perigo»

De Luanda, onde nasceu há 75 anos, Rui Ramos, jornalista de profissão, entende que o livro é um produto "multiforme" que marca o início de algo. "Quando se oferece livro a uma criança, está a abrir-se-lhe o caminho para ela se desenvolver. É um perigo, porque ela se abre e abre a mente. Mesmo que não o leia todo, a criança passa a conhecer algo, o desconhecido."

É, portanto, movido deste sentimento que Rui Ramos apela a que as pessoas o ajudem a prosseguir com o projecto, que agora se denomina Um livro, uma criança, muitas leituras. "Ofereçam ainda que seja um livro, porque este um será junto a outros para a criação ou apetrechamento de bibliotecas", reforça, adiantando que já tem 140 livros (e aguarda por outras dezenas) para doar, em breve, a Francisco Mapanda (Dago) e Arante Kivuvu, dois activistas que criaram, recentemente, em Luanda, uma biblioteca debaixo de uma pedonal, projecto sobre o qual o NJ já fez também uma reportagem.

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