Com efeito, o maior aliado de Israel, os Estados Unidos, que fornecem as suas mais sofisticadas armas a Televaive, criticaram fortemente esta opção de Israel de atacar o Hamas num país historicamente também aliado de Washington.

Foram, efectivamente, armas fornecidas pelos norte-americanos, incluindo os 15 misseis Hellfire disparados dos igualmente "Made in USA" caças F-35, embora não seja ainda claro todos os modelos de aeronaves usados, que permitiram o "sucesso" deste ataque.

Além disso, apesar de garantir que foi avisado com antecedência e que, por sua vez, mandou avisar o Governo do Catar, criticando Telavive e garantindo que "este tipo de situações não voltam a acontecer", Donald Trump esqueceu-se de dizer que os israelitas precisavam de autorização norte-americana para o emprego das suas armas nesta operação.

Não apenas porque é essa a norma, basta lembrar que os ucranianos não podem usar os misseis norte-americanos sem autorização expressa de Washington, como se trata de um país, o Catar, com históricas ligações de amizade aos EUA e que tem no seu arsenal de defesa anti-aérea os famosos Patriot PAC-3, além de caças F-35, que poderiam ter sido empregues para destruir os misseis e os aviões israelitas.

Se tal viesse a suceder, o que, por não ter acontecido, apesar dos sofisticados radares que integram estes sistemas, abre a possibilidade de ter havido cumplicidade em Doha com o ataque israelita, que foi de uma eficácia inaudita, com 15 misseis a caírem no exacto local onde estava a direcção local do Hamas, cuja sede é cedida pelas autoridades nacionais cataris.

Mas, a consequência mais dramática deste ataque foi destruir a confiança no processo negocial que decorre há largos meses em Doha, no qual intervém o próprio Emir do Catar, Sheik Tamin bin Hamad Al-Thani, e os EUA, como mediadores, o que leva alguns analistas a considerar que Israel não puniu apenas o Hamas, garantiu a continuidade do conflito em Gaza, o que demonstra que em Telavive não se pretende a paz.

Isto acontece quando em Gaza as Forças de Defesa de Israel (IDF) que conduziram o ataque com o apoio de intelligentsia do Shin Bet, a secreta interna, e da AMAN, a secreta militar israelitas, têm em curso um gigantesco raid à Cidade de Gaza com o objectivo de dela fazer sair toda a população civil, provavelmente mais de 1,2 milhões de pessoas.

Face a este cenário em que surge saliente a escalada regional do conflito de Gaza, com o Catar a entrar na lista, depois de Israel ter abatido líderes do Hamas no Líbano, no Irão, na Síria, no Iraque e na Cisjordânia, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres apressou-se a sublinhar precisamente esse dado.

O chefe das Nações Unidas considerou ter-se tratado de uma "flagrante violação" da soberania e da integridade territorial do Catar, insistindo no apelo às partes que devem focar as suas atenções em conseguirem um cessar-fogo permanente em Gaza e não em tudo fazer para "destruir as negociações em que se procura consegui-lo".

Neste ataque, segundo um comunicado do movimento palestiniano, foram mortos seis dirigentes do Hamas em Doha, que é a principal base de apoio no exterior do grupo de resistência palestiniano contra a ocupação israelita que no ocidente é considerado terrorista.

O Hamas faz saber nesse mesmo comunicado que nenhum dos seus lideres de topo foi abatido, tendo ainda sido morto o filho de um dos seus lideres no exílio, tendo os chefes das negociações e dirigentes seniores sobrevivido.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau, considerou "totalmente justificado" este ataque como resposta ao ataque em Jerusalém, a uma estação de camionagem em que foram mortos seis pessoas numa acção que Telavive aponta ao Hamas.

Só que, como sublinham vários analistas, esta justificação é ilusória, porque um ataque com esta envergadura, empregando vários aviões, dezenas de misseis de precisão, garantir que os sistemas cataris de defesa anti-aérea, incluindo os norte-americanos Patriot PAC-3 e a sua aviação sofisticada, igualmente fornecida pelos EUA, não iriam ser accionados, leva muitos meses de preparação.

Também o Catar, país que num gesto de demonstração de amizade, ofereceu, há meses, um avião, um Boeing 747 modificado, a Donald Trump no valor de 400 milhões USD, já condenou severamente esta "violação flagrante" da sua soberania, enquanto em Riade, o Governo saudita mostrou igualmente uma inaudita fúria crítica com este acto "terrorista" de Israel.

Que tipo de consequências este aniquilamento do processo negocial para um cessar-fogo em Gaza poderá ter, ainda é cedo para perceber, mas os analistas creem que o risco de isolamento israelita na cena internacional é agora maior, porque se o maior aliado dos EUA entre os países árabes foi atacado desta forma, os restantes não se podem sentir seguros de verem a sua soberania violada por Telavive.