Durante anos, a tutela tem tratado os jornalistas como pedintes, têm usado a comunicação social para benefício de grupos, enquanto a maioria vive e trabalha em condições pouco dignas. Este processo falhou sobretudo porque faltou ao Ministro da Comunicação Social, Mário de Oliveira, muita sensibilidade, tacto, visão, estratégia e capacidade de negociação. Hoje está a pagar o preço da incoerência, inconsequência e também da incompetência para gerir o sector. O tempo está a encarregar-se de tirar todos os fantasmas do armário.
" (...) Por último, Sr. Presidente, eu queria falar não mais nas vestes de PCA da TPA, mas como jornalista que está na profissão há 25 anos e tem esta como a única e a primeira profissão, que faz dela uma profissão de sacerdócio. Eu compreendo, Sr. Presidente, que existem prioridades que devem ser atendidas, também compreendemos e estamos solidários com a situação económica que o País vive. Mas, Sr. Presidente, pensamos que merecemos e não falo só da televisão, nós, jornalistas, trabalhadores da comunicação social, operadores de câmara, realizadores, produtores, guionistas, e outros, precisam de uma atenção especial. Sempre que o Estado nos convocou, Sr. Presidente, nós dissemos sim, sem impor condições. Sempre que nos convocaram para os grandes desígnios nacionais, tivemos lá para cumprir com as nossas responsabilidades, mas, paradoxalmente, quando se atingem os objectivos, nós assistimos à festa do lado de fora, não somos convidados para a festa", disse o actual PCA da TPA, Francisco Mendes, em Novembro de 2019, por ocasião da visita que o Presidente da República, João Lourenço, efectuou nas suas instalações na zona da Camama.
E foi ainda mais longe quando disse "Peço, Sr. Presidente, como homem de informação que foi durante muitos anos, como homem sensível aos problemas da comunicação social, que faça alguma coisa por nós. Não podemos continuar a assistir às comemorações do lado de fora. Não queremos ter privilégios, não queremos ter um tratamento privilegiado, queremos que nos tratem como estão a tratar os professores, os médicos e oficiais de justiça. Não nos paguem salários milionários que o Governo não consiga pagar, mas paguem-nos salários dignos. Olhem-nos com outros olhos. Apostem na comunicação social! Ela não deve ser apenas alvo de críticas dos governantes, quando algo corre mal. Quando tudo corre bem, dão-nos umas palmadinhas nas costas e depois voltamos ao mesmo estado de angústia".
Curioso será dizer que partes destes discurso foram censuradas durante a transmissão em directo pela própria TPA e ao que se diz sob ordens superiores de uma ainda importante figura palaciana. Certo é que, passados quase seis anos, o discurso de Francisco Mendes é actual e aborda muitas situações que terão contribuído para a greve que os jornalistas dos órgãos públicos decretaram. É que os jornalistas estão cansados de ajudar nos preparativos e na organização para depois assistirem à festa do lado de fora. Os jornalistas sentem-se excluídos, desvalorizados, são tratados com indiferença e sem dignidade.
É que há disponibilidade para dar dinheiro, carros e casas para uns e nunca para os jornalistas. A comunicação social pública é tida como um instrumento ao serviço do Poder e da manutenção de toda a sua máquina, são os jornalistas que divulgam e promovem os feitos da governação e, no final, não são tidos nem achados. Além da pressão no exercício da actividade, também lidam diariamente com as excessivas e abusivas interferências do poder político na linha editorial dos seus órgãos, são muitas vezes humilhados e desprezados por quem governa ou quem é próximo do poder. "Olhem-nos com outros olhos", pediu Francisco Mendes ao Presidente João Lourenço em 2019, mas, até hoje, nada mudou.
Quem governa e quem tem a tutela da comunicação social não tem uma visão sobre a situação, sobre as dificuldades dos jornalistas, não olha para os jornalistas com olhos de ver. Olha para os jornalistas como um meio para atingir um fim, como elementos que dão jeito quando bem precisam. Temos jornalistas a abandonar as redacções e partir para as assessorias e/ou comunicação institucional, temos também outros a viver na mais pura indigência e com graves problemas de saúde.
É preciso tratar a Classe com classe. Não se pode ter uma tutela que nos despreza, que é insensível ao nosso sofrimento, que nos divide e combate. É lamentável que, no ano que comemoramos 50 anos de Independência, os jornalistas estão a fazer uma greve inédita por mais independência financeira, por liberdade, dignidade, respeito e valorização. Os jornalistas querem também fazer parte do banquete e estão cansados de assistir à festa do lado de fora. Não é nada que o Presidente João Lourenço não tenha noção ou conhecimento, é que, há seis anos, Francisco Mendes acabou sendo (sem querer) o porta-voz de todos os jornalistas dos órgãos públicos e, passado todo este tempo, nada foi feito e os resultados estão aí. Não foi falta de aviso.
Mas pensam vocês que eles irão fazer alguma coisa? Eles vão continuar na farra e os jornalistas vão continuar ali onde sempre estiveram: A assistir à festa do lado de fora.