Com este "truque", Volodymyr Zelensky quer dar à Federação Russa um presente de Natal que já tinha usado há cerca de um ano, que é deixar a Ucrânia de fora da Aliança Atlântica em troca de garantias de segurança de Washington e o envio de forças ocidentais para o seu país. "Niet", ouviu-se em Moscovo.

Na Rússia, esta oferta de Kiev nem sequer está a ser equacionada e isso sabia-o Zelensky, porque, como explica, na CNN Portugal, o analista e professor na área das Relações Internacionais da Universidade Lusíada, Tiago André Lopes, não se trata de uma cedência, "é apenas uma jogada diplomática para ganhar tempo".

Isto, porque não apenas este "presente" já tinha sido usado por mais de uma vez ao longo do processo negocial para acabar com a guerra entre russos e ucranianos, como o Presidente ucraniano sabe que há "pelo menos sete países da NATO" que já disseram que a Ucrânia nunca será parte da organização de defesa criada em 1949 pelos EUA para conter o avanço da então URSS na Europa Ocidental.

As negociações entre a delegação ucraniana chefiada por Zelensky, onde está igualmente Rusten Umerov, antigo ministro da Defesa e actual chefe do Conselho de Segurança Nacional da Ucrânia, e os EUA, perante Steve Witkoff, enviado especial de Donald Trump, e Jared Kushner, genro do Presidente norte-americano, estão a ter lugar em Berlim.

Numa reunião de mais de cinco horas no Domingo, 14, pouco ou nada avançou, apesar de os media ocidentais estarem a fazer da proposta de não adesão à NATO uma "jogada de mestre de Zelensky", embora esta segunda-feira os trabalhos continuem.

Para essa "cedência", o ucraniano, que já por várias vezes nestes quatro anos de guerra disse estar ciente de que não pode acontecer, quer que os EUA e os seus aliados europeus, especialmente Reino Unido, França e Alemanha, garantam a segurança da Ucrânia sob a forma de "resposta igual ao Artº 5 da NATO", o que quer dizer que em caso de um recomeço do conflito, os EUA e os europeus entrem na guerra ao lado de Kiev.

Ora, para Moscovo, esta forma de negociar não é suficiente para se sentarem à mesa, como o demonstra o facto de o Kremlin nem sequer estar a reagir, sendo a posição russa apenas repetida pelos analistas próximos da Federação, que estão a lembrar, especialmente nos canais nas redes sociais, que a questão da NATO já não estar em cima da mesa há muito tempo.

Isso e o facto de os Estados Unidos, mesmo no tempo da anterior Administração de Joe Biden, já terem afirmado que Kiev jamais fará parte da NATO, e ainda porque a adesão da Ucrânia a esta organização militar foi uma das razões de topo para a invasão russa em Fevereiro de 2022.

Uma das observações mais consideradas actualmente é a de John Mearsheimer, professor da Universidade de Chicago e um dos mais relevantes analistas norte-americanos em geoestratégia, quando este nota que estas negociações estão a acontecer como se as partes, Kiev e Washington, não conhecessem as posições de longa data, pelo menos desde 2023, dos russos.

Essas posições, das quais o Kremlin ainda não admitiu ceder em nenhuma delas, passam por três pilares essenciais, a questão da neutralidade ucraniana, onde a adesão à NATO não é sequer para analisar, a questão territorial, onde Moscovo não coloca como negociável a condição de geografia russa das cinco regiões anexadas em 2014 (Crimeia) e em 2022 (Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia), e a desmilitarização da Ucrânia.

Ora, do que se sabe das negociações em Berlim, a parte ucraniana, onde está ainda o chanceler alemão, Friedrich Merz, está a tentar levar os EUA a aceitarem que a desistência de adesão à NATO é suficiente para que Washington "obrigue" os russos a aceitarem um cessar-fogo congelando o conflito nas actuais posições para depois continuar as negociações.

A ideia que está a germinar com mais intensidade entre os analistas independentes é que as actuais posições de Kiev e dos seus aliados europeus conduzem a situação para a continuação do conflito e não para a paz negociada, porque em Paris, Londres e Berlim acredita-se que a Rússia está à beira do colapso económico devido às sanções e que se a Ucrânia conseguir manter a guerra acesa, acabará por vencer por exaustão de Moscovo.

Para isso, nota, entre outros, Jacques Baud, coronel da intelligentsia militar suíça e antigo elemento de ligação na NATO, com dezenas de livros publicados sobre estratégia militar, três dos quais já com este conflito em pano de fundo, Kiev precisa que os EUA passem de vez para o seu lado, com apoio financeiro e em armamento ilimitado como acontecia com o ex-Presidente Joe Biden.

Face a esta posição que só pode ser entendida como uma vontade de Kiev e dos seus aliados europeus manterem o conflito a correr, em Moscovo, a não ser que aconteça algo de inusitado, a decisão será de resolver tudo no campo de batalha, onde claramente está a conseguir os seus objectivos, com avanços substantivos mas ainda subjugados a uma guerra de atrito que visa antes de mais, reduzir o potencial do inimigo tanto em homens como em equipamento.

O que os analistas citados admitem que possa ser agora novo neste âmbito é os russos mudarem a abordagem a esta guerra, evoluindo do atrito, onde os objectivos mais relevantes não são os avanços no terreno mas sim a destruição do inimigo, para uma fase de avanços mais rápidos empregando outras tácticas e o emprego de outro tipo de armamento, aumentando muito o risco de uma escalada regional...

Para já, em Berlim, da parte norte-americana, que pode obrigar Kiev a ceder assim que optar por fechar a torneira dos apoios, devido à irrelevância europeia, a aposta é no optimismo estratégico, com Steve Witkoff, apesar de conhecer bem a férrea posição russa de não ceder um milímetro, a garantir que a Ucrânia está a conseguir obter ganhos negociais.

E quem o diz é a agência estatal, TASS, que refere numa notícia já nesta segunda-feira, 15, onde cita Witkoff a dizer que as delegações dos EUA e da Ucrânia estão a conseguir avanços substantivos em Berlim, apontando para o plano de paz que está há semanas a ser retocado de um lado e do outro.

Recorde-se que desde que há cerca de mês e meio foi conhecido o plano de 28 pontos norte-americano, que contava com uma distante simpatia do Kremlin, este documento foi alvo de várias revisões no contexto das negociações em múltiplas rondas, ora com Kiev e os europeus, ora com os russos.

Desses 28 pontos iniciais, o plano conta agora com 20, depois de Steve Witkoff e Jared Kushner terem estado em Moscovo, várias vezes, e com os ucranianos e europeus outras tantas ocasiões, sendo que, segundo avança The New York Times, Kiev, Paris, Londres e Berlim parecem estar a conseguir empurrar Washington para um documento onde Moscovo está "obrigado" a ceder muito além das posições que são bem conhecidas desde 2023.

Optimista, Witkoff foi à rede social X escrever que "foi conseguido um enorme progresso nas negociações" para a parte ucraniana, embora sem explicar em concreto, apontando para a continuação das negociações esta segunda-feira, na capital alemã, sendo que a ausência mais presente, a dos russos, parece estar a ser claramente ignorada por Zelensky que visa apenas conseguir realojar os EUIA no seu "team" contra os russos.

Isso tem dito o Presidente ucraniano, acentuando a importância de os EUA não saírem da equipa da NATO nesta frente anti-russa, e os três países europeus que são os guarda-costas do ucraniano nestes "rounds" negociais não escondem igualmente que o que mais querem é que Washington não apenas medeie as conversações mas seja um actor activo no conflito contra a Rússia.

E isso é possível de perceber quando, por exemplo, o secretário-geral das NATO, Mark Rutte, à semelhança de outros responsáveis militares da Aliança Atlântica, não se cansa de repetir que a Rússia está a preparar um ataque aos países da NATO logo após tomar a Ucrânia, se os aliados não os enfrentarem com convicção e sem titubear.

Na quinta-feira da semana passada, Rutte foi mais longe que nunca ao afirmar que os países da NATO se devem preparar para "uma guerra ao estilo das que viveram os nossos avós", referindo-se à II Guerra Mundial, com a Rússia.

Na reacção, breve, a esta "declaração irresponsável e ignorante do senhor Rutte". Dmitri Peskov, porta-voz da Presidência russa, disse que o secretário-geral da NATO "não sabe do que está a falar e ignora os horrores daquilo que foi a II Guerra Mundial"

Ainda mais estranho foi a declaração do chefe do Comité Militar da NATO, o almirante italiano Giuseppe Dragone, onde este admite que está para breve "um ataque preventivo à Rússia para impedir que Moscovo ataque os países da Aliança".

Ou ainda o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas francês, General Fabien Mandon, que disse que a França precisa de se preparar para "aceitar a morte dos seus filhos" numa guerra com a Rússia para defender os valores europeus face a um ataque de Moscovo.

Curiosamente, os autores destas declarações são os mesmos que há anos defendem que a Rússia está á beira do colapso económico, a perder capacidades militares, prestes a deixar de poder alimentar a frente de combate devido ás elevadas baixas em combate, ou que em 2023 afirmavam que estavam obrigados a aproveitar os chips das máquinas de lavar para produzir misseis ou não tinham botas e meias para os seus militares...

Menos circense, o major-general Agostinho Costa tem sublinhado a incongruência destas declarações de responsáveis da NATO e da União Europeia, sublinhando que a Rússia não tem nem vontade nem meios, se o quisesse de facto, para atacar a NATO, lembrando que até o Presidente russo, Vladimir Putin, tem repetido a insensatez de tais afirmações.

Face a este contexto, mesmo que as negociações decorram de forma incessante, o mais certo é que as posições de Moscovo e de Kiev, com os seus aliados europeus, se revelem inconciliáveis e que a guerra acabe por ser resolvida no terreno e não à mesa.

A não ser que os EUA se cansem deste processo extenuante e encostem de facto os ucranianos à parede com a interrupção cabal do apoio militar, incluindo na intelligentsia, e financeiro, o que acabaria igualmente por pressionar os países europeus a flexibilizar posições devido à sua vulnerabilidade militar, económica e política, visto que Macron, Starmer e Merz são líderes com os mais baixos apoios populares em décadas nos respectivos países.