Bemba estava detido há cerca de 10 anos no contexto de uma condenação a 18 anos de cadeia pelo TPI, resultado de um julgamento onde o político congolês estava acusado de responsabilidades em crimes de guerra e contra a humanidade, incluindo pela primeira vez os de natureza sexual, cometidos pelos militares que comandava na República Centro Africana (RCA), em 2003.

Na semana passada foi ilibado dessa responsabilidade criminal enquanto comandante militar, abrindo assim o TPI a porta da cadeia para Jean-Pierre Bemba, o que só ontem foi concretizado, sublinhando o tribunal que a decisão sobre a cobertura legal para uma candidatura depende da justiça congolesa e não do tribunal internacional, com sede em Haia, Holanda.

Face a isto, e como vai decidir a justiça congolesa, ainda não se sabe, mas o ministro da Justiça da RDC, Alexis Thambwe Mwamba, já disse que Bemba poderá voltar ao seu país quando e como quiser, porque o ex-Vice-Presidente Bemba, um dos políticos mais populados do Congo-Kinshasa, não tem problemas com a justiça na RDC mas sim na RCA.

Aparentemente, segundo os analistas congoleses, a única questão que pode travar uma candidatura de Jean-Pierre Bemba é a questão que ainda tem pendente no TPI, um segundo processo, sobre o qual o tribunal de Haia ainda não se pronunciou mas que os seus advogados dizem acreditar que venha a ser uma decisão semelhante, visto que é a mesma tipologia criminal que lhe está subjacente.

A eventual condição de inelegível para Bemba só poderá ser determinada pela justiça da RDC, existindo essa possibilidade porque a lei eleitoral exclui da corrida aqueles que foram ou estão condenados por crimes contra a humanidade, como foi o caso, embora esta reviravolta no TPI possa levar à retirada dessa acusações e anular a condenação a que foi sujeito.

Essa mesma reviravolta aconteceu porque os juízes aceitaram que Bemba não participou nem autorizou os crimes em questão, sendo parte destes de violações de menores na RCA por militares comandados pelo ex-Vice-Presidente da RDC, em 2003, durante o conflito que, à época, manteve aquele país vizinho a ferro e fogo devido ao golpe que levou Ange-Félix Patassé ao poder, com o seu apoio, destituindo François Bozizé.

Face a este cenário, e ao que tudo indica, Bemba poderá erguer-se como o principal candidato às presidenciais de 23 de Dezembro, na RDC, mas mesmo que o não seja, porque não quer ou por não lhe ser legalmente possível, uma coisa é certa... o jogo vai virar e em desfavor de uma putativa candidatura de Joseph Kabila, apesar de impedido pela Constituição, ou de um homem da sua confiança.

Bemba, a ameaça a Kabila

Facto é que o seu partido, o Movimento de Libertação do Congo (MLC) não tem dúvidas que o quer como candidato, que esta é a hora certa para derrotar Kabila e o seu regime, mas entre o querer e o poder fica o possível e isso depende, por exemplo, de uma outra condenação, em 2017, por tentativa de suborno de testemunhas arroladas pelo TPI no âmbito do processo contra por crimes de guerra e contra a humanidade em 2003, na RCA.

A primeira reacção do Governo de Joseph Kabila, de quem Bemba é um dos grandes opositores, partiu do seu porta-voz e ministro da Comunicação, Lambert Mende, que disse que não se pronunciava por razões deontológicas, visto que o problema de Bemba não foi com a justiça na RDC mas sim com questões ocorridas na RCA, deixando no ar, no entanto, alguma má disposição com a sua libertação ao afirmar aos jornalistas que não iria dizer se se trata de uma má notícia ou de uma boa notícia.

~Também Moise Katumbi, pré-candidato e igualmente opositor a Kabila, apontou a libertação de Jean-Pierre Bemba como um grande momento para a liberdade e justiça, que tem agora uma nova e positiva era na justiça contra "os falsos julgamentos".

Félix Tshisekedi, líder da UDPS, o maior partido da oposição na RDC, sublinhou igualmente a sua alegria pela libertação de Bemba e admitiu que esse facto poderá abrir uma nova fase na política nacional, com o reforço claro das alternativas ao poder totalitário de Kabila.

A reacção de Kabila, de viva voz, ainda não aconteceu, mas deverá mexer-se contra Bemba porque é claramente mais um problema a ultrapassar na sua corrida à manutenção do poder, que está claramente em curso.

Kabila é candidato

O actual Presidente da República Democrática do Congo (RDC), Joseph Kabila, que está constitucionalmente impedido de se candidatar a um 3º mandato, está mesmo a preparar o terreno para se recandidatar, pondo o gigante Congo, de novo, a um passo do caos e o continente africano a dois de uma enorme dor de cabeça.

Depois de o seu Partido Popular para a Reconstrução e Democracia (PPRD) ter lançado, há semanas, uma campanha com a cara de Kabila anunciando-o como o seu "candidato 100%", agora surgiu aquilo que é já considerado como a plataforma que assegura a incontornável candidatura de Kabila, excepto se a RDC voltar a ser afogada em violência, como aconteceu em 2017.

A plataforma recém-criada Frente Comum para o Congo (FCC), denominada como "grande coligação eleitoral", que deverá substituir a anterior Maioria Presidencial (MP) que Kabila usou como moldura para as suas candidaturas anteriores, apontou Joseph Kabila como figura titular da campanha que está subjacente à sua criação.

Apesar de Kabila ainda não ter dito de viva voz que é candidato, e face ao facto de a Constituição ser peremptória no impedimento de um 3º mandato consecutivo, o seu partido, o PPRD, já tirou as dúvidas ao garantir que não existe outro candidato senão ele.

O PPRD de Kabila é o partido que suporta financeiramente a milionária campanha eleitoral em curso para reeleger o ainda Chefe de Estado para o ilegal 3º mandato que se avizinha, por meio de ameaças dos seus porta-vozes de "ir até ao limite" contra todos aqueles que se opuserem e intrometerem nos assuntos internos da RDC.

Lambert Mende, ministro de Kabila para a Comunicação e seu porta-voz, ameaçou, na semana passada, directamente, o Ruanda e Angola com a ambígua frase "até ao limite" na resposta depois de João Lourenço e Paul Kagame terem, em Paris, França, feito apelos e aconselhado Joseph Kabila a cumprir o acordo que assinou a 31 de Dezembro de 2016, com a oposição, com intermediação dos bispos católicos da RDC, para abandonar o poder assim que fossem realizadas eleições.

Nesse acordo, de São Silvestre, assinado depois de um adiamento das eleições e num ambiente de terror nas ruas de Kinshasa e das principais cidades do país, com dezenas de milhares a protestar contra Kabila e a exigir eleições, com centenas de mortos e milhares de feridos pelo caminho, o Presidente assumia a condição de não ser candidato e de organizar eleições em 2017.

Isso não aconteceu e Kabila reagendou a ida às urnas para 23 de Dezembro deste ano, 2018, sem nunca garantir que não é candidato, deixando apenas os seus mais próximos dizerem que a Constituição não será violada. Os interesses em jogo são muitos, com milhões em jogo nos muitos negócios que ele ea sua família têmnas principais empresas do país.

Mas, ao mesmo tempo, põe em marcha uma gigantesca operação de promoção da sua candidatura, com outdoors e programas de rádio nas comunidades mais remotas, sendo, agora, a escassos seis meses das eleições - se a data for cumprida -, a máscara caiu e é já claro que Kabila está a preparar a sua recandidatura com vigor e empenho.