Essa lógica paradoxal parece ecoar, com desconfortável familiaridade, na execução do Orçamento Geral do Estado (OGE). Entre o Presidente João Lourenço e a coordenação da equipa económica desenha-se, de forma quase didática, um jogo de estratégias assimétricas, marcado pela tensão entre o controlo político e a prudência tecnocrática. Cada actor parece agir segundo o seu "melhor interesse" - preservar capital político, evitar rupturas fiscais, gerir expectativas externas -, mas o resultado colectivo é uma espécie de equilíbrio de Nash à angolana: estável na aparência, ineficiente na substância. A execução orçamental torna-se, assim, o tabuleiro onde se joga um dilema do prisioneiro orçamental - um jogo em que o interesse colectivo deveria prevalecer, mas o cálculo político de um e a incompetência de outro ditam a jogada dominante.

Ora vejamos,
O relatório de execução do OGE referente ao primeiro semestre de 2025 revela um desempenho orçamental bastante aquém do esperado - embora, convenhamos, dificilmente surpreendente. As premissas que sustentaram a sua elaboração assentaram mais num acto de fé do que num diagnóstico realista da conjuntura socioeconómica nacional e internacional. A projecção das receitas partiu de um optimismo quase messiânico, como se Angola existisse num mundo paralelo, imune às convulsões geopolíticas que moldam a economia global. Ignorou-se, com notável voluntarismo, que há uma guerra prolongada na Europa e outra, de proporções sistémicas, no Médio Oriente, ambas com capacidade para distorcer as cadeias de fornecimento e encarecer o comércio internacional; que os Estados Unidos prosseguem uma política comercial orientada para o reequilíbrio competitivo com os seus principais parceiros; e que o dólar norte-americano - moeda de referência da nossa principal exportação - permanece numa trajectória de desvalorização que fragiliza as receitas fiscais indexadas ao petróleo. Do lado da despesa, o OGE 2025 revela uma previsibilidade desalentadora, um exercício de ortodoxia sem engenho nem ousadia - o equivalente, numa metáfora futebolística, a uma equipa que entra em campo apenas para empatar. O guião é o de sempre: pagar salários, amortizar dívidas e esperar que o tempo - ou a providência - resolva o que a política económica não ousa enfrentar. O investimento público definha, a despesa social é comprimida e o "vilão recorrente" da narrativa orçamental - o cidadão e a empresa nacional - volta a ser lançado à sorte de uma eventual intervenção divina.
Do lado das receitas, a execução petrolífera atingiu apenas 41% do valor previsto para o ano - paradoxalmente, o melhor indicador entre as fontes de financiamento do Estado. Nada de surpreendente, se considerarmos as conhecidas dificuldades em cumprir os níveis de produção de petróleo fixados no próprio OGE, cuja ambição técnica parece ter ignorado a realidade operacional do sector. A receita de financiamento externo ficou-se pelos 36%, muito aquém dos 50% que uma distribuição linear recomendaria, revelando as persistentes dificuldades de acesso aos mercados internacionais de capitais em condições minimamente favoráveis. A recente emissão de Eurobonds é, a este respeito, paradigmática: o país foi forçado a emitir títulos com maturidades de apenas cinco anos e a suportar uma taxa de juro próxima dos 10%, um custo de financiamento que diz mais sobre a percepção de risco soberano do que qualquer relatório de rating poderia sintetizar. Mais preocupante, porém, é o desempenho do financiamento interno, que não ultrapassou 22% do previsto para o ano. Este dado deveria inquietar aqueles que ainda acreditam na existência de um mercado financeiro nacional perfeitamente elástico, capaz de suprir, sem esforço, as carências de uma política económica hesitante e avessa ao risco. Em Angola, a política fiscal continua a carregar sozinha o peso do ajustamento, enquanto a política monetária, reduzida a uma função quase decorativa, roça a irrelevância.
Para alcançar o seu particular equilíbrio de Nash, o Presidente João Lourenço e os seus auxiliares da equipa económica optam, previsivelmente, por ajustar do lado da despesa - penalizando, mais uma vez, os cidadãos e as empresas nacionais. A execução orçamental parece orientada unicamente para manter o barco à tona, garantindo a navegabilidade política do regime, mas sem resolver os problemas estruturais da economia nem as carências sociais mais prementes. O serviço da dívida mantém-se em linha com o previsto, cumprindo-se religiosamente os calendários de reembolso acordados com os credores: 71% da dívida interna e 29% da externa. Os salários da função pública absorveram já cerca de 45% do montante orçamentado para o ano, assegurando a estabilidade mínima do aparelho administrativo.
Entretanto, as transferências destinadas à protecção social e ao apoio ao sector produtivo não ultrapassaram os 29% do previsto - e, mesmo assim, este valor inclui os subsídios aos combustíveis. Se descontarmos tais subsídios, o montante efectivamente transferido para o cidadão e sector produtivo nacional é manifestamente residual. A estrutura da despesa é reveladora: 52% do total executado no primeiro semestre destinou-se ao pagamento de juros e à amortização do capital da dívida, o que transforma o Estado num mero gestor de passivos. O investimento público representou apenas 18% da despesa total, financiado quase integralmente por desembolsos de linhas de crédito externas, portanto sem impacto efectivo sobre a tesouraria interna. Por fim, as rubricas relativas à bens e serviços - que incluem a educação e a saúde - não ultrapassaram 12% da despesa global, confirmando a tendência de compressão das funções essenciais do Estado. Em termos de teoria dos jogos, o governo parece ter encontrado o seu equilíbrio de Nash: ninguém ganha, mas todos fingem que o jogo continua sob controlo.
Num momento em que o processo orçamental para 2026 já se encontra em curso, é possível antecipar, com um elevado grau de certeza, que o jogo está para continuar. O bem colectivo não surge como objectivo de nenhum dos jogadores; o que verdadeiramente importa é a preservação do interesse próprio de cada um, independentemente do custo social que daí decorra. Os pressupostos macroeconómicos recomendam prudência na projecção da receita petrolífera, tendo em conta que os preços internacionais persistem em situar-se abaixo dos 65 dólares norte-americanos por barril e que a produção de petróleo bruto dificilmente ultrapassará os níveis verificados até ao momento em 2025. Por outro lado, a fé quase dogmática na suposta elasticidade do mercado financeiro nacional poderá revelar-se ilusória, à medida que os balanços dos bancos evidenciam uma exposição crescente ao risco soberano. Em suma, o tabuleiro mantém-se o mesmo e as jogadas repetem-se: cada actor prossegue a sua estratégia dominante, consciente de que o equilíbrio alcançado é, como ensina a teoria dos jogos, estável apenas porque todos se conformaram com a ineficiência. Pasme-se!
Duas abordagens poderiam, com engenho e coragem política, redefinir a trajectória da política económica em Angola. A primeira passaria por um ajustamento das finanças públicas feito do lado da despesa, mas sem comprometer as rubricas sociais nem o apoio ao sector produtivo nacional. Pelo contrário, esse ajustamento deveria ser alcançado através de uma reestruturação criteriosa da dívida pública, canalizando a poupança obtida para reforçar as políticas públicas nos sectores da saúde, da educação e da promoção da produção nacional. A experiência recente da Argentina sob a liderança de Javier Milei demonstra que políticas económicas disruptivas - quando concebidas com rigor técnico, audácia conceptual e disciplina orçamental - podem gerar resultados positivos mesmo no curto prazo. Em 2026, Angola deverá desembolsar entre 12 e 13 mil milhões de dólares para honrar compromissos junto dos bancos nacionais e dos credores internacionais - quase 70% da despesa total. Uma reestruturação que limitasse o serviço da dívida aos níveis verificados antes de 2014 - cerca de 20% da despesa - permitiria libertar mais de 5 mil milhões de dólares anuais para investimento social e produtivo. Segundo, com tal margem de manobra, o Presidente João Lourenço poderia enfrentar os dois últimos orçamentos do seu segundo mandato com um verdadeiro espaço fiscal para dinamizar a economia, restaurar a confiança do povo no seu Partido e criar um ambiente de optimismo credível para o investimento privado, nacional e estrangeiro.
O dilema que se desenha é essencialmente estratégico: todos sabem o que deveria ser feito, mas ninguém quer ser o primeiro a fazê-lo. Como escreveu Albert W. Tucker (1905-1995) ao formular o célebre Dilema do Prisioneiro, "a busca individual pela segurança conduz inevitavelmente à ruína colectiva." É precisamente essa lógica que parece dominar a condução da política económica em Angola: decisões tomadas não com base na eficiência social, mas na conveniência política de curto prazo. O Presidente João Lourenço permanece refém de uma equipa económica que confunde prudência com imobilismo e ortodoxia com competência técnica. Falta engenho, falta visão e, sobretudo, falta a coragem intelectual para transformar o jogo. Assim, o equilíbrio mantém-se - não porque seja o melhor, mas porque ninguém na mesa parece saber, ou ousar, jogar de outra forma.n

*Professor Auxiliar de Economia e Investigador
Business and Economic School - ISG

Bibliografia
• Relatório de Execução Orçamental Trimestral do OGE: II Trimestre de 2025, Ministério das Finanças, Julho 2025.