Este quadro - desafiante e tocante - faz da pobreza extrema uma realidade incómoda em absoluto, especialmente nas áreas rurais mais recônditas. A fome, nudez, analfabetismo, doenças e indigência tornam-se uma realidade que, num país rico em recursos e a jubilar de 50 anos de independência, interpela fortemente as elites dirigentes sobre a necessidade de caminhos urgentes para que os cidadãos beneficiem mais e melhor dessas riquezas. E ninguém se sente mais interpelado que os Padres, Pastores e Bispos pelo facto de não só viverem inseridos nas comunidades, como por serem testemunhas e depositários das confidências, lamentos e desabafos destes mesmos cidadãos que acorrem às suas igrejas. Terão sido essas as motivações que levaram a CEAST a propor ao Presidente da República, e este acolher, a realização do referido Congresso: um exercício de reflexão conjunta sobre uma melhor governação para uma melhor justiça retributiva. Um processo que reposicionasse as balizas com as quais essa governação é feita em todos os sectores da vida nacional e a todos os níveis. Tendo em atenção o nível de conflitualidade ainda existente na nossa sociedade um exercício de negociação diplomática, social, económica e política que "derrubasse muros e lançasse pontes", numa lógica de fraternidade, participação e inclusão. Uma tarefa, convenha-se, altamente delicada, ambiciosa e hercúlea. Mas a Sociedade acredita(va) que não era nada que a CEAST, com a sua vasta experiência e inserção plena nas várias franjas sociais, não pudesse levar a bom porto.
Estava a CEAST consciente do peso da responsabilidade que assumia perante a sociedade? Talves sim, talvez nem tanto, difícil dizer. O seu Presidente fez um excelente trabalho de advocacia institucional junto das lideranças-chave do País. O próprio Presidente da República, as lideranças políticas e religiosas de outras confissões religiosas. Mas, ao nível imediatamente inferior, das lideranças de opinião, da Sociedade Civil, da comunicação social - não parece ter havido um Plano de Comunicação Institucional - das elites económicas, essa advocacia parece ter acontecido com menos intensidade. E terá deixado de lado a sua maior força, a que a torna única: a mobilização orante dos fiéis e leigos.
De facto, e à semelhança do processo intenso, participativo e comunitário do Sínodo recentemente realizado em Roma que engajou a Igreja em todo o Mundo ou, num exemplo mais nacional, do Congresso Pro Pace de 2000, não houve vigílias, jornadas de reflexão, oração da CEAST para ser feita em todas as missas, retiros, etc., que engajasse "o santo povo de Deus" nas capelanias, paróquias, missões e dioceses. Pareceu ser um evento nacional com representantes seleccionados mais ou menos às pressas e sem critérios ou suficiente preparação temática.
São poucos conhecidos os termos de referência do Congresso - e, se os houve, os moldes como foram construídos. Essa é uma ferramenta essencial para, na lufa-lufa das mil e uma actividades de preparação, não se perder o rumo. Identifica uma estrutura de coordenação, normalmente comissões de trabalho especializadas, define a "checklist" das actividades-chave e permite o aprofundamento da reflexão das questões estruturantes. Por exemplo, uma comissão central analisaria as questões estratégicas como os desafios políticos e institucionais que, se não devidamente equacionados, poderiam criar ruídos nas percepções - como alinhamentos com processos de crispação interna de actores-chave - resultando em bloqueios; o perfil dos participantes, as condições de participação, o local do evento (por que não numa igreja ao invés de um hotel?), etc. A ela caberia também analisar as nuances político-diplomáticas da grelha dos temas sobre os quais reflectir, a metodologia dessa reflexão (porquê não inspirar-se nos retiros?) e, muito importante, a lista dos prelectores: como é percebido cada prelector por cada grupo alvo do Congresso. Tem autoridade moral no tema de que é responsável e paridade protocolar reconhecida por todos os actores-chave? - seria a pergunta-chave a responder para cada seleccionado.
Outro exemplo, uma comissão de comunicação analisaria as mensagens que se pretendia transmitir; a "linguagem" utilizada no "como" fazer essa Comunicação - seja explícita como implicitamente, no plano pessoal ou enquanto instituição - bem como os canais mais adequados para o fazer. Manteria a opinião pública informada e, por via disso, conectada ao evento. Uma comissão de finanças zelaria pela análise das fontes de financiamento, assegurando que não criassem uma percepção de condicionamento da independência do evento e garantiria a prestação de contas transparente dos recursos e fundos utilizados. Em resumo, numa empreitada de tamanha complexidade, tudo se resumiria numa gestão cuidadosa e prudente das percepções dos diferentes actores-chave que se pretendia engajar, evitando mal-entendidos e procurando criar condições para que todos os actores pretendidos "se sentissem à vontade".
Os Bispos Católicos são, de uma forma geral, entidades altamente respeitadas na sociedade angolana. Pode-se dizer empiricamente que, na pirâmide social de um ranking de aceitação social, estão no topo, enquanto entidade colectiva. A legítima expectativa era, por isso, que fossem eles, individual e pessoalmente, os prelectores dos temas e moderadores dos debates. Eles são os únicos com peso para moderar sessões onde estivessem os líderes máximos dos partidos políticos, sindicatos, associações, clérigos, etc. Não foi isso que aconteceu. Por razões ainda não explicadas, os prelectores foram, ou individualidades conhecidas como críticas ao executivo ou em processos internos de disputa de liderança no respectivo partido político, no geral, protocolarmente desniveladas. O exercício pareceu uma "oferta" a estas individualidades, do espaço privilegiado de alta visibilidade política que o Congresso tinha o potencial de ser.
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