Sou dos que se preocupam com o facto de encontrar, no seu círculo de conhecidos da classe média-alta, uma quase unanimidade quanto à decisão de ir ao exterior, não só fazer intervenções cirúrgicas complicadas, mas também actos médicos banais, como os partos (naturalmente estou a referir-me a situações em que não se prevejam complicações), e consultas de rotina, como os, tão na moda entre os que podem, check-ups. É corriqueiro perceber, nesse círculo, que o médico pessoal (ou, na designação proveniente de alguns países, "o médico de família") não se encontra em Angola, mas no exterior. Na verdade, comportam-se como expatriados, que aqui vivem o seu dia-a-dia, mas que não têm a mínima confiança nas estruturas de saúde existentes.
Na realidade, quando contactamos algum médico, mesmo amigo, porque, é claro, aos membros desse grupo, é quase impossível não ter médicos amigos ou, mesmo, familiares, são eles os primeiros a recomendar que qualquer intervenção, um pouco mais delicada, seja feita no exterior. E aí há certa hierarquia no destino, também relacionada com o poder económico de cada um: os que podem, mesmo, vão a Londres ou aos Estados Unidos; os que podem bastante vão a Portugal ou ao Brasil; e os que podem um bocadinho menos vão a Cuba, África do Sul ou Namíbia. Os que não podem vão aos hospitais públicos da banda! Nos últimos anos, surgiu um outro grupo, que eventualmente não poderia, mas que, ao ter acesso a seguros de saúde, acaba por poder ir a clínicas ou a hospitais privados. Mas, a verdade é que, mesmo os que podem ter acesso à elite das instalações hospitalares que existem em Angola, não confiam nelas, talvez por conhecerem tantos casos, nos seus círculos próximos, como os que eu relato no início desta crónica.
E isto é muito triste e preocupante. Não só porque é um retrato confrangedor do nosso Sistema Nacional de Saúde (e reparem que só estou a falar na pequeníssima franja dos privilegiados do/no nosso país e não na imensa maioria que sofre diariamente a catástrofe das enfermidades que continuam a dizimar quantidades muito importantes da nossa população e, particularmente, crianças, como a malária, as doenças diarreicas ou respiratórias, a tuberculose, entre outras), mas reflecte, em meu entender, sobre a atitude que uma boa parte desse grupo tem para com os problemas que estão na sua mão equacionar e resolver. Pois esse é o grupo dos decisores. E quem não vive os problemas da maioria dificilmente sente os problemas da maioria.
A situação da saúde é preocupante. E precisa de uma nova abordagem, que inclua todos os aspectos que contribuem para que possa existir um SNS capaz: desde a formação dos quadros à percentagem do OGE que lhe é atribuído.
E, para começar, era crucial que quem nos "trata da saúde", os governantes, não mandassem os seus próximos para o exterior, tratar da deles.