As makas colaterais ao futebol, mais discutidas neste momento, são as mudanças nas direcções técnicas das selecções nacionais de andebol masculino e de futsal, ambas apuradas para os respectivos "Mundiais", sendo que a primeira já lá esteve, com resultados nada bons. Há uma franja considerável da sociedade defendendo que Nelson Catito (andebol) e Benvindo Inácio (futsal) deveriam continuar à frente das respectivas selecções. E o argumento mais usado é que foram eles quem qualificou as equipas e tinham que ser eles a dirigi-las nas competições para as quais as apuraram.
Estranhamente, ninguém evoca falta de competência dos substitutos, no caso José Pereira "Kido" e Rui Sampaio. Do ponto de vista da competência técnica e profissional, os defensores da continuidade nada apontam em desabono aos treinadores ora nomeados. Em face disso, até prova em contrário, um e outro são competentes técnica e profissionalmente. Ora, sendo assim, está claro que a reclamação dos do contra não é de natureza técnica (objectiva), mas essencialmente de natureza emocional (subjectiva). Isto é normal. Normalíssimo mesmo, porque o Criador não nos fez a todos iguais. Por isso é que há gordos e magros, altos e baixos, mal-parecidos e bem-parecidos. Quer dizer cada ser é um ser único, sem réplica, e ninguém é igual a ninguém - o Mundo seria enfadonho se todos fôssemos iguais. Só por isso, aliás, é que há casos de gémeos verdadeiros que torcem por clubes diferentes. Há casos em que um é "agostino" dos sete costados e outro é "tricolor" inveterado... Logo, uns defendem a dupla defenestrada e outros não.
Por mais razões que tenham, os defensores da continuidade não podem pensar que são os donos da verdade absoluta, que são os plenos proprietários da razão. De resto, ter razões não é a mesma coisa que ter razão. O que têm de entender é que eles têm uma opinião sobre determinado tema, que não é partilhada por outra franja da sociedade e... ponto final. Em democracia, é assim e não há o que discutir. É verdade que os anos de monolitismo calcinaram mentes e estreitaram visões, transformando a opinião alheia em crime de lesa-pátria. De modo que quem ousa pensar fora da caixa é geralmente tachado de arruaceiro, frustrado ou outro epíteto qualquer que em clima de tensão política pode até significar sentença de morte...
Voltemos ao cerne da questão. O facto de um técnico qualificar uma selecção para determinada prova não é, por si só, motivo bastante para que continue à frente da equipa. Desde já porque legislação ou norma nenhuma a isso obriga. Atentemos a um exemplo paradigmático. Um determinado treinador ganha a Taça de Angola, seja em futebol, basquetebol ou hóquei em patins. No ano seguinte, a "sua" equipa disputa a Supertaça. O presidente do clube é obrigado a mantê-lo até à época posterior só porque ele qualificou a equipa para aquela prova? Não faz sentido absolutamente nenhum. Mais: nesse caso, e porque são os jogadores que em campo dão o litro para a qualificação - o treinador não marca golos nem pontos -, todos os atletas que participam nessa etapa, pela lógica defendida pelos da continuidade, deveriam todos ir, independentemente do estado de forma em que se encontrem? Não é isso o que acontece no desporto, felizmente. E temos muitos exemplos disso mesmo no desporto e nunca houve histeria por este motivo, até porque parece ser um assunto pacífico, independentemente das arrebatadoras paixões suscitadas pelo desporto, as quais levam a acesas discussões.
Desafortunadamente, o que parece estar a acontecer é que grande parte dos defensores da continuidade quer transformar as suas opiniões (nada mais são que meras opiniões) em ditames aos quais tudo o resto tem que se submeter, porque se julga dona da verdade. Essa franja esquece que a "verdade" dela é apenas dela mesma e a outra ou outras franjas também têm a sua "verdade", que, felizmente, não coincide com a da contraparte, a bem da democracia, cujo estágio na nossa sociedade é ainda de aprendizado. Isso não é razoável e sequer engrandece o desporto, ao mesmo tempo que configura tentativa de estupro à democracia. O que é muito mau.
No caso vertente das trocas de treinadores nas federações de andebol e de futsal, o que aconteceu é perfeitamente normal. Corriqueiro até. Chegaram, vêem as coisas noutras perspectivas e decidiram trocar, rompendo com o passado. Aliás, ao concorrem para as direcções daquelas entidades, estavam a dizer implicitamente que, na sua opinião (deve ser respeitada), algo não ia bem e que precisava de mudança. Porque se entendessem que estava tudo bem, seguramente não se iam fazer ao cargo. Logo, se a sua compreensão é que as coisas não iam bem, é mais do que expectável que mudem algo. Isso, de modo a que alcancem os objectivos a que se propuseram nos respectivos programas, os quais foram sufragados em processo considerados limpos e sem contestação de nenhum concorrente. Assiste-os legitimidade bastante para agirem a pensar no bem dos desportos que dirigem, pois não é credível que tanto um como outro queiram afundar a modalidade que tanto amam.
O que aconteceu em ambas as federações não configura nada extraordinário. São apenas pessoas que entenderam ser necessário mudar para assegurar a consecução dos seus programas. Isso não pode ser criminalizado, como determinados sectores da comunicação social e adeptos estão a fazer, quando explicam as razões que estiveram na base de tais mudanças. Defender a permanência de um técnico num clube ou numa selecção é tão legítimo quanto postular a sua saída, desde que esse afastamento não seja maculado por procedimentos espúrios, como violação de contratos e recebimentos de favores.
O que está a suceder à volta destes temas é um verdadeiro absurdo. O que muitos defensores da permanência querem é impor à força a sua opinião como sendo universal, quando não é, nem de longe. Por exemplo, Johann Sebastian Bach, Wolfgang Amadeus Mozart, Ludwig van Beethoven, Pyotr Ilyich Tchaikovsky, Frederic Chopin e Antonio Vivaldi são indiscutivelmente os maiores compositores da história da música clássica. Mas há quem escolha Sergei Prokofiev. Preferir um a outro é algo merecedor de criminalização se, no fim do dia, o propósito da sua obra é proporcionar bem-estar a quem a frui? Do mesmo modo e porque nem Rui Sampaio nem José Pereira "Kido" foram apanhados numa esquina para irem às respectivas selecções, é óbvio que qualquer um tem currículo para ocupar o cargo que ocupa. Mais a mais, porque apesar dos muitos avanços que a ciência registou, ainda não inventou uma geringonça qualquer que meça a competência das pessoas. Mas há algo que pode ajudar a aferir. Os números. Estes estão aí e não enganam!