Era expectável que a situação social pioraria com o programa de reformas macroeconómicas suportado pelo FMI, pois, independentemente da sua inevitabilidade, são conhecidas as dificuldades que as medidas de austeridade causam à população. À excepção das transferências monetárias e da inclusão produtiva, duas das componentes do Kwenda, de longe o melhor programa social já implementado em Angola, o Executivo e o FMI não souberam antecipar soluções sustentáveis de mitigação, como, por exemplo, a efectiva criação de empregos. A delicadeza da situação e os exemplos de outros países justificavam uma abordagem às forças políticas e sociais mais relevantes para a análise conjunta das implicações dessas medidas. O capital político acumulado pelo Presidente João Lourenço permitiu-lhe esse gesto. Em vez disso, prevaleceu a ideia da manutenção do poder hegemónico do MPLA, condicionando a acção do Presidente.

A pandemia agravou, obviamente, a situação. Seria desejável então que se emendasse a mão e procurassem soluções para a definição de uma estratégia consensual com ampla participação das forças políticas e sociais. Essa estratégia deveria estar alicerçada numa ampla discussão sobre os múltiplos aspectos da crise, suas causas e consequências, com diferentes cenários. Novamente tal não aconteceu.

Inicialmente, os partidos na oposição até deram ao Executivo um período de graça, pois não se opuseram às medidas excepcionais tomadas. Mas não seria de esperar que o período de graça se mantivesse. Naturalmente chegaria o momento em que a oposição procuraria tirar aproveitamento político - só a ausência de cultura democrática faz pensar que isso seja ilegítimo - das falhas ou insucessos do Executivo, como aconteceu noutros países. Dir-se-á que quem governa pode fazer o que achar mais conveniente. Pode, mas não deve, principalmente em situações de excepção.

O Presidente João Lourenço ensaiou, nos primeiros tempos, um paradigma de governação diferente, prometendo governar com os cidadãos, o que lhe granjeou enorme popularidade. Porém, essa prática foi sendo abandonada. Enfrentar a crise actual significava encontrar um equilíbrio muito difícil entre saúde, economia e mitigação da pobreza e de outros males sociais. Pensou-se num encontro para a auscultação da sociedade civil, mas o formato e o método, sem debate, foram os menos indicados. Os resultados não compensaram o tempo e dinheiro gastos, algo a que, como a pobreza, o Executivo não dá a devida importância.

Por outro lado, a questão das autarquias foi gerida de modo pouco prudente por parte de todas as partes envolvidas. Nos últimos meses de 2019, estava já claro que as eleições não seriam realizadas em 2020, pois o partido no poder não dava sinais nesse sentido e porque o OGE aprovado não continha elementos de despesa, quer para a "criação de condições", quer para a realização do acto eleitoral no seu todo. Entretanto, a opinião pública e a oposição foram sendo distraídas com o arrastar da discussão do pacote eleitoral na Assembleia Nacional, sem o que, obviamente, as eleições não poderiam ocorrer, mas que, na verdade parecia, dependia apenas da vontade das partes envolvidas. O mesmo não se passava com a "criação de condições", pois, neste caso, como se veio a verificar, eram necessários tempo e dinheiro para condições de que na altura nem sequer se falavam, como o registo oficioso e os limites administrativos dos municípios, por exemplo. A única excepção, o PIIM, sendo positivo, não está verdadeiramente orientado para a criação de condições, exceptuando as infra-estruturas, pois nele predomina, uma vez mais, o betão e não denota a integração que o seu nome sugere. Além disso, a sempre tentadora propaganda à volta do seu anúncio e execução provocaram inevitáveis desconfianças, agravadas com relatos vários de má e presumível danosa gestão de muitos dos empreendimentos.

O comportamento do partido no poder não transmitiu, pois, a necessária confiança às forças políticas e sociais, visto que não consegue mudar de mentalidade e adaptar-se aos novos tempos. O aparecimento da pandemia poderia ter sido uma oportunidade para mudar a estratégia, pois se estava em presença de um argumento suficientemente forte para justificar as novas calendarizações. Mas uma vez mais tivemos uma oportunidade perdida. O desenrolar dos acontecimentos e o modo infeliz como se comunicava permitiram que ganhasse corpo a ideia de que as forças de bloqueio da reclamada e urgente descentralização do poder haviam regressado, depois das esperanças transmitidas em 2018.

Por sua vez, os partidos na oposição têm tido posições pouco recomendáveis neste quesito. Para além de não terem manifestado, na altura, as preocupações suscitadas pelo OGE para 2020, estão a passar uma ideia perigosa - o poder local vai permitir resolver todos os "problemas do povo". Ora, para além de não haver dados fiáveis sobre os presumíveis resultados, é preciso ponderar que as autarquias terão de cumprir os seus primeiros mandatos num contexto globalmente muito difícil, e que a gestão das finanças continuará, pelo menos até 2022, sob a responsabilidade do partido actualmente no poder. O MPLA também não tem tido isso em conta, pois se o fizesse teria outros procedimentos.

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