No entanto, um dos aspectos esquecidos na liderança é a ideia de virtudes. O ideal de um líder que cultiva
virtudes é uma ideia que precisa de ser recuperada na liderança. A ideia de cultivo de virtudes, que vem da
Filosofia Clássica, em especial das três escolas clássicas (Platonismo, Aristotelianismo e Estoicismo), é um dos aspectos essenciais para uma vida feliz ("Eudaimonia"). Infelizmente, essa noção desapareceu em boa medida da formação e escolha de líderes e o cultivo de valores e de virtudes são relegados para fora do espaço da aula e da formação técnica ou executiva.

A Academia como um todo tem desvalorizado a ideia de cultivo de virtudes como um aspecto essencial na
formação de líderes, apesar da multiplicação de cursos e programas nessa área. Um exemplo disso é a vida
universitária, na qual a formação se concentra muito na formação técnica (a "episteme"), e, por vezes,
esquece-se de que a liderança deve também cultivar virtudes que possam levar à sabedoria.
Convém também referir que não basta participar nalguns cursos de Ética para cultivar virtudes, como a
coragem, prudência, temperança e justiça (as virtudes da Filosofia Clássica), é necessário um esforço
consciente e interior para o cultivo destas virtudes ao longo do tempo.

Um dos melhores livros que li sobre liderança foi o de Harry Kraemer, "From Values to Action", de 2011, em
que o autor refere que a liderança deve estar alicerçada em valores e aponta para os quatro princípios de
liderança autorreflexão, equilíbrio, autoconfiança e humildade. E um desses aspectos essenciais da liderança
referida por Kraemer é a necessidade de autorreflexão por parte do líder e parte do problema de muitos
líderes é não se conhecerem a si mesmos, tanto os defeitos como as virtudes. Não é um acaso que Óraculo de Delfos tinha a famosa inscrição referida por Sócrates: "Conhece-te a ti Próprio". Infelizmente, há uma perspectiva muito comum de liderança ligada a uma visão neodarwinista de sobrevivência do mais forte. Essa perspectiva não é apenas perigosa, como também perverte muitas organizações que ainda vivem no paradigma do mito do "líder-salvador", que não precisa de ter valores ou virtudes, numa lógica dos fins justificarem os meios.

Os recentes acontecimentos nos Estados Unidos revelam que essa perspectiva neodarwinista leva a uma falha enorme de liderança, independentemente da posição política que se possa ter sobre os problemas em
concreto, seja o impacto da Covid-19, seja a discriminação racial. O falhanço de liderança não é apenas em
termos simbólicos, mas também é um falhanço que destrói a possibilidade de resolver problemas ou
encontrar soluções. A ideia de unidade e apaziguamento desapareceu completamente e, infelizmente, a visão neodarwinista agudizou a situação.

Parte do problema é que as perspectivas sobre liderança têm desvalorizado a ideia de cultivo de virtudes para a melhoria de carácter, características essenciais para uma liderança de sucesso, porque ser líder é também ter a capacidade de lidar com pessoas que não concordam necessariamente com a nossa visão.
Acima de tudo, um líder deve ter a capacidade de influenciar e de promover a união e não a discórdia,
principalmente num contexto social ou organizacional de divisão profunda. Um líder não deve ser um
empecilho na resolução de um problema, principalmente quando está num contexto onde pode impedir a
propagação de um fogo. Infelizmente, um líder medíocre age, muitas vezes, como um pirómano e não como
um bombeiro, precisamente porque a ideia de liderança, para muitos, é uma mera competição do mais forte,
típico de lideranças onde a virtude está ausente.


Outro aspecto essencial a ter em conta é que infelizmente, em muitas democracias liberais, a escolha de
líderes se transformou numa mera competição de personalidades, independentemente da ideia de virtudes
ou valores que o líder deve cultivar no seu carácter ou personalidade. É preciso abandonar essa ideia, que não é apenas perigosa, mas também atrai líderes medíocres e amorais, que acabam por não ser eficazes ou eficientes. Por isso, as virtudes são essenciais para a formação e escolha de líderes. Vamos recuperar a ideia de virtudes.