Conquistando a Independência Nacional, os angolanos acabavam com séculos de dominação colonial e tornavam-se senhores da Pátria. Passavam da condição de objecto à condição de sujeitos, isto é, eles próprios podiam decidir sobre o destino do seu País e dos seus habitantes. Os angolanos estavam libertos, faltava, porém, tornarem-se livres.

Mas a Dipanda começou mal, o que trouxe consequências muito gravosas para Angola e as suas gentes. Muito da situação actual pode ser explicado pelo que se passou.

Em primeiro lugar, as fragilidades do campo nacionalista na luta contra o colonialismo português, que convém explicitar:

- desde o início da luta armada havia profunda divisão nos movimentos nacionalistas: primeiro entre a UPA- FNLA e o MPLA, mais tarde com o terceiro, a UNITA. Eles, ao mesmo tempo que combatiam o exército colonial, combatiam-se ferozmente, procurando obter a supremacia absoluta no terreno e no reconhecimento internacional.

- por outro lado, as direcções dos três movimentos eram autocráticas, o centralismo do poder no chefe era extremo o que impedia o debate interno de ideias, a avaliação de estratégias e métodos seguidos e uma correcta percepção da situação real do país em cada momento decisivo; quem divergia do pensamento do chefe era banido ou mesmo severamente punido; deste modo, esses movimentos estavam insuficientemente preparados para enfrentar a situação subitamente criada pela revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974, que abriu inesperadamente vias para uma rápida independência.

- perante essa nova situação, as direcções dos três movimentos puseram a sua avidez de poder à frente dos objectivos globais da luta que eram: a conquista da independência e a construção de um Estado de progresso para o seu povo.

- o resultado foi o recurso às armas para exterminar os concorrentes, numa luta que começou logo depois dos Acordos de Alvor assinados em Janeiro de 1975 entre os movimentos nacionalistas e o governo português para a outorga da independência de Angola. Para consumar o objectivo de liquidação do outro, cada movimento recorreu à ajuda externa, o que possibilitou a sua sujeição a potências estrangeiras empenhadas em disputas de supremacia geoestratégica a nível mundial e regional. Quase todo o ano de 1975 foi de combates e a Independência foi proclamada sob o troar da artilharia.

Em segundo lugar, há referir a condução do país pelo MPLA, a força política que tomou o poder:

- os dirigentes deste movimento começaram por instituir em Angola uma férrea ditadura; feroz repressão foi desencadeada não só sobre os membros e adeptos dos outros movimentos concorrentes, mas também sobre apoiantes, militantes e quadros do próprio MPLA, resultando em milhares de prisioneiros nas cadeias e campos de concentração e na morte de milhares de pessoas. O poder político, em vez de promover a inclusão do maior número possível de cidadãos na construção nacional, optou pela exclusão, utilizando a estigmatização da diferença e o critério de que só era cidadão válido quem fosse fiel seguidor do MPLA; assim, foram excluídos da dinâmica política, administrativa, jornalística, científica, técnica, empresarial valiosos cidadãos - por incorrecta avaliação da realidade económica e social do país - feita antes e no momento da independência - e pelo seu voluntarismo de inconsistente base ideológica, a direcção do país fez escolhas irrealistas nos planos político e económico. Neste último, em vez de - tendo em conta a realidade - optar pela edificação de uma economia nacional baseada num forte sector privado, escolheu uma via para a qual não existiam quaisquer condições para ter êxito. Enveredou pela economia estatizada em que o Estado passou a ser o dono de tudo e tudo geria - rapidamente todo o aparelho produtivo existente no momento da independência foi paralisando, deixaram de funcionar os circuitos de distribuição, as carências extremas surgiram e o consequente recurso a esquemas de sobrevivência que levaram ao aparecimento de um mercado informal bem mais eficiente que os mecanismos estatais, mas mergulhado em esquemas de pequena corrupção transversal; simultaneamente, começou a instalar-se no aparelho estatal a alta corrupção: vários responsáveis de empresas estatais e de serviços públicos, ministros e altos dirigentes políticos principiaram a construir esquemas de corrupção facilitados pelo caos económico que fora criado e pelo consequente recurso às importações de géneros alimentícios e outros, importações possibilitadas pelas enormes receitas do petróleo (controladas pela presidência) as quais, ao longo dos tempos, viriam a ser a fonte da maior drenagem criminosa de fundos do Estado. Este processo geral de corrupção foi gangrenando o país até se chegar à legitimação da ilicitude que campeia nos mais variados sectores desde o mercado informal, à administração pública, ensino, etc. - a par da paralisação económica, resultante da errada estratégia, a actuação da direcção do País era orientada pelo objectivo de omnipresença e hegemonia total do MPLA na vida política, económica, social e cultural. Assim se foi constituindo uma imensa clientela política, um gigantesco esquema de denunciantes, uma multidão de cidadãos servis, curvados ao poder; assim se foi abrindo o caminho à mediocridade e à incompetência que minam o aparelho institucional.

Por fim, há a referir a prolongada guerra civil, que durou cerca de 27 anos e exerceu forte influência em vários sectores da vida nacional:

- imensos meios materiais e humanos foram empenhados nesta guerra onde se perderam centenas de milhares de vidas. O já reduzido aparelho económico foi minguando até à quase total paralisia; Angola só sobreviveu através das importações de bens de consumo, sobretudo alimentares. Com a guerra civil, ampliaram-se de modo avassalador os esquemas de corrupção montados por responsáveis políticos, militares e outros, em seu benefício, que têm sugado as receitas do Estado.

- fugindo da guerra, houve maciça deslocação das populações para as cidades, sobretudo do litoral, cujas habitantes já tinham aumentado muito depois da independência, devido à procura de meios de vida que não encontravam nas suas terras; tudo isto modificou drasticamente a percentagem da população urbana em relação à rural e originou condições de vida extremamente precárias nas urbes. As alterações demográficas originaram profundas alterações sociológicas.

Enumerei várias das consequências internas de erros cometidos, aquando da luta pela Independência e após a sua proclamação. Contudo, a nível externo, é de relevar que a Independência de Angola veio a ser determinante para as radicais mudanças políticas na África Austral, sobretudo Namíbia e África do Sul, onde foram derrotados o colonialismo e o apartheid. O que é um motivo de orgulho nacional.

Procurei fornecer alguns elementos que reputo de essenciais para uma reflexão sobre a Independência e o seu significado. Interessa que as novas gerações tenham o máximo de informação sobre o processo que conduziu Angola à difícil situação em que se encontra, pois cabe a elas buscarem as soluções para os actuais problemas nacionais.

Sejam quais forem os caminhos da reflexão, nunca deveremos esquecer que a conquista da Independência Nacional foi o resultado de imensos sacrifícios do povo angolano e do encarniçado combate cultural, político e armado de nacionalistas angolanos de várias gerações contra o opressor colonialismo português. No culminar da sua luta estava realizada uma etapa fundamental para a liberdade: a conquista da independência. Os angolanos passavam a ter um país, ao lado de centenas de outros países do mundo. Devemos prestar homenagem a todos os que abnegadamente se lançaram na luta de libertação nacional porque eles tinham o ideal de libertar e construir uma Pátria onde os seus cidadãos vivessem com dignidade. As ambições pessoais e erros estratégicos que vieram a surgir originaram situações bem diversas daquelas a que o nacionalismo aspirava. Sejam quais forem as nossas opiniões, saudemos, hoje, juntos, os 45 anos da Dipanda de Angola!

* Nacionalista