O andebol é a modalidade à qual o senhor está ligado há 45 anos, primeiro como atleta e mais tarde como dirigente. Pedro Godinho é presidente da FAAND há 12 anos, apesar de, nos anos anteriores, ter exercido a função de vice e vogal de direcção. Como encontrou e como deixa a instituição?

Se parte directamente da FAAND, devo dizer-lhe que, nos anos 90, fui vogal de direcção com o então presidente Cardoso de Lima, mas antes já tinha sido no 1.º de Agosto, onde fiz toda a minha carreira como atleta. Naquela altura, um vogal era um membro de direcção, mas que ainda não estava no órgão de decisão. Deu-me para perceber qual era a dinâmica de uma federação, os conceitos de administração e gestão desportiva. Lembro-me de que, naquele mesmo ano, integrava outra lista com Óscar Nascimento e perdemos as eleições para Hilário de Sousa. Dois anos depois, integrei a comissão de gestão liderada por Archer Mangueira, Víctor Barros Geovete, Mário Augusto, Espanhol Neto e Pedro Godinho. Gerimos a instituição por um ano e meio. A comissão, à excepção de Víctor Barros, foi a base da FAAND, que, a seguir, foi eleita sob comando de Archer Mangueira. Foi exactamente naquele ano que começou a minha maior intervenção no andebol, isto como vice-presidente desportivo, durante oito anos.

Como encontraram a modalidade na altura?

Encontrámos uma modalidade já ganhadora, isto em 2000. Nesta altura, o País já tinha seis títulos continentais, porque a nossa primeira conquista foi em 1989. Tomámos conta da instituição, já sob comando de Archer Mangueira. Foram dois mandatos de sucesso que culminaram com a organização do CAN em 2008 e as respectivas qualificações ao Campeonato do Mundo, onde mantemos o título continental. Deu-me na pele de vice-presidente numa direcção que integrava muitos quadros seniores deste País, onde o conselho jurisdicional era o actual ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, com quem aprendi muito. Tínhamos o Aristides Safeca, que mais tarde se tornou secretário de Estado. São várias figuras e uma direcção que congregou vários quadros superiores de Angola.

O que aprendeu nestes oito anos com estes quadros seniores do País?

Aprendi muito. Não na vertente desportiva, já era do desporto e produto da alta competição, aprendi muito, sobretudo na gestão de recursos humanos e a própria administração em si. Vejamos que tinha um presidente, Archer Mangueira, um grande quadro do Executivo, tanto que foi durante muitos anos ministro das Finanças e hoje é governador do Namibe. Peguei uma federação já ganhadora, isto em 2008. Tive uma humildade, não fiz uma cisão com o passado, captei tudo de bom que havíamos conquistado, desde os conceitos de gestão até alguns integrantes da lista que tinham perdido as eleições. Não fiz uma mudança radical, muito menos de conceitos. Conseguimos manter os níveis competitivos, porque foi no mandato de Archer Mangueira que devolvemos à selecção masculina a competição no Campeonato Africano. Entrámos numa FAAND em que os masculinos não competiam há 10 anos e conseguimos, nos dois mandatos, um terceiro e quarto lugares que nos permitiram estar no Campeonato do Mundo de Andebol.

Como foi o seu primeiro ano à frente da FAAND?

Foi no trémulo, porque, depois de ter à testa um presidente como Archer Mangueira, uma coisa é assumir a gestão e ser presidente do conselho de direcção. Na altura tentei montar uma equipa multidisciplinar, com dois quadros do desporto (Palmira Barbosa e Beto Ferreira), quadros da área jurídica, da economia e finanças, arbitragem e treinadores. No fundo da questão, o primeiro mandato deu para manter os títulos continentais, quer em cadetes, juniores e seniores. Continuamos em masculinos num projecto liderado pelo professor Filipe Cruz, que só nos deixou um mês antes do campeonato de Marrocos, que valeu conquistar o terceiro lugar, uma vez no Cairo e outra no Gabão. No último ficámos em quarto lugar, uma vez que tivemos uma prova com 16 equipas e não com 12. Estamos sempre a discutir o terceiro e quarto lugares com a Argélia, mas, voltando à essência da pergunta, a grande diferença foi termos trazido no decorrer do segundo mandato mais um campeonato continental ao País.

Conseguimos uma sede de trabalho com melhores condições, a antiga sede da FAF, onde temos um anfiteatro. Começámos com a competição interna, que antes não havia ou competição regional para melhorar a interna, porque muitas equipas só jogavam para os nacionais. Conseguimos adoptar os estatutos da FAAND aos regulamentos internacionais, conseguimos fazer uma grande regularização da segurança social dos trabalhadores que antes não havia ... havia no papel, mas, no fundo, éramos de devedores do Instituto de Segurança Social (INSS). Pagámos as dívidas durante 12 anos, isto com o pouco que conseguimos dos nossos patrocinadores para os trabalhadores, para que, quando chegarem à idade de reforma, tenham alguma coisa por receber. Hoje já não temos dívida com o INSS, só temos de pagar sempre que o mês termine. Conseguimos também melhorar a nível dos transportes colectivos da instituição, conseguimos atribuir algumas viaturas para trabalho que, mais tarde, se converteram em carros pessoais aos dois funcionários que mais precisam. Criámos alguma estabilidade aos salários dos funcionários, conseguimos duplicar o volume dos nossos patrocinadores, com destaque para a petrolífera Total, que entrou já na minha gestão, o BAI e a Unitel. Felizmente, durante os 12 anos, os patrocinadores não nos abandonaram, é pelo facto de termos sabido apresentar contas dos valores que recebíamos. Melhorámos a nossa presença na Confederação Africana de Andebol, a começar por mim, que sou vice-presidente e mais três elementos nas comissões de especialidade (competição, árbitros e técnica). Em 2016, conseguimos trazer mais uma prova para Angola, pois dois anos antes tínhamos perdido o mesmo título em Argel (Argélia).

Desculpem pela modéstia, fomos a primeira federação a realizar uma prova continental com 12 equipas sem recurso do Estado. Foi apenas uma organização com parceiros privados, mesmo assim com orçamento inferior a 500 mil dólares. Sempre que penso em organizar provas continentais, fala-se em grandes dígitos. De uma forma geral, estas foram as mais-avalias. Sem nenhuma crítica à direcção que me antecedeu, se devemos assumir os nossos defeitos, também é justo que nos gabemos dos nossos feitos. 12 Anos depois, saio com a missão cumprida.

Durante o seu mandato, pisou vários solos a nível internacional. O que faltou para que Angola não chagasse ao Top 5 Mundial?

É simples. Vou dar-lhe um exemplo: o Brasil, que muitas vezes perdia connosco com diferenças consideráveis, já foi campeã do mundo. No campeonato a seguir, foi o 13.º ou o 14.º e depois 16º. Ora, como é que o Brasil foi campeão do mundo? Pegou na sua selecção, foi para a Áustria, ficou dois anos só a competir neste país. Trata-se de uma selecção brasileira integrada numa só equipa, o Lipo da Áustria, onde jogou a angolana Larissa. Em África, diz bem o presidente do 1.º de Agosto que "já não temos que provar nada". Infelizmente, a competição africana é muito pobre. Normalmente, um campeonato de 12 equipas tem um jogo com grau de dificuldades, que é a final. Quando eu ainda era jogador, o Congo e a Costa do Marfim eram os grandes adversários, depois passou a ser a Tunísia e, ultimamente, é o Senegal. Este é o último jogo que minimamente põe a nossa selecção em grau de dificuldades. De uma forma geral, de 8 a 10 jogos que fizemos num CAN, apenas um é um grau de intensidade elevada. No Campeonato do Mundo, todos os jogos são de intensidade elevada. As vinte e quatro equipas lá competem, são superiores ou iguais à nossa, algumas com um volume de jogo diferente. O que falta para o andebol feminino chegar ao Top 5 é ter pelo menos sete atletas na Europa a jogar ao nível das melhoras daquele continente (intensidade e volume de jogos), uma atleta de França ou Dinamarca, quando vai a um mundial, tem, entre as pernas, 60 a 80 jogos internacionais de grande nível, enquanto Angola tem um ou dois jogos do CAN, três jogos Petro - 1.º de Agosto, porque estão na pele de adversárias, uma das outras. Teresa Almeida «Bá» conhece tão bem as atletas do 1.º de Agosto, ela faz grandes defesas, mas alguém já se questionou como é que ela as faz? Isso é pelo facto de, ao longo dos anos, terem jogado juntas várias vezes. Então, não é possível irmos para um Campeonato do Mundo com apenas dois jogos de grande nível, enquanto as outras selecções vão com 60. Não temos jogadores na Europa. Felizmente, este ano, começámos este sonho, visto que a atleta angolana é diferente das africanas.

Mas diferente de que forma?

Vou explicar-lhe: uma atleta do Senegal, Congo ou Costa do Marfim tem uma ambição desmedida de ir viver na Europa e vai a qualquer preço. Há também atletas do Senegal que vão e ganham 300 a 400 euros de salário. Nenhuma atleta angolana aceita ir para a Europa jogar e ter como salário 400 euros. Daí parte o nosso problema. Segundo, apesar de sermos da África Subsariana ou Central, os lusófonos têm uma mentalidade diferente dos francófonos...

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