A França está atolada na mais grave crise financeira e económica em décadas, com um défice de quase 6% do PIB em 2024 e 113% de dívida, quase o dobro dos 60% "permitido" pelas regras da União Europeia.
Uma erosão económica que se agravou robustamente com as sanções à Rússia que deixaram a Europa ocidental sem o gás e o crude baratos de Moscovo, em toda a Europa mas com destaque em França e, principalmente, na Alemanha.
Apesar de não admitir a ligação, que os economistas já não escondem, o Presidente Emmanuel Macron procura controlar os galopantes défice e dívida com cortes na despesa social, o que tem levado a constantes protestos populares.
Além dos mais gigantescos protestos nas ruas das grandes cidades francesas em muitos anos, também no Parlamento, onde tem insistido em nomear primeiro-ministro atrás de primeiro-ministro apesar de estar em minoria, Macron enfrenta a maioria de extrema-direita e da esquerda radical...
Com as finanças públicas de rastos, Sébastien Lecornu, o primeiro-ministro que tinha nomeado há 27 dias, e apenas 12 horas depois de apresentar o seu Governo no Parlamento, demitiu-se perante aquilo que lhe pareceu o inevitável chumbo do seu Programa.
Esta crise em França assume especial relevância quando Macron se vê sem alternativas viáveis aparentes para fazer aprovar um Governo e pode estar obrigado pelas circunstâncias a avançar para eleições legislativas extraordinárias.
Isto, quando Jean-Luc Melanchon, líder do partido França Insubmissa, que chefiou a coligação de esquerda que venceu as últimas eleições, e Marie Le Pen, do Reagrupamento Nacional, a segunda força mais votada, querem claramente a sua cabeça como prémio maior mas aceitam eleições urgentes para o Parlamento como solução.
Com um pacote de austeridade nunca visto em França como solução para os problemas económicos que se agravaram ruidosamente com as sanções à Rússia devido à guerra na Ucrânia, que a todos desagrada, Emmanuel Macron pode, ainda assim, tentar indicar outro primeiro-ministro seu fiel ou admitir a derrota e respeitar a maioria no Parlamento saída das eleições de 2024.
Com uma longa lista de primeiro-ministros apontados desde que é Presidente, e o 5º nos últimos dois anos, Macron tem agora como "medalha" ter de resolver outro problema: Lecornu foi o primeiro-ministro com menos tempo no cargo em toda a história moderna francesa.
"O macronismo está morto", atirou-lhe já Melanchon, acrescentando que já só tem duas saídas, "ou avança para eleições ou resigna ao cargo" e a França vai para eleições gerais, o que, se não acontecer, pode contar com uma moção para o tirar do poder movida pela França Insubmissa.
E uma coisa é certa no actual cernário, como se pode já ler na imprensa francesa: entre os três grandes blocos parlamentares, o da extrema-direita, os centristas de Macron, e a Reagrupamento Nacional de Melanchon, o actual Presidente é a parte fraca, atendendo às sondagens.
Este cenário dramático em França pode ter ainda um impacto impossível de prever na União Europeia, depois de na República Checa, o partido do magnata Andrej Babis, claramente eurocrítico e anti-guerra na Ucrânia, que se considera um "trumpista".
É que a maioria de países do bloco dos 27 começa a desfazer-se e se em França também o actual Presidente francês cair, indo para o seu lugar Melanchon ou Marine Le Pen, a ala mais aguerrida na defesa da guerra contra a Rússia perde tracção fundamental porque sem Paris e Macron, alemães e britânicos ficam sem chão para mantar a toada guerreira contra Moscovo.
Além disso, como as sondagens demonstram, também na Alemanha, a CDU de Fredrich Merz estaria em risco face ao crescimento dos neo-fascistas da Alternativa para a Alemanha (AfD), igualmente anti-guerra na Ucrânia e defensores de um reatar das relações económicas com Moscovo.
O mesmo pode acontecer no reino Unido, onde, também de acordo com as sondagens, os trabalhistas de Keir Starmer perderiam hoje as eleições para o também de extrema-direita e anti-guerra Reformar o Reino Unido (Reform UK) de Nigel Farage.
Se este cenário se materializar, toda a política económica e externa na Europa sofrerá uma mudança radical, com destinos imprevisíveis do pinto de vista interno, mas claramente com impacto negativo na cooperação com África, na imigração e com uma muito provável mudança de "ship" na forma como é visto o apoio a Kiev na guerra entre Ucrânia e a Rússia.