Este "golpe de Estado", pelo menos na forma, foi consumado pelas chefias militares com a detenção de Umarto Sissoco Embaló, Presidente e candidato a um segundo mandato, e pela prisão do candidato mais sonante da oposição, Fernando Dias, que contou com o apoio do histórico PAIGC.
Mas se se trata de um golpe militar verdadeiro ou se os militares foram usados por Umaro Sissoco Embaló para fazer descarrilar a contagem dos votos depois de perceber que estava a perder por larga margem, ainda não é claro quase 24 horas depois.
Com Fernando Dias foi igualmente detido Domingos Simões Pereira, o líder do PAIGC que tinha, ele e o seu partido, sido impedidos de concorrer a estas eleições gerais na Guiné-Bissau que deveriam ser o desfecho de um longo e tumultuoso período de crise política.
Tudo começou quando à hora do almoço em Bissau foram ouvidos tiros, primeiro esporádicos e depois repetidamente até que tudo parou quando, aparentemente, Sissoco Embaló já estava no quartel e os líderes da oposição detidos e o poder nas mãos da tropa.
Para já, como sempre acontece nas sucessivas intentonas, inventonas e golpes militares, que, nalguns casos foram de extrema violência e levaram à morte de Presidentes, como foi o caso do primeiro, Nino Vieira, ou de CEMGFA's, como o mais conhecido de todos, Ansjumane Mané, também neste os detidos puderam continuar a falar para o exterior.
Não apenas o Presidente Embaló, como Fernando Dias, continuaram a dar entrevistas en a fazer declarações, sendo mesmo estes que confirmaram que estavam detidos, o que sucede, como percebe bem que conhece este pequeno mas tumultuoso país lusófono da África Ocidental, ali "todos se conhecem, são todos família e tudo é política".
Sendo que nem sempre foi assim, como o demonstram a guerra do 07 de Junho de 1998, quando foi deposto pela primeira vez Nino Vieira, que levou à intervenção de países vizinhos, Senegal e Guiné-Conacri, onde morreram largas centenas de pessoas.
Mas há um elemento comum a quase todos os golpes, pelo menos três consumados, intentonas e inventonas, "são coisas da tropa e dos políticos" às quais o povo é normalmente poupado e é raro que, à excepção do 07 de Junho, liderado pelo general Ansumane Mané, morram civis, mesmo que isso tenha acontecido em tiroteios esporádicos ao longo dos anos.
Para já, resta saber o que vão fazer as chefias militares que depuseram Sissoco Embaló, que, recorde-se, prolongou artificialmente o seu mandato por longos meses antes de marcar eleições, e interromperam o processo eleitoral quando faltava um dia, que seria esta quinta-feira, 27, para a Comissão Nacional de Eleições (CNE) dar a conhecer os resultados provisórios das eleições gerais de Domingo, 23.
Porém, num comunicado lido na televisão estatal guineense, a TGB, o porta-voz do Alto Comando Militar, Dinis N'Tchama, diz que a tropa instaurou um novo poder na Guiné-Bissau com a justificação, como sempre sucede sem excepção, para garantir a segurança nacional estando todos os ramos das Forças Armadas alinhados neste propósito.
"Até novas ordens, todas as instituições da República da Guiné-Bissau estão suspensas", o que inclui os media públicos e privados, avançou o porta-voz do Alto Comando que liderou o golpe de Estado militar que "salvou" Sissoco Embaló de uma derrota eleitoral quase certa, pelo menos é o que garante a oposição e a sociedade civil que nas últimas horas se tem desdobrado em acusações aos militares de estarem em conluio com o Presidente da República.
Apesar da denúncia da oposição e da sociedade civil de um esquema elaborado pela equipa de Embaló para impedir a sua derrota e manter o poder nas mãos dos "mesmos" que, na Guiné-Bissau significa a etnia mais representada historicamente no meio militar, os Balantas, de maioria animista, à qual o Presidente deposto não pertence, é Fula e muçulmano, mas com quem sempre teve relações de proximidade, o Alto Comando apresenta outra versão.
Diz o comunicado que esta acção dos militares é uma reacção "à descoberta de um plano em curso de destabilização do país", que tem por detrás "alguns políticos nacionais com a participação de conhecidos barões de droga nacionais e estrangeiros" e que esse plano pressupunha a "manipulação dos resultados eleitorais".
Essa manipulação estaria assim a ser a razão para que Sissoco Embaló estivesse, antes do golpe e com a contagem em curso, a perder largamente para Fernando Dias, que, de acordo com essa lógica da tropa, seria então o "eleito" pelos barões do tráfico de droga internacional porque o próprio veio dizer que estava muito á frente e ganharia à primeira volta.
Entre outras notas avançadas neste comunicado, a "junta" militar, antes de apelar à calma e pedir a compreensão da comunidade internacional, disse que ficou a saber pela secreta guineense que existia um grande paiol clandestino de" armamento de guerra" que serviria para a "efectivação desse plano".
Mas o documento responde também, como é costume neste tipo de golpes militares, à pergunta sacrossanta: quando é que a democracia vai ser reposta e a ordem constitucional reafirmada? O Alto Comando Militar tomará conta do país "até que toda a situação seja convenientemente esclarecida e respostas as condições para o pleno retorno à normalidade constitucional".
A outra pergunta que exige uma resposta é se se está na presença de uma encenação, como garantem os apoiantes de Fernando Dias e as organizações da sociedade civil, ou se se trata de um genuíno golpe militar.
Para já o único elemento claro é que a questão do tráfico de droga na Guiné-Bissau e o risco de os carteis sul-americanos tomaram conta do país, que já foi classificado pela ONU como um "narcoestado", é o elemento mais usado nestas circunstâncias para justificar alterações à ordem constitucional, mas a maior parte dos analistas não lhe dão relevância.
Bissau e a geopolítica regional e global
Há, todavia, um contexto regional que pode gerar riscos de a Guiné-Bissau, pequeno país com cerca de dois milhões de habitantes, e escassa relevância política no contexto africano, mas com uma localização geográfica, no enfiamento do Golfo da Guiné, que lhe confere atenções pouco dadas a Estados desta dimensão.
E na África Ocidental, fértil em alterações à ordem constitucional deste sempre, mas com uma particularidade emergente nos últimos anos, que é o deslizar de vários países onde foram registados golpes militares para a esfera de influência da Rússia.
Os casos mais conhecidos são o Burquina faso, o Mali e o Níger, mas também na Guiné-Conacri esse deslizar é sentido. E isso faz da Guiné-Bissau um potencial membro deste mapa que está a ser construído por Moscovo.
Embora naqueles países tal esteja a ser considerado como uma reacção aos abusos da antiga potência colonial, a França, em Bissau o risco pode chegar por outra via, como explicou ao Novo Jornal uma fonte guineense muito bem colocada nos corredores do poder.
É que, admite esta fonte, se a comunidade internacional, seja via CEDEAO, CPLP ou mesmo União Africana, União Europeia ou Nações Unidas, como sucedeu noutras geografias, onde estes países foram suspensos ou mesmo expulsos, o comando militar que detém agora o poder pode optar por criar um link de segurança com a Rússia.
Esta fonte garantiu mesmo ao Novo Jornal que esse cenário está mesmo a ser ponderado como saída de emergência em caso de pressão excessiva e ameaça de intervenção externa.

