A primeira e mais crucial pergunta é esta: Quem é, verdadeiramente, servido por esta obra? Falamos aqui de justiça espacial, um conceito que deveria estar no cerne de todo o planeamento. Uma infra-estrutura justa não é aquela que simplesmente liga o ponto A ao ponto B de forma mais rápida. É aquela que liga o excluído à oportunidade, o marginalizado ao centro, o rural ao digital. Será que o nosso planeamento estratégico prioriza, de forma clara e mensurável, a ligação da periferia aos pólos de emprego? Conecta o município rural isolado aos mercados e à informação? Ou, pelo contrário, continuamos a gastar recursos preciosos a aprofundar o fosso já existente entre quem tem acesso e quem vive na sombra do desenvolvimento? Uma ponte sobre o Kwanza só é verdadeiramente moderna se for atravessada pelo camponês que leva os seus produtos ao mercado, e não apenas pelo automóvel de luxo que passa por cima da sua realidade.

Em segundo lugar, e numa era de mudanças climáticas brutais, é imperioso perguntar: Esta infra-estrutura protege ou expõe os mais vulneráveis? A história recente mostrou-nos que uma estrada que se transforma num rio com a primeira chuva forte não é desenvolvimento; é uma falácia perigosa. Um bairro social construído numa zona de risco de inundação ou deslizamento de terras não é solução habitacional; é uma sentença adiada. As nossas infra-estruturas, para serem sustentáveis, têm de ser a nossa primeira linha de defesa contra as crises climáticas e económicas. Têm de ser concebidas para criar resiliência nas comunidades, para as proteger, e não para as colocar em perigo. Isto significa investir em drenagem urbana inteligente, em barreiras naturais contra a erosão costeira, em sistemas de energia que resistam a intempéries. Significa pensar na protecção social não apenas como um subsídio, mas como uma característica física da nossa paisagem construída.

A terceira questão, talvez a mais incómoda de todas, é a da voz: Quem decide? A justiça processual é um pilar tão importante quanto a justiça distributiva. Se as comunidades directamente impactadas por uma grande obra forem meras espectadoras de um processo decidido em gabinetes fechados, o resultado será, inevitavelmente, a injustiça. Se os custos sociais - as deslocações forçadas, a poluição sonora, a destruição de modos de vida tradicionais - recaírem sistematicamente sobre os mais pobres e os menos informados, enquanto os benefícios da valorização imobiliária e dos novos negócios fluem para uma minoria, então não estamos a construir um país coeso. Estamos, sim, a semear os conflitos sociais do amanhã. Um processo de desenvolvimento justo exige consulta pública significativa, transparência nos critérios e mecanismos robustos de compensação e partilha de benefícios. É um processo que exige humildade ao poder e dignidade para o cidadão.

Por fim, precisamos de uma visão integradora e ousada, que nos force a perguntar: Como é que esta obra de betão e aço se pode tornar na espinha dorsal do nosso Estado Social? Esta pergunta obriga-nos a sair dos silos ministeriais e a pensar de forma holística. Um cabo de fibra óptica não é apenas um fio de vidro; é o acesso à telemedicina para um doente crónico no Bié, é a sala de aula virtual para uma criança no Kuando Kubango, é a montra global para o artesão em Benguela. Uma linha de autocarros não é apenas um veículo a circular; é o cordão umbilical que liga uma mãe solteira ao seu posto de saúde, um jovem ao seu primeiro emprego, um idoso ao centro social onde encontra companhia. A infra-estrutura deve ser planeada para ser a plataforma que suporta e potencializa os sistemas de educação, saúde e protecção social. Tratar o acesso à água potável e ao saneamento como uma prioridade absoluta não é um custo; é um investimento na saúde pública, no capital humano e na produtividade nacional.

O momento de Angola é agora. À medida que o país reinveste de forma ambiciosa no seu desenvolvimento, não podemos permitir-nos repetir os erros do passado. Não podemos medir o sucesso apenas pelos quilómetros de asfalto, pelo número de infra-estruturas construídas ou pela complexidade tecnológica dos equipamentos aplicados. Precisamos de uma nova métrica, uma métrica de equidade e bem-estar. Precisamos de menos "elefantes brancos" faraónicos e de mais infra-estruturas que funcionem, silenciosa e eficazmente, como redes de protecção social e escadas de mobilidade social.

O futuro de Angola não será definido pelo que construímos, mas por quem é servido e protegido pela nossa construção. Será que erguemos muros do privilégio ou pontes da oportunidade? A resposta está nas perguntas que tivermos a coragem de fazer hoje. Vamos, então, comprometer-nos a erguer um país onde cada infra-estrutura seja, inequivocamente, um alicerce para uma Angola mais justa, resiliente e unida para todos os seus filhos e filhas.

*Coordenador do OPSA