As implicações para esta situação em Telavive são gigantescas, porque, entre outras semelhanças no mundo, os actuais aliados mais próximos de Israel, que estão na União Europeia e na América do Norte, não poderão ter posições diferentes para situações idênticas.
E o caso mais saliente é o da Ucrânia, onde a União Europeia, o Reino Unido e os Estados Unidos, que são a linha da frente do apoio a Kiev, consideram criminosa e abusiva a invasão russa do país vizinho, que é um Estado soberano, tal como passará a ser a Palestina.
Para já, com estes dez países a reconhecerem o Estado Palestiniano, ganha corpo a denominada Solução de Dois Estados na Palestina, reconhecida há décadas na ONU, que visa, em síntese, criar condições de convivência pacífica de dois países soberanos na Palestina, depois da criação do Estado de Israel que foi ali imposta pelo Reino Unido e EUA em 1948.
Dos 193 países que compõem as Nações Unidas (a Palestina é parte como observador), 155, ao longo dos tempos, passaram a considerar, incluindo Angola, já na década de 1980, ao abrigo da Resolução 181 de 1947,a Palestina como estando inter pares.
O que constitui uma larguíssima maioria, que só não se alarga ainda mais por pressão dos Estados Unidos sobre alguns pequenos Estados que dependem assumidamente da protecção e amizade de Washington.
Além disso, os EUA mantém uma coerência robusta e histórica de vetarem toda e qualquer proposta de resolução que ameace Israel no Conselho de Segurança, mas essa postura começa a perder tracção considerando que estes 10 recentes "apoiantes" da causa palestiniana são, ao mesmo tempo, os principais aliados dos norte-americanos no mundo, pelo menos historicamente.
Recorde-se que a Solução de Dois Estados, segundo as determinações aprovadas na ONU, a resolução do conflito está na criação de dois Estados separados na parte ocidental da Palestina histórica, sendo um judeu e o outro árabe, cabendo aos árabes residentes na Cisjordânia ou na Faixa de Gaza o direito à cidadania do novo Estado palestino, à qual também terão direito os refugiados palestinos no mundo.
Apesar desta clarificação jurídica, o processo está longe de ter ainda condições totais para ser aplicada, devido a conflitos de natureza geográfica e da tremenda confusão que são os milhares de colonatos espalhados por Israel naquilo que serão os futuros territórios do novo Estado na região, a Palestina independente e soberana.
Como resposta a esta evolução radical do cenário internacional, que Telavive sempre conseguiu controlar com o apoio indefectível dos EUA, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau, já condenou com severidade a decisão destes países e garantiu que em nenhuma circunstância haverá um Estado Palestiniano... na Palestina.
Uma das respostas está a ser dada no terreno, em Gaza, com o recrudescer da agressividade militar na Operação lançada por estes dias sobre a Cidade de Gaza, capital do território, onde estão mais de 1 milhão dos 2,3 milhões que ali habitam.
Todos os dias dezenas de civis, na maioria crianças e mulheres, são acrescentadas ao número de mortos desde que Israel lançou, a 08 de Outubro de 2023, uma gigantesca operação militar para punir o ousado assalto do Hamas ao sul de Israel no dia anterior, onde morreram mais de mil pessoas e cerca de 250 foram levadas para Gaza como reféns.
Até ao momento já morreram, segundo dados oficiais das autoridades de Gaza, que é o Hamas, considerado grupo terrorista pelos aliados ocidentais de Israel mas visto como a resistência à ocupação no mundo árabe e islâmico, mais de 65 mil pessoas, sendo que algumas ONG's no terreno (ver links em baixo) admitem que haverá mais de 300 mil corpos debaixo dos escombros que resultaram da quase total destruição de Gaza neste período.
Um relato excruciante
Gaza é um território com 365 kms2, tamanho de alguma cidades média espalhadas pelo mundo, com 40 kms de extensão e nove de largura, onde residem mais de 2,2 milhões de pessoas, estando actualmente com mais de 85% do seu património edificado, incluindo hospitais e escolas, totalmente arrasado.
Num desses hospitais, como relata a Al Jazeera, de Al Shifa, na Cidade de Gaza, a médica Saya Aziz, australiana, anestesiologista, refere que "a situação é catastrófica", afirmando que está convicta que "jamais alguém terá visto algo semelhante" ao que se passa actualmente naquele hospital, o maior do território e várias vezes bombardeado por Israel.
Em contraste com as "banais" imagens das explosões em todo o território, esta médica oferece um relato na primeira pessoa sobre as consequências destas explosões provocadas pelos misseis e artilharia israelitas: "Quando ouvimos uma explosão, sabemos de dentro de cinco a dez minutos teremos uma avalanche de mortos e feridos a entrar pela porta".
"Sabemos que vamos ouvir de novo, aquilo a que ninguém se habitua nunca: os gritos desesperados, o caos, familiares com feridos e mortos nos braços, pedaços de carne desfacelada, membros, tendões soltos... puto terror", descreve.
E é por tudo isto que a Autoridade Palestina, através do seu embaixador na ONU, que existe devido à condição de país observador, Riyad Mansour, pediu que, após este reconhecimento histórico da Palestina como Estado, os países ocidentais e a União Europeia apliquem sanções a Israel para travar o genocídio em Gaza.
"Vamos ver mais actos de violência israelita nas próximas semanas e meses antes de o mundo acordar para dizer que `chega', é preciso travar este caminho insano e vamos aplicar sanções pesadas que demovam o Governo israelita desse caminho trágico", adiantou o diplomata palestiniano.
Para já, esta possibilidade parece afastada, até porque os países que agora reconheceram o Estado Palestiniano exigem em conformidade que o Hamas seja extinto e os reféns sejam entregues, mantendo que o grupo islâmico é uma organização terrorista.
Ora, essa possibilidade é de difícil concretização porque internamente, embora a Autoridade Palestiniana, que é quem é reconhecido como poder no novo Estado para estes países, o Hamas é visto como uma frente de resistência à ocupação israelita dos territórios historicamente palestinianos.