A necessidade de enquadrar as garantias de segurança para Kiev é aceite por ambos os lados, tendo mesmo o Presidente russo, Vladimir Putin, afirmado publicamente que tem disponibilidade para analisar essa questão, que é uma exigência "legítima" de Kiev.

O problema começa quando o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e os seus aliados europeus, com especial foco no Presidente francês, Emmanuel Macron, e no chanceler alemão, Friedrich Merz, que querem colocar "já" formas militarizadas dos países da NATO no território ucraniano.

Em França, Macron tem repetido, para testar a solidez russa na sua posição, que está disponível para avançar com uma força militar para o terreno, afastado do campo de batalha, desafiando os parceiros europeus a alinhar nesse "confronto".

Apesar de a Europa Ocidental, incluindo o Reino Unido, que, não fazendo parte da União Europeia, é um dos mais aguerridos "falcões" da NATO, estar claramente longe de uma sintonia sobre essa decisão, alguns países mostram vontade de avançar mesmo sem um acordo global, como é o caso da França, dos Países Bálticos e do Governo de Londres.

Para lidar com isso, de forma incisiva, esta quarta-feira, em Moscovo, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, citado pelas agências, veio deixar claro que quaisquer forças ocidentais que entrarem na Ucrânia "serão vistas como ocupantes" e atacadas como "alvos legítimos".

Mesmo que sob a bandeira de força de manutenção de paz, avisou Lavrov, serão alvos militares legítimos das forças russas, o que, como alertou recentemente o especialista em relações internacionais e professor da Universidade de Chicago, John Mearsheimer, "dar esse passo seria brincar com o fogo de uma forma jamais vista".

Mearsheimer, que é um dos mais respeitados especialistas em geoestratégia norte-americanos, com dezenas de livros publicados sobre o tema, entende mesmo que se os países da NATO ousarem dar esse passo perigoso, estarão a iniciar a III Guerra Mundial.

Isso mesmo foi afirmado pelo chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, que, numa conferência com diplomatas na capital russa, serão flagelados pelas forças russas de imediato enquanto "alvos militares", como, de resto, lembrou, já foi sublinhado pelo próprio Presidente da Federação Russa.

Em questão estão não apenas a origem dessa força, mas o timing para o seu envio, porque Kiev e os seus aliados europeus exigem aos russos um cessar-fogo incondicional para encetarem negociações de paz de alto nível, como um encontro Putin-Zelensky, que seria vigiado por essas forças ocidentais no terreno.

Isso, para os russos foi sempre uma impossibilidade, embora Vladimir Putin tenha dito já que, assim que acontecer um acordo de paz, será natural que a Ucrânia tenha garantias de segurança, mas "de forma alguma estas podem ser definidas sem o acordo e a participação russa".

Os russos têm secundarizado claramente os europeus, com quem recusam falar, optando por manter um diálogo permanente com os Estados Unidos, o que foi reafirmado agora por Lavrov, ao lembrar que "os europeus estão apenas a atrapalhar as negociações sérias" que decorrem entre Moscovo e Washington.

O ministro russo dos Negócios Estrangeiros ironizou mesmo afirmando que os lideres europeus "estão a tentar parecer poderosos" mas sem terem "qualquer influência" no decurso das conversações de paz, sendo tudo "pompa sem resultados" que se vejam para abreviar a paz.

"Pelo contrário, os europeus estão mais empenhados em sabotar as negociações entre a Rússia e os EUA que em contribuir para a paz", disse, acrescentando que Moscovo não se opõe a atribuir garantias de segurança a Kiev, desde que sejam forjadas no contexto do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e não como os países da NATO querem, com contributos apenas dos países da NATO.

Situação cada vez mais difícil no terreno

E quando a situação no terreno parece cada vez mais difícil para a Ucrânia, com avanços substantivos da Rússia na frente de guerra, embora com menos efusividade que aquilo que prometia uma alegada ofensiva de Verão por parte de Moscovo, em Kiev também Zelensky está a ser desafiado pelos EUA a aceitar um acordo.

O Presidente dos EUA, Donald Trump, que está a retirar-se progressivamente da coligação ocicental de apoio a Kiev, tendo mesmo deixado, pelo menos oficialmente, de fornecer gratuitamente armas aos ucranianos, disse esta semana que o Presidente ucraniano "vai ter de aceitar um acordo".

Frisando de novo que não é a sua guerra, mas sim a "guerra de (Joe) Biden", Trump diz-se empenhado em com ela terminar, propondo que os dois contendores, Putin e Zelensky, se encontrem para acabar com o conflito, mas deixando um recado intrigante para o ucraniano.

Com efeito, pela primeira vez , numa publicação na sua rede social, Truth Social, Donald Trump escreveu que o conflito na Ucrânia "é a guerra de Biden e de Zelensky" sem nomear os russos, tendo, pouco depois, dito aos jornalistas que "Zelensky vai ter de fazer um acordo", o que deixa o ucraniano na condição de maior fragilidade.

Isto, porque Zelensky sabe, como nota o analista suíço, coronel Jacques Baud, antigo membro da intelligentsia helvética e elemento fixo na estrutura da NATO, com vários livros publicados sobre o conflito ucraniano, que sem os EUA, a Ucrânia não tem condições para aguentar, porque as promessas dos seus aliados europeus não são mais que boa vontade.

"A Europa não tem nem o músculo financeiro, atolada em crises económicas historicamente severas, nem a capacidade militar para garantir os mínimos que os ucranianos precisam para continuar a resistir aos avanços russos", especificou.

Europeus ameaçam usar fortuna russa congelada nos seus bancos

A questão da fragilidade económica europeia, bem como a incapacidade de manter uma posição de conjunto e coerente, porque, como explicou o ministro polaco dos Negócios Estrangeiros, Radosław Sikorski, "ninguém na Europa parece admitir contribuir com forças para enviar para a Ucrânia", parece cada vez mais evidente.

A ponto de, nas últimas horas, o britânico Financial Times ter noticiado que as lideranças europeias estão a elaborar um plano complexo para usar 170 mil milhões de euros, dos 195 mil milhões que congelaram aos russos nos seus bancos com o início da invasão, em 2022, para manter o apoio financeiro e militar a Kiev.

Com esse dinheiro russo, os europeus propõem-se a comprar armas aos EUA para manter a Ucrânia apetrechada militarmente, o que será feito, segundo o jornal britânico, enviando o dinheiro como forma de reparação da destruição provocada pela guerra sem, efectivamente, o retirar oficialmente aos russos.

O problema desta decisão é que esse passo poderia levar ao descalabro do sistema financeiro europeus porque os restantes países do mundo teriam de retirar os seus depósitos desses mesmos bancos porque deixariam de estar garantidos como tem sido até aqui, sendo o sinal de que se um Estado não estiver alinhado com Bruxelas, pode ver as poupanças "roubadas".

Isso mesmo é o que o Kremlin já disse, através do seu porta-voz, Dmitri Peskov, que se tal vier a suceder, "estar-se-á perante um roubo" a que a Federação Russa "dará a resposta devida".

Mas o grande problema das lideranças europeias não é com a resposta russa, é com a destruição da fiabilidade e da confiança nos sistemas financeiros europeus.