Desde há quase quatro anos que Pequim e Moscovo uniram esforços e consolidaram a sua "parceria sólida como uma rocha", como a definiu o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, numa clara frente para travar a hegemonia global do ocidente que vigora deste o fim da II Guerra Mundial que assenta na Ordem Mundial baseada nas regras impostas por Washington.
Esta parceria sino-russa não tem parado de crescer e é, qual casal que precisa de mostrar à vizinhança que vive harmoniosamente um "amor eterno", periodicamente elogiada mutuamente, principalmente nas várias visitas anuais que Xi e Putin se fazem, sendo que também em Nova Deli, Narendra Modi, e no Brasil, Lula da Silva, tenham já mostrado estarem em sintonia com a urgência de o "mundo" mudar a sua forma de liderança.
O primeiro-ministro indiano e o Presidente do Brasil já disseram sem titubear, embora com menor frequência e mais contidamente, que querem trabalhar com Pequim e Moscovo no desenho de uma nova Ordem Mundial.
Essa nova organização global, na qual a hegemonia norte-americana, executada através do seu poderio económico único baseado no Dólar como moeda franca universal, e assente nas instituições que o consolidam como tal, o FMI e o Banco Mundial, deverá, intentam, ser mudada por uma outra baseada na "cooperação inter pares", embora o enunciado não permita perceber do que se poderá tratar, ou se terá mesmo de exigir a substituição das Nações Unidas por outro órgão planetário ou a sua refundação alargada, especialmente no Conselho de Segurança onde o Ocidente é maioritário nos assentos com direito a veto.
Agora, com a reunião anual da Organização para a Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês) que agrega as principais potências EurÁsia, e a China, a ter lugar na cidade chinesa de Tianjin, que termina esta segunda-feira, 01, os três líderes, a par de outros, mais de uma dezena, não apenas consolidam essa frente anti-hegemonia Ocidental, como enviam um recado claro ao Presidente Donald Trump.
Recado esse que surge depois de os Estados Unidos terem efectivado o aumento gigantesco das tarifas sobre as importações indianas para 50%, o que é um golpe relevante na economia indiana, especialmente no seu sector estratégico da lapidação de diamantes, como castigo por Nova Deli manter a compra do petróleo russo, que Washington diz que serve para financiar a guerra de Moscovo na Ucrânia mas que Moscovo já criticou de forma pesada.
Além desta punição norte-americana contra o outro gigante asiático mostrar que os EUA não são um mediador imparcial no conflito no leste europeu, mostra igualmente que em Washington se teme de facto o crescente protagonismo global dos BRICS, que, agora com o aparentemente consolidado posicionamento de Nova Deli, que já não é novo, ao lado de Moscovo e Pequim, se transforma numa inigualável força económica e uma ameaça evidente para a hegemonia norte-americana.
Além de a China ser a segunda maior potência económica mundial, já nos calcanhares dos EUA, e a Índia estar a subir na escala planetária dos "grandes", estes dois países, juntos, perfazem mais de um terço da Humanidade, com 3 mil milhões de pessoas intramuros.
Se a estes dois "monstros" se juntar a Rússia, que é a maior superpotência nuclear do mundo, e tem no seu vasto território, o maior país do mundo, uma capacidade superlativa de fornecer aos seus vizinhos do extremo oriente quase todas as matérias-primas de que necessitam, incluindo minerais estratégicos, a energia e a alimentação, então a hegemonia Ocidental que já dura há 80 anos está claramente ameaçada.
E essa parece ser a mensagem, como realçava por estes dias John Mearsheimer, um dos maiores especialistas em geoestratégia em todo o mundo, e professor da Universidade de Chicago, apontando que se está perante um momento de viragem histórico, com a Índia a unir esforços com russos e chineses.
Este analista, e crítico da actual externa política norte-americana, nota ainda que são os EUA que estão a atirar a Índia para os braços da China e da Rússia, com as suas tarifas desastradas, além de que é ainda Washington que, ao não saber parar de facto a guerra na Ucrânia, está a dar gás à aliança cada vez mais sólida entre Pequim e Moscovo, sendo que o Kremlin soube tecer uma eficaz diplomacia de bastidores que implodiu a barreira de décadas que separava Pequim e Nova Deli da mesa das negociações para resolver os diferendos territoriais nos Himalaias.
E o incómodo entre as potências ocidentais é claro, com os europeus a pugnarem pelo caminho do abismo que é manter e alimentar a guerra na Ucrânia que, ao invés de enfraquecer, como desejado, a Rússia, está a dar à Federação uma pujança e importância global que não tinha.
Isso, enquanto, em Washington, Donald Trump parece balancear entre a sua retoma das relações com os russos, cujo pináculo desse esforço foi o encontro no Alasca a 15 de Agosto, e aposta na "desastrada", como se lhe refere Mearsheimer, política de tarifas contra os aliados de Putin que está a ser, como se vê, um bálsamo para aliviar as diferenças e enfatizar os interesses comuns entre Nova Deli, Moscovo e Pequim, sem esquecer o Irão de Masoud Pezeshkian, um gigante do Sudoeste Asiático mas na fronteira estratégica com o Cáucaso.
Entre outras reuniões paralelas, está a ser especialmente aguardada a trilateral entre Putin, Xi e Modi onde o russo explicou, ou explicará esta segunda-feira, aos dois interlocutores os detalhes do seu encontro com Donald Trump, no Alasca.
Este momento, segundo alguns analistas, como o britânico Alexander Mercouris, com relações próximas aos corredores do Kremlin, mas com distanciamento suficiente para dar credibilidade às suas análises, pode abrir um novo quadro nas relações estratégicas entre as quatro superpotências, com a possibilidade de em Washington poder emergir um movimento de baixo para cima, contra o "deep state" e o lobby radical "neocon", de aproximação dos EUA a russos, chineses e indianos para a definição do desenho da nova Ordem Mundial que deixaria de fora a "velha" Europa Ocidental, claramente a perder espaço no quadro dos grandes protagonistas planetários.
Além deste encontro de Xangai, da SCO, onde estão desde Domingo, 20 Chefes de Estado e de Governo, além de líderes de dez organizações internacionais, incluindo António Guterres, Secretário-Geral da ONU, Putin e Xi Jinping, e com eles o norte-coreano Kim Jong-un, além de outros, o Presidente chinês terá ainda 26 lideres mundiais nas comemorações do Dia da Vitória da China contra a invasão Japonesa na II Guerra Mundial, anunciou o ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros, Hong Lei.
Estas comemorações, em Pequim, na Praça Tiananmen, têm como ponto alto, esta quarta-feira, 03, uma gigantesca parada militar que alguns analistas antecipam como sendo o momento em que a China vai mostrar aos EUA todo o seu potencial militar com algumas surpresas no que diz respeito ao desenvolvimento de novas armas hipersónicas e de outro tipo mas igualmente avançadas, embora já no passado este cenário tenha sido antecipado mas não concretizado.
A resposta a este frenesim político-diplomático dos países da Europa Ocidental está a ser claramente uma figa para a frente, com o anúncio por parte da presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, de mais sanções contra a Rússia, o 19º pacote, quando a própria este fim-de-semana, na Bulgária, foi recebida com enormes protestos e até ataques à sua viatura, numa das mais relevantes demonstrações de descontentamento com a sua liderança.
Além disso, países como a França e o Reino Unido estão a atravessar as mais severas crises económicas em décadas, com o risco extraordinário, assumido pelos próprios Governos de Paris e de Londres, de precisarem em breve de uma intervenção do FMI para os resgatar de uma caída no pântano do incumprimento, enquanto na Alemanha, onde ainda é mais visível o efeito do corte no acesso à energia russa barata na economia nacional, o chanceler Friedrich Merz já veio admitir que o país não vai poder manter o seu actual sistema de segurança social.
Esta fuga para a frente, que conta ainda com uma histórica separação e desalinhamento da política externa europeia e norte-americana, com ênfase para a questão ucraniana, sendo que já se sabe que em Moscovo, apesar da ambivalência norte-americana, especialmente com o reforço das tarifas sobre a Índia, procurando desestabilizar a retaguarda russa, também foi notado esse desacerto Washington-Bruxelas.
Numa declaração no encontro de Xangai, e depois de Xi ter criticado os EUA pela sua política de "bullyng" tarifário, Putin sublinhou que os EUA estão alinhados na procura de de uma nova direcção que permita abrir novas oportunidades para a paz na Ucrânia, o que mostra uma clara distinção entre o papel norte-americano, apesar de ser ainda um aliado de Kiev, e os seus parceiros europeus, com que Moscovo parece estar já e em definitivo de costas voltadas e por muito tempo.
Isso mesmo foi realçado pelo porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, que, numa conversa com os jornalistas, afirmou que os líderes europeus estão claramente a obstruir os esforços do Presidente Donald Trump para alcançar a paz na Ucrânia.
Com esta declaração, que é mais uma peça da batalha entre Moscovo e a Europa Ocidental pela atenção de Trump, e na qual Peskov procura sibilinamente dizer ao norte-americano que os seus aliados europeus o estão a afastar do tão desejado Prémio Nobel da Paz, foi ainda acrescentado que existe hoje um "Partido Europeu da Guerra" que procura por todos os meios manter o sangue a correr.
"Nós estamos prontos para resolver o problema pela via diplomática, mas, para já, os europeus estão empenhados a tudo fazer para impedir essa saída nem se vê reciprocidade para esta via em Kiev", acusou Peskov.
Pelo contrário, na Europa, Ursula von der Leyen voltou a defender a continuidade da guerra com que quer "vergar a Rússia no campo de batalha", voltando a chamar Putin de "predador às portas da Europa", acusando o Kremlin de não querer a paz e estar "totalmente empenhado" em manter o conflito até conseguir os seus objectivos.
E isso é verdade, porque tanto o CEMGFA russo, Valery Gerasimov, como o ministro russo da Defesa, Andrei Belousov, afirmaram este fim-de-semana que a Rússia está não apenas a ganhar a guerra como a preparar um forte ofensiva para os próximos dias, garantindo que todos os objectivos (ver links em baixo) serão alcançados e que o conflito se vai estender para 2026.