O Presidente norte-americano e o seu secretário de Estado, Marco Rubio, também não alinharam, para desgosto de franceses, polacos, alemães e britânicos, na versão europeia e ucraniana de que os drones que na passada semana invadiram território polaco foram um "ataque" russo, como de resto, a maior parte dos analistas independentes também duvidaram.
Com o tema esvaziado pela forma como os norte-americanos desmantelaram a retórica agressiva europeia, recusando aceitar que se tratara de uma ofensiva russa disfarçada de erro de cálculo, eis que, nas últimas horas, mais um drone russo apareceu nos céus da NATO, na Roménia.
Se os alegadamente 19 drones que se passearam nos céus polacos, a 10 de Setembro (ver links em baixo), não convenceram Washington, este drone solitário que os romenos detectaram, não foi suficiente para reavivar o frenesim europeu com vozes a pedirem mesmo a deflagração do Artigo 5º da NATO; que impõe uma resposta armada da Aliança militar ao agressor, no caso a Rússia.
Alguns analistas, como Tiago André Lopes, especialista em questões internacionais e professor universitário, que na CNN Portugal aproveitou mesmo para ironizar sobre este incidente, questionando a versão de Bucareste: "Como é que um drone avança 10 kms em território romeno e depois volta para trás quando estava a ser atacado pelo F-16 da NATO?".
O analista e professor da Universidade Lusíada lembra que os drones "não têm intuição" nem têm como verificar que estão a ser atacados, ao mesmo tempo que recorda que o seu raio de acção fica muito longe da fronteira romena, "o que exige saber-se de onde é que foi enviado".
A tese russa que está a ser empenhadamente veiculada pelos media próximos do Kremlin, e mesmo nalguns canais nas redes sociais menos alinhados com Moscovo, é que este tipo de drones sem carga explosiva, como os encontrados na Polónia, que servem quase exclusivamente como engodo, e, como não possuem carga explosiva, acabam no solo sem se desintegrarem totalmente quando o combustível acaba.
Logo, pode-se ler nas várias notícias sobre este assunto nos media russos, num momento em que a Ucrânia e os seus aliados europeus procuram, sem sucesso, arrastar os EUA para a frente de guerra, mantendo o apoio militar e financeiro a Kiev, os ucranianos teriam preparado um grupo destes aparelhos russos recuperados no país reenviando-os para a Polónia numa operação de "falsa bandeira" de modo a culpar Moscovo.
A análise a este caso foi mesmo feita ao abrigo do Artigo 4º da NATO, que impõe aos membros uma reunião de forma a decidir os passos seguintes, invocado pela Polónia, não tendo, para já, surtido qualquer posição definitiva.
Definitiva parece ser a decisão da Administração Trump de se afastar dos aliados europeus e do regime de Volodymyr Zelensky, não apenas por não ter dado energia a esta tese do ataque russo à NATO, desmontando-a desde logo pelo comandante militar da Aliança Atlântica (SACEUR), general Alexus G. Grynkewich, e depois com o envio de uma carta assinada por Donald Trump que encosta os seus aliados da NATO totalmente às cordas, mesmo que alguns analistas defendam igualmente que os russos sempre souberam fazer estes "testes" deixando sempre uma porta de saída negando-as com plausibilidade.
Europeus enrascados
Se os países europeus da NATO queriam arrastar os EUA para a sua guerra com a Rússia, essa operação não correu bem. Pelo contrário, na volta do correio receberam uma missiva onde Trump os deixa sem chão.
Nessa carta, depois de meses seguidos em que de Londres, Paris ou Berlim, a Casa Branca foi recebendo pedidos acalorados, com diversas viagens dos lideres europeus a Washington para o efeito, que os EUA endurecessem as sanções a Moscovo e aplicassem tarifas aos países que continuam a comprar energia russa, Trump vem-lhes dizer que sim mas com uma condição.
E é nessa condição que o americano desarma os aliados europeus. Como o próprio explicou numa publicação na sua rede social, a Truth Social, os países da NATO devem, "todos", deixar de comprar petróleo e gás russos, directa ou indirectamente, e aplicar tarifas de 100% à China e à Índia, como pedem aos EUA para fazer.
Se tal acontecer, os Estados Unidos farão o mesmo logo a seguir, garante Donald Trump, naquilo que os analistas já estão a apelidar da mais corrosiva cartada aplicada entre aliados históricos, porque se há uma coisa que não é segredo é que os países europeus estão a atravessar crises extremas nas suas economias, especialmente os gigantes França. Alemanha e reino Unido.
E se aplicassem os castigos exigidos por Trump a Moscovo, deixando de comprar o crude russo através da Índia, as suas economias colapsariam de forma ainda mais acelerada, mas ainda pior seria avançar com tarifas de 50% a 100% às importações chinesas e indianas, porque na resposta, a Europa Ocidental, já soterrada nos escombros das suas crises, ficaria ainda em pior situação, com as contra-medidas dos dois gigantes asiáticos.
Sendo verdade que os países da Europa ocidental têm vindo a reduzir em grande medida a dependência do crude e do gás russos, desde logo com a explosão do Nord Stream II, no Mar Báltico, que fornecia ilimitadamente gás russo à Alemanha, é também factual que a União Europeia ainda depende muito do crude russo que adquire através de terceiros, como a Índia.
Se também essa porta se fechar, não resta outra alternativa a Berlin, Paris e às outras capitais europeis, comprar o petróleo e no gás Made in USA, que, seguindo especialistas, pode chegar a ser até seis vezes mais caro que aquele que lhes chegava antes da guerra dos russos.
Como a generalidade dos analistas coincide na análise, com esta carta armadilhada, Donald Trump pode ter deixado os seus aliados europeus sem chão, até porque, com o afastamento já evidente dos EUA do apoio militar e financeiro a Kiev, esse papel passa naturalmente para os cofres europeus já depauperados, restava ao eixo Londres-Paris-Berlin apostar "all in" nas sanções a Moscovo e aos seus parceiros comerciais principais, Índia e China...
Bruxelas com saudades de Biden
Para tal ser exequível como forma de pressão sobre o Kremlin, seria necessário o apoio de Washington, o que foi tentado aproveitando ou criando o "caso" dos drones, de forma a arrastar os EUA para a sua antiga posição, no tempo do Presidente Joe Biden, que era a ponta do ariete ocidental que procurava destruir a Rússia no campo de batalha ucraniano.
A par desta saída de cena, pelo menos aparente, dos EUA da guerra na Ucrânia, Washington está num processo de retoma das relações diplomáticas com a Federação Russa, que tinham sido totalmente interrompidas por Joe Biden, além de que a Casa Branca aposta agora em novas rondas negociais com a China de forma a acalmar a fricção grave gerada com a guerra das tarifas.
E o mesmo parece ser o caso com a Índia, depois de Nova Deli ter reagido com severidade às ameaças norte-americanas de aplicar 50% de tarifas ao segundo gigante asiático para o obrigar a deixar de comprar crude russos, o que deixou os EUA com escassa margem de manobra em risco de, ao invés de anular as parcerias de Pequim com Nova Deli e Moscovo, estava fortalece-las, o que vai contra a estratégia de longo prazo de Washington para o Índo-Pacífico.
E a razão é simples: com o acesso ilimitado aos recursos da Rússia, e com a reconstrução das relações com Nova Deli, muito desta aproximação burilada pela diplomacia do Kremlin, o eixo Pequim-Nova Deli-Moscovo pode ser, com a agregação doutros parceiros, como o Brasil, ser uma barreira de aço face aos EUA e à sua Ordem Mundial baseada nas regras de Washington.
Na Europa Ocidental, a atrapalhação é evidente com esta carta armadilhada de Trump, mas ainda não se conhecem as reacções de Bruxelas ou mesmo de franceses, alemães...