Os objectivos da Rússia na "operação militar" que iniciou a 24 de Fevereiro, na Ucrânia, vão ser conseguidos, "independentemente do que acontecer até lá", disse Dmitri Peskov, o porta-voz do Kremlin, acrescentando que do lado russo está tudo pronto para um cessar-fogo e um acordo de paz, mas "nos termos e nas condições" definidos pelo Presidente Vladimir Putin.

"A Ucrânia pode acabar com a guerra a qualquer momento se aceitar as condições definidas pelo Kremlin", disse Peskov, deixando claro que "de uma ou de outra forma", a Rússia vai conseguir concluir o seu plano traçado para este conflito".

Esta disponibilidade russa para acabar com as hostilidades foi igualmente tornada pública pelo antigo chanceler alemão Gerhard Schroeder, depois de um encontro com Vladimir Putin, embora afastando a ideia de que o antigo líder alemão vá ser um intermediário em eventuais negociações entre Moscovo e Kiev.

Do lado ucraniano, a resposta foi imediata. Embora sem nomear este assunto, o Presidente Volodymyr Zelensky, num dos seus repetitivos vídeos de final de dia, veio, na quarta-feira, reafirmar o empenho das forças leais a Kiev para expulsar o inimigo, pedindo, para isso, mais armas e mais dinheiro aos Estados Unidos e à União Europeia e aos restantes aliados ocidentais.

Esta insistência ocidental contra a Rússia no apoio até ao último homem ao esforço de guerra ucraniano foi, no entanto, torpedeado pelo antigo líder trabalhista britânico Jeremy Corbin, que veio esta semana pedir ao mundo ocidental que pare de fornecer armas a Kiev porque isso está a conduzir a Europa para uma crise sem precedentes ao prolongar artificialmente esta guerra, cuja linha da frente mais vasta é a económica.

Isto, num dia que está a ser mediaticamente marcado pelo ataque ucraniano, onde morreram elo menos cinco pessoas, a um hotel em Donetsk, cidade controlada pelas forças pró-russas, e com uma população fortemente pró-Moscovo, onde estão instalados dezenas de jornalistas estrangeiros, naquilo que alguns analistas, como o coronel Mendes Dias, comentador da CNN Portugal, admite ser, se for provado, um crime de guerra das forças de Kiev.

E agora a questão nuclear...

... como ainda está bem fresco na memória colectiva dos europeus, em Abril de 1986, um dos vários reactores nucleares da central de Chernobyl, no norte da Ucrânia, então ainda República Soviética, implodiu, provocando o mais grave desastre atómico até hoje, como milhares de mortos e feridos, com consequências que ainda hoje se sentem de forma letal em vastas áreas do norte da Europa.

Mas esse acidente, apesar de grave como nenhum outro até hoje, pode ser um "brincadeira" se o mesmo acontecer em Zaporijia (na foto), cidade ucraniana no sudeste do país, onde está a maior central nuclear da Europa e uma das maiores do mundo, que a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) veio agora advertir que está "totalmente sem controlo" e que um acidente "catastrófico" pode acontecer a qualquer momento se nada for feito.

Esta central foi tomada pelas forças russas logo no início da guerra e, desde então, é controlada por dirigentes russos e com o trabalho de manutenção nas mãos do pessoal ucraniano, o que para a AIEA é um potencial foco de conflituosidade perigosa numa central nuclear.

Embora as autoridades russas já tenham dito por diversas vezes que a situação está sob controlo e que não existe risco de acidentes, o chefe da Agência, o italiano Rafael Grossi, veio alertar para os riscos, pedindo aos dois lados, Kiev e Moscovo, que criem condições para que uma equipa de especialistas se desloque ao local para uma inspecção profiláctica porque, para já, "foram violados todas as normas de segurança" próprios de uma central nuclear.

Grossi disse ainda que se trata de uma "situação alarmante" e que é de todo aconselhável que as autoridades russas permitam que a AIEA entre na central de Zaporijia para prever eventuais acidentes que seriam de uma grandiosidade impossível de prever para toda a Europa e partes da Ásia, pelo menos.

Não é conhecida ainda uma reacção de Moscovo a este apelo do chefe da AIEA.

ONU quer investigar ataque a prisão russa com soldados ucranianos (Lusa)

A ONU vai abrir uma investigação para apurar "a verdade" sobre as explosões ocorridas na semana passada na prisão de Olenivka, numa zona separatista pró-russa, no leste da Ucrânia, anunciou o secretário-geral, António Guterres, citado pela Lusa.

"Decidi criar uma comissão de inquérito" após ter "recebido os pedidos da Federação Russa e da Ucrânia", revelou Guterres, em conferência de imprensa, acrescentando que não tem autoridade para conduzir "investigações criminais".

"Os temos de referência para esta missão de inquérito estão a ser preparados", acrescentou o antigo primeiro-ministro português, esperando conseguir um acordo com a Rússia e a Ucrânia sobre esses mesmos termos.

"Esperamos obter todas as facilidades de acesso de ambas as partes e conseguir os dados necessários para apurar a verdade sobre o ocorrido", acrescentou, adiantando, também, que procura pessoas "independentes e competentes" para integrar a missão.

Dezenas de pessoas morreram na semana passada, segundo o exército russo, após explosões na prisão de Olenivka, numa zona separatista pró-russa, no leste da Ucrânia, onde se encontravam soldados Ucranianos detidos em Mariupol.

Moscovo acusou Kiev de ter bombardeado a prisão, mas as autoridades ucranianas refutam as acusações e afirmam que, pelo contrário, os prisioneiros foram massacrados pelas forças russas.

Este ataque coincidiu com uma forte ofensiva russa no Donetsk (Donbass), registando ganhos territoriais considerados importantes pelos analistas militares, o que permite adivinhar qe os objectivos traçados pelo Kremlin para esta República independentista no leste ucraniano podem estar prestes a ser conseguidos.

Amnistia Internacional acusa forças ucranianas de arriscar vidas de civis...

... ao criar bases militares em áreas urbanas, escolas e hospitais sem avisar as populações em redor

A Amnistia Internacional alertou esta quarta-feira que as forças ucranianas põem em perigo a população civil quando estabelecem bases militares em zonas residenciais e lançam ataques a partir de áreas habitadas por civis.

Num comunicado divulgado hoje, citado pela Lusa, a organização de direitos humanos ressalva que esta actuação não justifica de modo algum os ataques indiscriminados da Rússia, que mataram mais de cinco mil civis, de acordo com as Nações Unidas.

As forças ucranianas põem civis em perigo quando montam bases e operam sistemas de armas "em zonas habitadas por civis, incluindo em escolas e hospitais, para repelir a invasão russa que começou em Fevereiro", considera.

Estas tácticas violam o direito internacional e tornam zonas civis em objectivos militares contra os quais os russos retaliam.

O resultado é a morte de civis e a destruição das infra-estruturas.

"Estar numa posição defensiva não isenta as forças armadas ucranianas de respeitar o direito internacional humanitário", afirmou a secretária geral da Amnistia, Agnès Callamard.

Na sua investigação sobre alegados crimes de guerra cometidos pela Rússia, o grupo concluiu que aconteceram em algumas zonas de Kharkiv, mas descobriu também que as forças ucranianas lançavam ataques a partir de zonas residenciais habitadas e tinham ocupado edifícios civis em 19 cidades e localidades nas regiões de Kharkiv, Mikolayv e Donbas.

Entre Abril e Julho, a Amnistia Internacional entrevistou sobreviventes, testemunhas destes ataques e analisou imagens recolhidas por satélites para avaliar as acusações.

Nos casos que documentou, não concluiu que os militares ucranianos instalados em infra-estruturas civis tenham pedido aos cidadãos que evacuassem os edifícios em volta.

A ONU confirmou que 5.327 civis morreram e 7.257 ficaram feridos na guerra, que hoje entrou no seu 160.º dia, sublinhando que os números reais deverão ser muito superiores e só serão conhecidos quando houver acesso a zonas cercadas ou sob intensos combates.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.