Não é a primeira vez que Volodymyr Zelensky apela a Xi Jinping para que assuma um papel mais relevante na mediação do conflito na Ucrânia, que já dura há mais de 13 meses, no que diz respeito a invasão russa de 24 de Fevereiro de 2022, e há mais de oito anos, desde que as regiões do Donbass, no leste da Ucrânia, declararam a independência de Kiev.

Depois de o seu principal assessor para os assuntos políticos, Mikhail Podoliak, considerado um "falcão de guerra", ter, há cerca de uma semana, desafiado mesmo Pequim a decidir se quer mediar ou manter-se cuidadosamente de lado do conflito no leste europeu, um apelo claro a que Pequim opte pelo papel de mediador activo, Zelensky vem agora mostrar de forma pungente que anseia pela chegada da China ao palco da mediação empenhada que permita um entendimento com a Rússia de Vladimir Putin.

"Estamos prontos para receber o Presidente Xi em Kiev"; ou "eu quero falar com ele"; ou ainda, em forma de lamento; "falei com ele antes da guerra mas desde então, não voltamos a falar", são algumas das frases captadas pela Associated Press na entrevista com Volodymyr Zelensky, que decorreu a bordo de um comboio, presumivelmente quando este regressava da linha da frente, onde o próprio já disse que vai ocorrer, em breve, uma forte contra-ofensiva para empurrar as forças russas para o seu território.

Antes da visita recente de Xi Jinping a Moscovo, onde ficou claro que a China é hoje um parceiro inamovível da Rússia, com os dois países a forjarem as bases para uma ainda mais abrangente parceria estratégica alargada a todos os domínios, incluindo o militar, o Governo ucraniano veio a terreiro afirmar a sua vontade de encetar também conversações com Pequim ao mais alto nível.

Nesse espaço temporal, chegou mesmo a ser aventada a possibilidade de Xi se deslocar pessoalmente a Kiev logo a seguir a Moscovo, mas tal não sucedeu, passando depois à possibilidade de uma conversa por videochamada, mas tal também não aconteceu, o que frustrou Kiev que, apesar disso, não desistiu e, agora, à agência de notícias norte-americana, Zelensky retoma, de forma diplomaticamente bastante sonora, a vontade ucraniana de ter Xi Jinping como protagonista dos esforços em curso para acabar com o conflito.

Num claro sinal de que, no ocidente, entre os principais aliados de Kiev, começam igualmente a surgir sinais de que a China já é a única esperança para que se encontre uma solução, tendo por base a posição de 12 pontos anunciada por Pequim a 24 de Fevereiro deste ano, que mereceu uma receptividade positiva por parte do Presidente russo, sendo que Vladimir Putin tem feito alusões repetidas à preferência do Kremlin por uma saida pacífica para este conflito.

Se, por um lado, o chanceler alemão, Olaf Scholz, esteve em Pequim na parte final de 2022, a caminho da capital chinesa estão alguns dos mais proeminentes líderes ocidentais, como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, conhecida pelo afinco com que colocou como objectivo europeu nesta guerra a "derrota da Rússia no campo de batalha", o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, ou ainda o brasileiro Lula da Silva... todos com a guerra na Ucrânia no topo da agenda.

Este "pressing" ocidental e ucraniano que visa trazer Pequim para o centro do palco global onde se procura desenhar um novo mapa com a porta de saída da guerra, não está desencaixado da realidade no terreno, porque, se no início da guerra, foram os russos que se viram frustrados por não conseguirem nas primeiras semanas alcançar os objectivos, devido ao fulgurante apoio dos países da NATO liderados pelos EUA, actualmente, segundo analistas militares que merecem credibilidade do Novo Jornal, são as forças ucranianas que estão a enfrentar dificuldades inultrapassáveis para conter o avanço russo apesar das milhares de baixas semanais e das perdas volumosas de material militar, especialmente o entregue pelo ocidente.

A par deste cenário, dos Estados Unidos chegam notícias contrárias às necessidades ucranianas, porque, desde que nas eleições intercalares de Novembro de 2022, os Democratas perderam o controlo da Câmara dos Representantes para os Republicanos, a Administração Biden perdeu tracção essencial para fazer aprovar a continuidade do caudal gigantesco de dinheiro e armamento de Washington para Kiev.

E isso mesmo já foi dito a Volodymyr Zelensky que, nesta entrevista à janela do comboio com a AP, admitiu que a Ucrânia colapasaria rapidamente sem o fluxo permanente de apoio dos EUA, o que deixa entender que já recebeu como recado claro de Washington que tem de procurar sair deste imbróglio com a dignidade possível, mas rapidamente, porque os Estados Unidos vão deixar de poder manter tamanha colaboração nesta guerra.

Alias, isso é ainda mais evidente quando, também esta manhã de quarta-feira, 29, o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, disse, citado pelo The Guardian, que Londres encoraja fortemente o Presidente Zelensky a conduzir a sua diplomacia no sentido de trazer Xi Jinping para o centro dos esforços em curso para acabar com o conflito através de negociações, directas ou indirectas, com Moscovo.

"Encorajo fortemente o Presidente Xi Jinping para encetar conversações directas com o Presidente Zelensky em qualquer uma das propostas de paz que a China esteja interessada em fazer avançar", disse o chefe do Executivo de Londres numa intervenºao junto do comité de ligação a Kiev do Parlamento britânico.

A esta declaração, Sunak acrescentou que Londres da às boas-vindas ao apoio da China à "defesa da integridade territorial da Ucrânia", tendo, porém, deixado uma farpa a Pequim, o que alguns analistas entendem como sendo uma forma de não aveludar excessivamente o caminho à China, ao afirmar que Pequim "mina a sua credibilidade como mediador com as acções tomadas noutras latitudes", sem explicar quais mas que se aceita como razoável ser o estreitamento das relações com Moscovo.

Já em Kiev, as coisas parecem bem mais simples e trágicas ao mesmo tempo: se, por um lado, começa a existir um cansaço nos seus aliados ocidentais, que só não é mais visível para não perderem a face, especialmente na Europa ocidental, por outro, é já evidente, segundo as fontes mais equilibradas na abordagem a este conflito, que os ucranianos estão a perder a guerra de forma rude, com perdas impossíveis de repor em termos humanos, e com atrasos evidentes no envio do armamento prometido.

Com este cenário em evidência, com cada vez mais perdas nas principais pontes de contacto pelo fogo da linha da frente, Bakhmut e Avdiivka, na região de Donetsk, que Zelensky já considerou que uma derrota seria um "abalo politico de enormes proporções", que só está a conseguir evitar com o envio de milhares de militares para as bocas-de-fogo russas, e, agora com a admissão de que em Washington a maré está a virar contra si, ao líder ucraniano só resta procurar a via negocial que lhe permita "perder o mínimo possível" e, para isso, precisa da China, que é claramente o país que mais facilmente acede aos corredores de decisão do Kremlin.

E uma das frases deixadas nesta entrevista à norte-americana AP é esta: "Os EUA sabem que se deixarem de nos apoiar não vamos conseguir ganhar esta guerra!".

Com uma crise económica severa a corroer as bases eleitorais dos Democratas, as possibilidades de reeleição de Joe Biden nas eleições de 2024, vão-se esfumando e a sua equipa sabe isso, como sabe ainda que a oposição Republicana, onde, provavelmente, Donald Trump será o candidato - embora isso não seja ainda certo -, está a aproveitar os gastos bilionários com a guerra na Ucrânia como uma das ferramentas para apontar o dedo à Casa Branca.

Alias, os principais candidatos nas primárias dos Republicanos, Trump, o governador da Florida, Ron DeSantis e a antiga embaixadora na ONU, Nikki Haley, já admitiram posições menos favoráveis ao apoio a Kiev, sendo mesmo que os dois primeiros estão convencidos que isso "não é uma prioridade para a segurança nacional dos Estados Unidos da América".

Recorde-se que se a China conseguir levar para o campo das negociações aquilo que está a ser disputado no campo de batalha, um dos mais sangrentos em todo o mundo deste o fim da II Guerra Mundial, isso será apenas o reatar do que estava a acontecer até Abril de 2022, quando russos e ucranianos já tinham realizado várias etapas negociais sendo esse processo interrompido agressivamente por uma ida intempestiva a Kiev do então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, com apoio claro dos EUA nesta empreitada, obrigando Zelensky a deixar as negociações para voltar à guerra prometendo-lhe apoio ilimitado em armamento e dinheiro.

O principal ponto de fricção entre Moscovo e Kiev é que os ucranianos não admitem ceder nenhum território à Rússia, incluindo a Crimeia, anexada em 2014, enquanto os russos dizem não ser sequer conversável a possibilidade de perder as cinco regiões anexadas, para além da Crimeia, Donetsk e Lugansk (Donbass) e ainda Zaporijia e Kherson.

A tarefa hercúlea de Pequim será precisamente este ponto, como conciliar estas duas perspectivas aparentemente inconciliáveis? Alguns analistas admitem que o poderio económico de Pequim quando chegar à discussão a questão da reconstrução da Ucrânia, poderá fazer um... milagre.

Apesar deste cenário...

Kiev e Moscovo estão mediaticamente alinhados na ideia de aniquilação mútua

Kiev e Moscovo dizem que estão a usar estrategicamente a batalha de Bakhmut para infligir pesadas baixas e a destruir equipamento militar do inimigo.

Desde os primeiros momentos em que começou com intensidade mais flagrante a batalha de Bakhmut, (Artiomovsk, para os russos), já considerada pelos especialistas como a mais sangrenta e violenta deste a II Guerra Mundial, que os analistas militares admitem a possibilidade de a Rússia estar a usar este campo de batalha para provocar baixas severas em pessoal e equipamento militar ocidental enviado para Kiev.

Esse argumento tinha por detrás a ideia objectiva de que as forças russas têm a cidade cercada, mantendo, estrategicamente, apenas um estreito caminho para que os ucranianos possam enviar reforços para o centro de Bakhmut, ou para que as suas unidades mais desgastadas possam sair, aproveitando as suas posições de artilharia privilegiadas nas imediações para flagelar essas mesmas unidades em trânsito.

Alguns analistas admitem que com esta táctica os russos poderão ter infligido milhares de baixas aos ucranianos e destruído importante equipamento ocidental enviado para a região, essencial para a já muito anunciada contra-ofensiva ucraniana da Primavera que poderá ainda acontecer nas próximas semanas, à medida que mais material ocidental, desde logo os famosos blindados pesados, Leopar-2, começam a chegar em força.

Mas, agora, são também as chefias militares ucranianas que estão a usar o mesmo argumento para manter acesa a frente de batalha em Bakhmut, como o disse já esta semana o comandante das forças terrestres de Kiev, o general Oleksandr Syrskyi, para desgastar as forças russas em homens e material, especialmente do Grupo Wagner, que é quem faz os gastos do ataque russo.

Num vídeo divulgado nas redes sociais, o oficial ucraniano diz que os russos continuam a atacar em força Bakhmut, cidade para a qual olham como sendo "estrategicamente importante".

"Eles não param de atacar a cidade e nós temos agora como foco principal reduzir o seu poder de fogo e de forças no terreno, infligindo-lhes pesadas perdas, o que vai permitir às forças cranianas ganhar maior tracção no esforço para libertar territórios ocupados pelo inimigo", explicou o general Oleksandr Syrskyi, considerado muito experiente e dos mais capazes nas forças de Kiev.

Apesar destes argumentos e contra-argumentos, tanto russos como ucranianos dizem ter em curso preparativos empenhados para ofensivas de Primavera ou de Verão, sendo que os ucranianos fazem depender esse avanço de apoio ocidental em equipamento sofisticado, enquanto os russos dizem que são as condições meteorológicas que travam o passo das suas unidades de forças especiais preparadas para o efeito.

Há, no entanto, quem entenda que tanto um lado como o outro estão a aguardar que as movimentações diplomáticas em curso, com vagas de lideres ocidentais a caminho de Pequim, depois de o Presidente chinês ter estado em Moscovo, e com a possibilidade de uma conversa entre Xi Jinping e Volodymyr Zelensky surgir a qualquer momento, produzam resultados que conduzam a guerra para a mesa das negociações.

Recorde-se que por estes dias estão a caminho de Pequim os lideres espanhol, Pedro Sànchez, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, o chanceler alemão já lá esteve e o Presidente do Brasil, Lula da Silva, deverá chegar em breve à capital chinesa.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.