A morte de Vladlen Tatarsky foi, claramente um rude golpe na moral russa, como facilmente se reconhece a partir das reacções dos inúmeros lamentos e pedidos de vingança colocados nas caixas de comentários nos media russos que noticiaram profusamente a morte do blogger que, embora claramente nacionalista e pró-russo, era conhecido também por criticar aquilo que achava que não estava a correr bem na linha da frente por parte das chefias russas no terreno.

E a sua importância social e relevância no campo de batalha, onde muitas vezes estava com as tropas entrincheiradas, ficou vincada na forma como o líder icónico do Grupo Wagner, decidiu honrá-lo ao escrever o seu nome na bandeira que hasteou nos edifícios governamentais de Bakhmut (Artiomovsk, para os russos), num ataque lançado pelas suas unidades de combate que terá feito as tropas ucranianas recuar para os limites da cidade.

Evgeny Prigozhin, cuja personalidade volátil o levou a diversos confrontos verbais agressivos com os generais russos que comandam a "operação especial", criando em seu redor um misto de amor/ódio na capital russa, apesar de ser um dos principais aliados do Presidente Vladimir Putin, com este gesto para com Tatarsky, veio demonstrar que tinha com ele uma clara proximidade, criando algumas dúvidas sobre se as posições críticas do blogger sobre a organização russa não o terão beneficiado no confronto polémico com, por exemplo, o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, ou com os comandantes principais das forças de Moscovo.

Com este avanço sobre o centro de Bakhmut, o chefe do Grupo Wagner, considerado como mercenário no ocidente, alcança o seu maior feito, embora a cidade ainda não esteja totalmente nas mãos dos russos, porque persiste forte resistência numa região limítrofe a sudoeste, porque é um rude golpe na frente comunicacional desta guerra, depois de o Presidente ucraniano ter admitido que a sua queda para o lado do Kremlin seria um trufo de grande monta para Vladimir Putin.

As forças de Prigozhin, segundo noticiam os media russos, chegaram ao centro de Bakhmut ao cair da noite de Domingo, tendo este divulgado de imediato um vídeo, com os quais procura disputar o universo mediático com o Presidente ucraniano, que conseguiu dominar totalmente esse espaço de grande relevo nos media ocidentais com os seus breves discursos diários, com ambos a tentarem incutir e fortalecer o ânimo das suas hostes.

No entanto, Volodymyr Zelensky, embora ainda não exista qualquer prova conhecida de que se tratou de um ataque organizado pelos serviços secretos ucranianos, conseguiu o mais importante ataque em território russo, na cidade de São Petersburgo, com a morte de Tatarsky como consequência da explosão de um engenho colocado no interior de uma estatueta que lhe foi oferecida durante uma palestra pública num café da cidade.

Apesar de os media russos, como a agência estatal TASS ou o canal Russia Today, já terem noticiado a detenção de uma jovem que lhe levou o objecto, aparentemente esta foi apenas o correio para a morte de Tatarsky, não se sabendo se estava ciente do conteúdo de pelo menos 200 gramas de TNT no seu interior, estando a decorrer uma busca geral por um indivíduo que foi visto na sua companhia e que desapareceu, havendo suspeitas de que tenha "regressado" à Ucrâoi comennia.

Nem sobre os autores alegadamente ucranianos do atentado que levou à morte do blogger nacionalista russo nem a alegada captura de Bakhmut foram, para já, comentadas oficialmente pelo Kremlin e pelo regime ucraniano.

No entanto, Maria Zakharova, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, já veio criticar nas redes sociais os governos ocidentais por "ignorarem que os jornalistas russos estão sob permanente ameaça de morte pelo regime de Kiev e pelos seus apoiantes".

Recorde-se que este ataque contra o jornalista-blogger russo é o segundo ataque de grande calibre no interior da Federação Russa levado a cabo por grupos ucranianos, depois de em Agosto de 2022, também numa explosão, ter sido morta Darya Dugina, uma jovem e conhecida jornalista, filha de um famoso filósofo nacionalista amigo próximo de Vladimir Putin, Alexander Dugin, que sucumbiu à explosão de uma bomba artesanal na sua viatura.

Kiev ainda não se pronunciou sobre a morte de Tatarsky mas negou ter estado por detrás da morte de Darya Dugina, que levou Moscovo a uma série de ataque em solo ucraniano através de misseis de longo alcance e de precisão, sendo agora esperado uma igualmente pesada represália.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.