John Bolton é um conhecido advogado, com um registo de opiniões que o colocam como um ultraconservador de carácter religioso e belicista, defensor às claras de uns Estados Unidos prontos para apertar o gatilho onde os seus interesses sejam ameaçados, seja ao lado da Casa Branca, na Avenida Pensilvânia, seja nos confins do Médio Oriente, independentemente das consequências, seguindo como padrão a ideia de que é melhor disparar primeiro e perguntar depois que ser atacado enquanto se formula a pergunta sobre o que se passa na realidade.

E até para Donald Trump, o homem que mais próximo colocou os EUA de uma guerra de larga envergadura em pouco mais de dois anos de mandato, esse empenho em iniciar guerras por tudo e por nada, foi demais. Bolton viu o Presidente abrir-lhe a porta para bater asas e voar para longe... demitindo-o quase em directo, via Twitter.

Para trás ficam momentos de grande tensão mundial, seja com a Coreia do Norte, a quem Trump, empurrado por Bolton, ameaçou de varrer do mapa com uma "tempestade de fogo nunca vista", seja no Médio Oriente, com o Irão, país que sempre disse estar na mira da sua espingarda de longo alcance, que é como quem diz, dos porta-aviões da armada norte-americana e dos mísseis "Tomahawk", porque o seu agora ex- Conselheiro para a Segurança Nacional, nunca escondeu a vontade de mudar o regime em Teerão, nem que fosse à bala.

Pelo meio disto, ficam ainda as reacções de Bolton à sua demissão, com este a garantir que não foi demitido mas que quem se demitiu foi ele por discordâncias incontornáveis com o seu amigo de longa data e "parceiro" da ideia de gatilho sempre pronto, Donald Trump que, por mais de uma vez, apesar da retórica belicista, mostrou que ocupar a Casa Branca impõe algum bom senso, como sucedeu aquando do lançamento de um ataque ao Irão que, estavam os aviões já no ar e os mísseis prontos para serem lançados, ordenou o seu regresso ao porta-aviões, evitando uma escalada impossível de adivinhar o desfecho.

A actual Administração norte-americana é vista um pouco por todo o lado como uma das mais "disfuncionais" de sempre, como o atestam as mensagens, recentemente divulgadas, entre o embaixador britânico nos EUA e o Governo de Londres, onde Trump é descrito como um imbecil irresponsável pelos seus mais sólidos aliados em todo o mundo.

Mas Bolton era a cereja no topo do bolo, porque tinha um objectivo muito claro e que só poderia ser conseguido no seio de um Governo americano irresponsável, que era mergulhar o mundo em sucessivas guerras em nome do interesse da indústria bélica norte-americana. Mas há analistas que admitem que a sua intenção era, ou era também, provocar uma espécie de "armagedão" para cumprir uma tresloucada missão bíblica devido ao seu radicalismo religioso.

Agora, a grande questão é perceber que mundo teremos neste pós-Bolton? Para já, é razoável aceitar, como o sublinham vários analistas especializados na diplomacia norte-americana, que eventuais focos de guerra, do Médio Oriente à Península Coreana, têm menos espaço para eclodir.

A CNN, por exemplo, que Trump tem como o grande fazedor de "fakenews" contra ele em todo o mundo, nota que este momento contém um potencial gigante de transição de políticas a serem desenhadas para permitir que o Presidente assuma o papel que mais gosta: subir a palcos com holofotes potentes sobre ele, como sejam, assinar a paz definitiva com Kim Jong Un, na Coreia do Norte, e resolver o problema com o Irão, acentuando a aproximação que tem mostrado poder ser exequível com Hassan Rohani, o moderadíssimo Presidente iraniano. Isso poderia deitar por terra as relações com os mais próximos aliados no Médio Oriente, Israel e a Arábia Saudita, mas...

Se Donald Trump escolher esse caminho, em pouco tempo passará, pensa ele "estrategicamente", do homem visto como um imbecil para um fazedor de paz sólida onde outros, como Barack Obama, apenas conseguiram um esboço disso mesmo.

E mesmo nas questões do ambiente, no combate contra as alterações climáticas, com este afastamento de Bolton, um universo de possibilidades pode ser aberto, apenas porque o obviamente narcísico Trump gosta de ser adorado por todos e hoje apenas uma parte estreita do mundo o vê com bons olhos.

Isto tudo, quanto mais não seja, porque o resultado das suas políticas, quando falta pouco mais de ano e meio para as eleições nos EUA, são tudo menos bons.

Internamente, os últimos dados da economia apontam para uma desaceleração do crescimento, um aumento do desemprego e um descontentamento crescente de uma boas parte da sua base de apoio tradicional, rural, devido ao impacto da guerra comercial com a China nas exportações agrícolas. Essa guerra comercial com a China é a mesma que está por detrás do abrandamento da economia global que, por exemplo, tem feito o petróleo estagnar, com evidentes consequências nefastas para países como Angola.

Externamente, não há dados que sustentem que a Coreia do Norte tenha hoje menor arsenal nuclear que aquele que tinha quando Trump chegou à Casa Branca, em 2016; o Irão em nada mudou a sua realidade, embora tenha sofrido um agressivo impacto das sanções reimpostas após a saída dos EUA do acordo nuclear assinado em 2015 por um conjunto de potências mundiais, incluindo Washington.

E no campo do clima, alguns media norte-americanos já relataram preocupações na Casa Branca com a sucessão de furacões e fogos florestais mais devastadores que nunca, que levam a uma crescente impossibilidade de negação do aquecimento global... que é o que Trump tem feito at+e aqui.

No topo da lista destas razões para um repensar da sua estratégia política, estão as mais recentes sondagens que mostram claramente um aumento do descontentamento com o actual Presidente, a última das quais mostra que apenas 39% dos eleitores que o levaram ao poder permanecem ao seu lado, o que indicia que pode estar de saída e ser um dos poucos Presidentes que não conseguiria a reeleição para um segundo mandato.

E o velho slogan que empunhou durante a campanha, em 2016, "Make America Great Again" - fazer os EUA grandes outra vez - parece estar a perder fulgor e viço, porque, no contexto global, a China não tem parado de se engrandecer, a Rússia nunca esteve melhor posicionada no xadrez mundial como agora, no seu consulado e a importância dos EUA em continentes como África e na Ásia, nunca estiveram tão ameaçados como hoje devido, por exemplo, ao surgimento de alternativas, como as linhas de crédito gigantes de Pequim.

O último episódio, segundo as notícias sobre a saída abrupta de Bolton da Casa Branca, que mostra esta disponibilidade de realinhamento das políticas externas dos EUA, foi a decisão de Trump - inimaginável há alguns meses e contra a opinião de Bolton - de encetar conversações directas com os talibans - radicais religiosos - para colocar um ponto final na guerra do Afeganistão, que já dura há décadas e consome recursos a Washington como nenhuma outra.

Sublinhe-se que este movimento estratégico aparece a escassos dias de mais um aniversário dos ataques às Torres Gémeas - World Tradde Center - em Nova Iorque, em 2001.

Mas pior ainda, ao que tudo indica, foi a oposição encabelada de Bolton contra o projecto de Trump em abrir a porta ao Presidente russo, Vladimir Putin, ao concerto das Nações no âmbito do restrito grupo do G7, que agrega os países mais industrializados e ricos do mundo.

Como pano de fundo para este "corajoso" momento de Trump, ao libertar-se do mais emproado "falcão" da política norte-americana, está uma estratégia que pretende fazer regressar os EUA ao "concerto" das Nações em matérias como o clima, a economia e a paz?, ou é apenas circunstancial, face às fracas sondagens com que o Presidente pate para a fase derradeira do seu mandato?

Nas próximas semanas a resposta a estas questões ficará clara. Para já, o mundo parece não esquecer que está a lidar com Trump, o multimilionário de negócios duvidosos que chegou à Casa Branca devido ao facto de se ter transformado numa estrela de televisão à frente de um talk show.