Este escalar das tensões entre os dois países mais relevantes na pacificação da Região dos Grandes Lagos, a RDC e o Ruanda, foi-se avolumando com a crescente actividade de alguns grupos de guerrilha, que vão do M23, ou Exército Revolucionário do Congo, à FDLR (Forças Democráticas de Libertação do Ruanda), no leste congolês, onde é ainda relevante a presença das ADF (Aliança das Forças Democráticas), com origem no Uganda.

Depois de semanas de repetidos episódios de acusações entre a RDC e o Ruanda, com escaramuças avulsas na linha de demarcação territorial, o Governo de Kinshasa, como forte advertência para o que podem ser os passos seguintes, proibiu, no Sábado, os voos da Rwandair de e para a RDC, o que permite antecipar uma medida retaliatória para as próximas horas por parte de KIgali.

Um porta-voz do Governo de Félix Tshisekedi, Patrick Muyaya, disse sem rodeios que esta aterragem forçada da companhia aérea de bandeira do Ruanda na RDC "é um sério aviso" ao Governo ruandês por causa do seu "envolvimento no conflito do leste congolês", especialmente na província do Kivu Norte.

Kinshasa acusou directamente o Governo de Paul Kagame de estar a apoiar o M23, um dos grupos de guerrilha mais violentos a actuar no leste da RDC, que foi constituído em 2012 por elementos maioritariamente de etnia Tutsi, a minoria ruandesa que foi alvo de um genocídio em 1994 - morreram mais de 800 mil pessoas - às mãos das maioria Hutu.

O M23, que a ONU estima contar com milhares de homens em armas no leste da RDC, tem protagonizado persistentes ataques às unidades das Forças Armadas da RDC (FARDC), cuja acção militar é, quase sempre, apoiada por unidades de combate da MONUSCO, a missão da ONU no país, a maior e mais custosa que as Nações Unidas dispõem em todo o mundo.

Para já, segundo a imprensa congolesa e ruandesa, Kigali nega qualquer envolvimento ou interesse em se imiscuir nos assuntos internos das RDC, mas o seu embaixador em Kinshasa foi chamado de urgência à presença do chefe da diplomacia congolesa para explicar o alegado envolvimento ruandês no apoio aos guerrilheiros do M23.

A par desta medidas que desenham uma crescente tensão entre Kigali e Kinshasa, o Governo congolês denominou oficialmente o M23 como grupo terrorista e retirou o seu nome do processo negocial que há anos envolve os grupos armados no leste congolês e o Governo de Kinshasa para que, através do diálogo, seja encontrada uma forma de pacificar a região.

Uma das acusações apresentadas pelo M23, e que justifica a sua crescente actividade bélica, é que o Governo da RDC não está a cumprir o acordado para a desmobilização dos homens do Movimento 23 de Março.

Estes ataques cada vez mais intensos, onde se incluem ataques a aldeias, estão a provocar a fuga de milhares de pessoas na região de Goma, província do Kivu Norte.

Esta fuga de populações é apenas mais uma situação da já violenta situação que as três províncias do leste/nordeste do Congo, Ituri e Kivu, Norte e Sul, vivem há décadas.

Esta região, que faz fronteira com países como o Ruanda e o Uganda, sofre especialmente devido a três grupos rebeldes (ver links em baixo, nesta página), além do M23, as ADF (Aliança das Forças Democráticas), com origem no Uganda e, recentemente, tomadas pelo interior por forças ligadas ao estado islâmico e ao jihadismo do sahel e do Corno de África, e das Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR).

Segundo relatos de jornalistas no terreno, as populações locais têm estado a organizar-se de forma a pedir ao Presidente congolês, Félix Tshisekedi, para que procure todo o apoio internacional que permita acabar com a permanente instabilidade e a violência no leste da RDC, expulsando todos os grupos de guerrilhas e milícias armadas.

Um novo foco de conflito nas traseiras de Angola?

Este conflito latente, com fortes hipóteses de crescer em perigosidade e desestabilização da já por si complexa região dos Grandes Lagos, é mais uma possível dor de cabeça para o Presidente angolano, João Lourenço, que tem estado a fazer um esforço gigante para criar condições para pacificar a região.

Enquanto presidente da CIRGL (Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos), João Lourenço - ver links em baixo nesta página - já abriu várias frentes enquanto "pacificador maior", como acaba de ser cognominado pela União Africana, desde a República Centro-Africana, com várias Cimeiras em Luanda, até ao Memorando de Entendimento de Luanda que envolveu e sossegou o Ruanda e o Uganda. (na foto, João Lourenço com os homólogos do Ruanda e da RDC, à direita, e do Uganda, à esquerda)

Agora, esta nova frente de tensão entre a RDC e o Ruanda é mais uma dor de cabeça para o Presidente angolano, que está a escassos meses de eleições gerais e pode não ter a disponibilidade que este escaldante assunto exige do novo "Campeão para a Paz e Reconciliação de África", cujo baptismo teve lugar no Sábado, em Malabo, numa Cimeira de Chefes de Estado de Governo da União Africana para debater temas como os golpes de estado e a luta contra o terrorismo no continente.