Durante o seu exílio em Portugal, onde nós, filhos da sua mana mais velha Maria João, estudávamos, o nosso tio esteve muito presente na nossa educação e orientação na sociedade.
Ele dizia-nos sempre que o nosso País era Angola e quando nos perguntassem de onde éramos, porque efectivamente a nossa tez morena, fisionomia mestiça, cabelos crespos, contrastavam no meio das outras crianças, deveríamos dizer que éramos angolanos, naturais de Angola.
E contava-nos orgulhoso que, num dos interrogatórios da PIDE, ousou dizer que era angolano, perante a insistência do agente que o interrogava.
Naqueles anos 60 do século passado, em pleno regime fascista em Portugal, o Padre Nascimento argumentou que, se dissesse que era minhoto ou alentejano, não duvidariam que era português e por que razão a indignação alheia se Angola era considerada pelo regime português uma província portuguesa, qual a perplexidade?
Esta resposta cheia de sentido e de habilidade política nunca nos saiu da mente, despertando-nos outras luzes sobre a nossa identidade.
Muitos outros foram os seus testemunhos nas cartas que nos enviava, livros e postais a falar da nossa família, nosso pai, nossa mãe e as manas mais novas que viviam em Caculo Cabaça, nas lindas colinas dos cafezais.
Lembro-me, também, dos passeios com ele, dava-nos a mão, como a reafirmar a sua protecção, a passear pelas ruas da cidade do Porto de boné, de batina negra e com uma postura altiva que suscitava a admiração dos transeuntes que se viravam para admirar a sua figura imponente e altiva.
Era como que nos sentíssemos protegidos por um gigante, um homem sem medo.
Crescemos, e cada um de nós seguiu o seu destino, mas a presença do Cardeal Nascimento foi sempre forte nas nossas trajectórias.
Apesar de sabermos que a Igreja era a sua prioridade, a sua missão de vida, sempre tempo tinha e tem para saber de uns e de outros e de todos e se preocupar com todos.
Teve muitos sonhos que partilhou connosco sobre a perenidade da sua obra e a transmissão dos seus valores na consistência da sua família, pedindo-nos, durante os momentos de maior recolhimento familiar, que o exemplo de sua mãe, avó Mariana, não fosse esquecido nunca.
A nossa avó materna é tema de muitos poemas do nosso tio, nas suas obras literárias sempre exaltou a sua mãe, pela simplicidade, inteligência, humildade e habilidade em fazer pontes e abrir caminhos.
O nosso tio contava-nos muitas peripécias da sua vida, da presença inseparável da sua mãe nos seus feitos, dos pequenos gestos que lhe ficaram na memória, e hoje sentimos que são de um grande significado, o misterioso e sacrificado e magnânima amor de mãe.
D. Alexandre do Nascimento gostaria de deixar uma Fundação com o seu nome, para apoiar a formação das crianças e adolescentes menos favorecidos, encurtar as vulnerabilidades sociais, proteger os pobres e promover valores.
Será, talvez, o maior tributo que lhe poderemos prestar, erguer uma obra que, embora não represente a grande dimensão da sua figura, do seu potencial humano e grande dimensão espiritual e humana, se erga como uma presença viva, nas suas obras e na sua mão solidária para os que mais sofrem e precisam de ajuda para nunca deixar de acreditar e de sonhar.
Em nossas mãos, fica essa missão, que seria uma singela recompensa pelo grande contributo de toda a sua vida
por Angola e pelos angolanos.
Uma vida na acção missionária de expansão do evangelho, de promoção da paz, da equidade, da justiça social e do amor entre os filhos de Angola.
Parabéns, D. Alexandre Cardeal do Nascimento!
Recordo a profunda mensagem espiritual que escreveu na sua última obra, "O Meu Diário e Recordo":
"Esta púrpura que me envolve cobre do seu esplendor romano Angola, toda Angola".
Trata-se de um reconhecimento do trabalho missionário levado a cabo no passado, a tomada em devida conta dos esforços no presente e estímulo para mais e melhor, no futuro da nossa Igreja.
Estas duas palavras simbolizam o sentido da sua santa vida, consagrada ao bem fazer.

*Presidente da Assembleia Nacional e sobrinha do Cardeal