Vem isto a propósito da evolução da despesa pública angolana, ao longo dos anos, vem perdendo poder de compra, se convertida em dólares americanos. Vale ressaltar antes que a despesa pública é considerada em termos genéricos como um factor importante para a promoção do crescimento económico e do bem-estar social. Um nível reduzido de despesa público significa que serão necessárias menos receitas públicas, para obter o equilíbrio das contas públicas, o que significa também menos impostos, e uma maior contribuição para estimular o crescimento económico e o emprego. São vários os autores que sugerem que o aumento de despesa com a educação e ensino, nas infra-estruturas, na investigação científica e inovação, concorrem para impulsionar o crescimento económico, por razões conhecidas e já abordadas em reflexões anteriores. Decorre na Assembleia da República (AR) o processo de aprovação do Orçamento Geral do Estado (OGE) para o exercício 2024, tendo o Governo já feito as suas escolhas de políticas públicas, sendo, por conseguinte, uma excelente oportunidade para tecer algumas considerações sobre a evolução e estrutura da despesa pública angolana, analisando as escolhas públicas feitas, se concorreram para manter o nível de consumo ou se, nos obrigam a encolher a barriga, como sugeriu o nosso chefe há alguns anos.
A propósito de persistência de maus exemplos no que a despesa pública angolana diz respeito, veio um ex estudante, da turma de 2012, que já não reconheci, do curso de economia, interpelar-me, lembrando-me do que lhes dissera sobre os subsídios aos combustíveis, inscritos no OGE. Afirmara na altura que, aquele era o momento ideal para o Governo corrigir uma deformação estrutural na despesa pública, que seria, iniciar a remoção progressiva dos subsídios aos combustíveis, transportes, etc., pois na minha óptica, degradam demasiadamente a qualidade da despesa pública, pois naquela altura havia folga, o preço de petróleo estava alto no mercado internacional (acima dos $95,00) e o nível de produção igualmente alto, em volta dos 1,8 milhões de barris por dia. Dizia mais, se não o fizesse naquela altura, chegaria o dia, em que seria obrigado a fazê-lo em circunstâncias e condições muito difíceis, usei a metáfora, "não se vai retirar o subsídio, numa altura em que estivesse com a corda ao pescoço". Me parece que este momento chegou ou está muito próximo.
Tenho repetidamente referido que o Estado é também um agente económico, que através da sua actividade, impulsiona o funcionamento da economia. Através da despesa pública, o sector público administrativo cria infra-estruturas económicas, potencia o capital humano, incentiva o crescimento económico, promove uma melhor repartição do rendimento nacional, anima a criação de emprego, etc. O mesmo é dizer que, influencia o movimento nas principais variáveis macroeconómicas, tais como: o investimento bruto, o emprego e o consumo privado, etc. Pode-se então definir despesa pública, como sendo o gasto ou o dispêndio de bens por parte dos agentes públicos para criarem ou adquirirem bens ou prestarem serviços susceptíveis de satisfazer as necessidades públicas; elas concretizam o próprio fim da actividade financeira do Estado, que é a satisfação de necessidades colectivas. Note-se, porém, que as despesas públicas podem, também, constituírem-se em factor desestabilizador da estabilidade da economia. Desta feita, pese o poder de império que o Estado possui, não deve gastar mais do que recebe, de modo que evite incorrer em dívida pública, que geralmente desemboca na emissão de moeda, aumento de impostos, ou o desbaratamento do seu património.
Vejamos agora como foi a evolução e estrutura da despesa pública angolana no período entre 2018 a 2023 e as projecções para o ano de 2024, por serem os orçamentos para os quais o actual Executivo deve ser julgado, focando-nos na forma como o dinheiro foi alocado por algumas rúbricas, que consideramos vitais, tal como referi inicialmente, como sendo os impulsionadores do crescimento económico, consequentemente, do bem-estar colectivo, correlaciona-os com o que foi gasto com os subsídios e órgãos de defesa e segurança. Através do gráfico de barras vê-se bem a abismal desproporção, inicialmente, entre os sectores sociais (saúde e educação) e nos anos mais recentes entre todos outros destinos e a amortização e serviço da dívida pública
A situação vista apenas pelos números que nos são proporcionadas pelas contas nacionais, nomeadamente o próprio relatório de fundamentação do OGE 2024, não deixam margem para dúvidas. A despesa pública tal como está estruturada não pode, efectivamente, proporcionar oportunidades de reprodução da economia. Em primeiro lugar, para confirmar a minha analogia da degradação anual do poder de compra da despesa pública, ou seja, da incapacidade de OGE manter o nível da despesa do ano anterior, só descortinável convertendo os valores expressos em Kwanzas em dólares americanos, verificamos que de 2018 a 2024, a despesa decresceu em média 10% ao ano. O único ano em verifica-se uma variação positiva foi no ano 2022 de aproximadamente 43%, explicada pela apreciação da moeda nacional, por um lado, por outro, talvez por ter sido ano de eleições gerais, tendo havido, provavelmente, despesas eleitoralistas, onerando ainda mais a dívida pública.
Observando os números, o maior problema são as despesas patrimoniais, ou seja, a amortização e o serviço da dívida pública, que, em média, no período analisado absorve 53,2% do total da despesa pública inscrita no OGE, o que é, de facto, demolidor. A desproporção inicial na alocação entre a porção do valor alocado aos órgãos de defesa e segurança e o sector social (educação e saúde), que ainda existe, vem sendo abafada pela dívida pública. Por isso é que se diz que a dívida é uma maldição! Se, se incorre em dívida para aumentar despesas que proporcionem oportunidades de reprodução da economia, tais como a expansão e modernização de infra-estruturas produtivas, vias de comunicação, construção de novas escolas e, essencialmente, na produção e disseminação de conhecimento, o resultado seria, certamente, diferente. O endividamento angolano foi para a reconstrução de infra-estruturas, algumas bem gizadas, por exemplo, as centrais hidroelétricas (Lauca, Capanda e Cambambe), outras nem por isso, muitas foram obras descartáveis, como é o caso das estradas, muitas das quais precisam de profundas obras de restauração.
Comparando os rácios da porção da despesa alocada para o sector da educação, entre alguns dos seus pares da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), verifica-se que Angola (7,3% média de 7 anos) está abaixo dos seus congéneres. Em média, a África do Sul aloca 22% da despesa total para a educação (ensino geral e superior), Moçambique aloca 16% da despesa total para a educação, a Namíbia cifre-se em 24,5%, as Ilhas Maurícias ficam-se por 11,25%, a República Democrática do Congo (RDC) em 18,5%. Insisto muito com a educação, porque, parto do pressuposto de que, é a instrução que altera o destino das pessoas, faz cidadãos conscientes, capazes de fazerem contribuições positivas para si e para a sociedade. Conforme foi referido neste texto, há evidências teóricas e práticas que atestam que investimento na educação, infra-estruturas, produção de conhecimento científico, concorrem para acelerar o crescimento económico, consequentemente, o bem-estar social.
A fraca efectividade da despesa pública no país é visível, até na face dos transeuntes em todas as geografias que se visita, a degradação das vias e as viaturas que nela circulam, mostra que os efeitos económicos da despesa não se fazem sentir. A pergunta que se faz, como é que se altera o actual quadro, em que o endividamento absorve a maior fatia das receitas fiscais? Será que bastará parar-se de comer bacalhau, beber o bom vinho francês, e/ou, o whisky escocês para redireccionar a despesa pública? Ou ainda esquecer-se de comprar os Lexus, Land Cruiser e Mercedes? Muitos pensam que a boa gestão das finanças se resume em obter rendimentos chorudos. Não é verdade! A própria experiência angolana, mostra que não é bem assim. Entre os anos de 2003 a 2013, estima-se que as receitas petrolíferas renderam mais de 550 mil milhões de dólares. Mas aqui estamos, o país está endividado, a ponto de 53,4% da despesa direccionar-se aos compromissos com a amortização e serviço da dívida pública. Destarte, a minha resposta à pergunta é, sim, possível reverter o quadro actual de afogo financeiro! Como? Renegociando os prazos de maturidade da dívida, reestruturar com coragem o aparelho administrativo do Estado, eliminar os subsídios, redimensionar o sector empresarial público, direccionar a despesa para os sectores reprodutivos da economia. Concessionar infra-estruturas críticas ao sector privado, tais como Caminhos de Ferro, Portos e aeroportos, muitos são autênticos entulhos de dinheiros públicos. Não restam dúvidas que a actual tendência da estrutura da despesa pública é insustentável, a continuar vai reverter totalmente o estilo de vida de todos, pois vai interferir na paz social.
*Economista e professor universitário