Didier Drogba, da Costa do Marfim, e Samuel Eto"o, dos Camarões, dois futebolistas mundiais, aproveitaram, e bem, a sua grande visibilidade mediática para, com todas as letras e sem titubear, chamar de racista à dupla de investigadores franceses que pretendiam fazer em África os testes de uma vacina desconhecida e de segurança duvidosa.

Os cientistas em questão, Jean-Paul Mira, do Cochin Hospital, em Paris, e Camille Lacht, do Instituto francês de Saúde e de Investigação Médica, anunciaram, num programa de TV, essa estapafúrdia posição, sublinhando que a ideia estaria a ser "seriamente considerada".

"África não é lugar para vocês brincarem" disse, revoltado, Samuel Eto"o, nas redes sociais, dirigindo-se aos dois franceses, enquanto Drogba, nas mesmas plataformas, acusava os franceses de tratarem os africanos como ratos de laboratório.

Drogba enfatizou que "é inadmissível que continuemos a aceitar isso. Denuncio estas declarações racistas. Nos ajudem a salvar vidas em África e a parar a disseminação do vírus (corona) em todo o mundo, em vez de nos considerar ratos de laboratório".

"Isso é absurdo", protestou a referência do futebol marfinense, antes de apelar aos "líderes de África para a sua responsabilidade de proteger as pessoas desse plano terrível".

Rosa Nanaakieme, jurista e destacada activista dos direitos humanos em Espanha, originária da Guiné Equatorial, também usou as redes sociais para desmascarar a pretensão dos tais investigadores franceses, denunciando o posicionamento paradoxal dos media europeus que aludem que os negros são menos contaminados, por razões genéticas, enquanto promove o ensaio de vacinas desconhecidas para os menos atingidos.

Porquê África, se a maioria dos infectados estão na Europa? Pergunta a activista equato-guineense, rejeitando o uso de africanos como cobaias por "desavergonhados".

Para Lise Manzambi, angolana, radicada em França, jornalista da TV online Casarhema, a resposta aos cientistas franceses é um rotundo Não!

Numa vigorosa mensagem de vídeo, que se tornou viral, a angolana diz energicamente "Não! Não somos cobaias", para a seguir questionar: como é que "ninguém pesquisa outras doenças que matam muitos africanos e, de repente, já se fala da vacina da covid-19 para ajudar as populações africanas?" E atira: "Não queremos a vossa vacina. Não somos cobaias dos vossos laboratórios".

Em Lisboa, Solange Salvaterra Pinto, santomense, activista anti-racista, feminista, denunciou que "há muita gente (no ocidente) com raiva, porque os africanos não estão a morrer em massa". E, adiantou, "para essa gente é suposto, quando há desgraças, os pretos e os africanos morrerem em massa".

"Porque é que a dor branca comove mais que a dor preta?" Indagou, indignada, a activista santomense.

Causa perplexidade que a proposta de Jean-Paul Mira e Camille Lacht, que depois de tantos protestos a deixaram cair, surja numa altura em que a Europa já era o continente com mais vítimas da covid-19, ultrapassando os 50 mil mortos, dos quais 85 por cento em Itália, Espanha, França e Reino Unido, enquanto em África as mortes pela doença, provocada pela infecção pelo coronavírus, se situavam abaixo das duas centenas.

E o que fizeram a UA, os políticos e as chancelarias de África? O silêncio foi a resposta unânime.

Será por desvalorizarem o assunto, por desinteresse, desatenção ou porque não queriam incomodar a poderosa França, de onde partiu esse "plano terrível", como lhe chama Drogba?

Na actual pandemia, as medidas que a África vai adoptando para a prevenção e combate ao coronavírus são, muitas vezes, cópias fiéis das de outras paragens, sobretudo da Europa, descurando as condições socioeconómicas, a emergência social em que vivem muitas das suas populações.

Em plena crise de saúde pública mundial, a África parece, como dizia Agostinho Neto, "um corpo inerte, onde cada abutre vem debicar o seu pedaço", enquanto a sua Diáspora vai solidificando o papel de verdadeira Embaixadora do continente.

A União Africana, useira e vezeira em proteger alguns autocratas contra acções de activistas pró-democracia, usando da matriz do seu ADN de "não ingerência" nas decisões internas de cada Estado membro, assobiou para o lado.

No entanto, isso não a impediu de publicar um ralhete, através do seu Centro Africano de Prevenção e Luta contra Doenças (CDC-África), desaconselhando o uso pelos estados membros de cloroquina ou hidroxicloroquina na prevenção e tratamento de infecções pelo novo coronavírus, medicamento usado com sucesso nalguns países africanos, como o Senegal.

Se é verdade que com os fluxos migratórios mundiais era inevitável que o vírus se propagasse por todos os continentes, não é menos verdade que a escolha do continente menos afectado para testar uma eventual vacina contra a doença é suficiente para suscitar desconfiança e suspeição.

Segundo especialistas, a taxa de mortalidade por covid-19 reflecte a estrutura demográfica da população afectada.

Sendo a África o continente com a população mais jovem e a Europa a mais envelhecida de todos e tendo em conta que os dados disponíveis apontam para uma maior taxa de mortalidade por covid-19 entre a população mais envelhecida, não seria de esperar que tais testes começassem pelo continente mais envelhecido?