A inauguração da referida "pinturema" (exposição visual de pintura de poesia) só possível graças ao apoio da Fundação Agostinho Neto e de Irene Neto, filha de Agostinho Neto, e destacaram-se as presenças das embaixadoras da África do Sul, Mmamokwena Gaoretelelwe, e de Timor-Leste junto da CPLP, Marina Ribeiro Alkatiri, bem como a ausência da diplomacia angolana.

A exposição inclui cerca de 50 pinturas da poesia de Neto, nomeadamente das obras "Sagrada Esperança" e "Renúncia Impossível" e poderá ser vista até 30 de Setembro.

Nos trabalhos expostos, Dilia Fraguito Samarth usa várias técnicas, em que se destacam óleo sobre papel, colagem sobre cartão, acrílico e colagem sobre tela, desenho e aguarela sobre papel, poema escrito (caligrafia) sobre papel, desenho sobre radiografia, aguarela sobre papel e desenho a tinta-da-china e dourada sobre papel.

A "pinturema", até agora o projecto de maior dimensão neste ano do centenário de Neto, em Lisboa, está patente no local (antiga cadeia de Aljube) onde Agostinho Neto esteve preso por três vezes, nomeadamente em 1952, 1960 e 1961 e escreveu alguns dos seus mais emblemáticos poemas durante os difíceis anos de cárcere.

Dilia Fraguito Samarth pinta poemas como "A voz igual", "A renúncia impossível", "Na pele do tambor", "Adeus à hora da largada", "Aspiração", "Mbanza Kongo", "Bamako", "O choro de África", "Depressa", "Havemos de voltar", "Luta", "O içar da Bandeira", "Fogo e ritmo", "Desterro", "Noites de cárcere", "Sangrantes e germinantes" e "À reconquista".

Pinta também "Aqui no cárcere", "Civilização ocidental", "Não me peças sorrisos", "Pausa", "Confiança", "Mussunda amigo", "Crueldade", "Quitandeira", "Massacre de S. Tomé", "Contratados", "Sábado nos musseques", "Meia-noite na quitanda", "O comboio africano", "Terras sentidas" e "Consciencialização".

No Museu, visitado anualmente por várias dezenas de milhares de turistas (só no primeiro semestre deste ano foram mais de 25 mil), a exposição "Sagrada Poesia da Esperança" salienta várias facetas de Neto: o poeta, o pedagogo, o pan-africanista, o político-revolucionário, entre outras.

O curador Manuel dos Santos, sociólogo e historiador, salienta a qualidade do trabalho exposto "pela criatividade, pelo corte com convenções do politicamente correcto, pela dimensão didáctica e pedagógica, mas essencialmente pelo arrojo inédito do seu esplendor artístico que nos permite viajar duplamente na arte poética de Agostinho Neto".

Enaltecendo a resistência de Neto, Manuel dos Santos sublinha que as condições particularmente duras do Aljube "não roubaram a sagrada esperança" de Neto, que manteve sempre uma "postura de renúncia impossível".

Nesta "pinturema", o visitante aprecia também a ressignificação dada pela artista à obra poética de Neto e percebe ainda que a utopia e os afectos unem os dois artistas: Neto e Dilia.
Utopia presente na obra da sempre revolucionária Dilia e na poesia de Agostinho Neto, como ilustra um dos seus mais belos poemas, "CRIAR", onde se destaca: "...Criar/ criar/
criar liberdade nas estradas escravas/

algemas de amor nos caminhos paganizados do amor/sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forças simuladas/criar/criar amor com os olhos secos."

Dilia Fraguito Samarth, natural de Ndalatando, começa a entender, ainda criança, a partir do seu lugar de nascimento, o significado da infinita variedade de formas, cores, cheiros e sons da história do homem e de outros seres que povoam a terra.

Mas é em Portugal onde frequentou o curso de biologia na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e concluiu o curso superior de Serviço Social na mesma instituição, antes de se licenciar em Desenho e Gravura pela Escola Superior das Belas Artes da cidade invicta, que desponta para Mundo sem desviar o olhar do seu Kilombo, da sua Pátria.
Assim, do Porto, onde a artista foi docente na Escola Superior de Artes, vira-se para o mundo, participando como oradora na divulgação do seu trabalho de investigação em diversas palestras em Portugal, Espanha, Cazaquistão, Federação Russa, Grã Canária, Índia e Angola.

As suas obras fazem parte de colecções particulares e oficiais em Portugal, Angola, Índia, Brasil, Mali, Senegal, Moçambique, Martinica, Noruega, França, Estados Unidos da América, Alemanha, Cabo Verde, Cazaquistão, Museu da Assembleia da República de Portugal e África do Sul (Artists for Human Rights, Colecção Nelson Mandela, Durban, 1999).

O percurso de vida e currículo artístico de Dilia Fraguito Samarth, que nesta "pinturema" partilha com o grande público um trabalho iniciado há mais de 25 anos, fazem dela uma referência das artes plásticas angolanas.
"A poesia de Neto e a exposição são bem reveladoras de como, mesmo em contextos muito duros de tortura e repressão, a poesia salva sempre", escreve, na brochura da exposição, a directora do Museu, Rita Rato.

Mas, a poesia é insuficiente para salvar da pequenez os que, em instituições nacionais como a Embaixada de Angola em Portugal, ignoraram as solicitações dos organizadores da exposição, manifestadas ainda durante a elaboração do projecto.

Onde a embaixadora sul-africana viu em Neto um combatente pela libertação do continente, a Embaixada de Angola deve ter visto um individuo insignificante sem perfil para figurar nas agendas das suas faustosas vidas diplomáticas.

Quando a embaixadora de carreira Marina Alkatiri vê um intrépido combatente contra o colonialismo português, os diplomatas do País pelo qual Neto lutou só encontram um "ninguém", sem qualquer interesse histórico que justifique algum tipo de homenagem.

O que os doutos diplomatas angolanos não percebem é que com esse comportamento perderam uma oportunidade de conhecer um pouco mais sobre Agostinho Neto, sobre a arte angolana e, consequentemente, compreender melhor a História e Cultura do País que dizem representar.
Perdem também a oportunidade de entender que nas três vezes em que Neto esteve preso naquele lugar foi também para que eles hoje se engalanassem em fatos caros e frequentassem os corredores da diplomacia internacional, em nome de um País livre.

Essa atitude cínica, mas nada surpreendente de diplomatas, está em consonância com decisões de políticos que no País permitem que se use o nome de Neto, o seu centenário, para privatizar praças e largos, impedindo, desta forma, que outros angolanos usufruam de espaços públicos.
Políticos que usam o centenário de Neto para promover a profanação desses espaços com maratonas etílicas como acontece, por exemplo, com o emblemático Largo da Independência, local em que Neto proclamou a Independência Nacional em "nome do Povo angolano".

Juntando estes exemplos à forma como foi tratado José Eduardo dos Santos (JES), um político que se bateu de forma estóica pela libertação da África Austral, recusando ceder aos vorazes apetites do Apartheid, é fácil perceber como o cinismo faz parte da agenda política actual.
JES, em quatro anos, entre a doença e a morte, passou de homem que "deixou os cofres (do Estado) vazios" e que, por isso, viu a sua imagem ser retirada da moeda nacional, o Kwanza, a grande político que deixa "um grande legado" que deve ser preservado.

A ingratidão, cinismo e hipocrisia de políticos e diplomatas angolanos parece atingir níveis patológicos. Os mesmos políticos que promovem programas de campanha eleitoral onde afirmam que a" luta de libertação nacional destruiu o País.

O que se seguirá? Só falta a esses políticos e diplomatas que, certamente, não passarão de nota de rodapé na História do País, pedir desculpas aos antigos colonizadores, pela luta de libertação de Neto, JES, Deolinda Rodrigues e tantos homens e tantas mulheres que se bateram e pagaram com sangue a Independência do País.