Crispação que deixa profundas marcas, num País onde a desconfiança política é total e o Poder mostra dificuldades em se reconciliar com os vivos, preferindo os mortos com os quais se relaciona de forma hipócrita, como se viu com a morte do Presidente José Eduardo dos Santos.

O extremar de posições dos dois lados da barricada permite antever uma reconciliação nacional mais dificultada por políticos que, centrados na sua sobrevivência a qualquer preço, nada mais conseguem oferecer ao País, confirmando, desta forma, o esgotamento do regime.
Independentemente dos resultados, no pós-eleitoral, o País precisará de apanhar os cacos das pontes destruídas pela campanha política, um processo iniciado quando a oposição mudou de liderança e decidiu se unir numa Frente para "resgatar" o Estado.

Num País de elevada literacia política, o debate entre os competidores, importante para o esclarecimento do eleitor, ajudaria a uma escolha informada e forçaria os concorrentes a introduzir nas suas falas temas sobre o quotidiano dos cidadãos.

Assim, apesar de serem as mais disputadas eleições da curta História Política de Angola, a campanha foi pobre com a caça ao voto longe de cumprir o seu objectivo: o esclarecimento do eleitorado sobre os projectos das candidaturas.

Os discursos do Poder centraram-se na já habitual estratégia de diabolização e desangolanização do adversário, bem como na demonstração da sua grande capacidade de mobilização popular para os comícios, usando os meios e a sua condição de Partido-Estado.

Nestas eleições, apesar da tradicional presença de "partidos de ocasião", na expressão do jornalista Mário Paiva, criados como reforços do ataque à oposição, o Poder disparou em todas as direcções, aumentando os alvos que vão da família do Presidente Dos Santos à sociedade civil, interna e externa.

Os capturados media de capitais públicos, os únicos que cobrem o País todo, surgiram como o outro elemento do trio de ataque, difundindo ódio, dividindo os angolanos e perseguindo de forma ignóbil os que querem mudar o inquilino do palácio das colinas de S. José.
Depois de "malandros" de há cinco anos, a sociedade civil e todos os adversários do Poder instalado, nesta campanha, foram mimoseados com qualificativos como "bocas de aluguer", "bandidos" e "lúmpenes", expressões nada dignificantes em política.

Parafraseando Lula da Silva, em campanha pelo seu regresso à presidência do Brasil, "substituíram a alegria da política, da diversidade e do debate político pelo ódio" fazendo da "eleição uma guerra".
Levada ao colo por um movimento inorgânico, envolvendo diversos sectores da sociedade, que acredita na mudança como caminho para a democratização e o desenvolvimento de Angola, a oposição, capitaneada pela UNITA, elevou demasiado as expectativas, ignorando a realidade e o tipo de regime vigente.

Para a oposição, atacada pelo excesso de triunfalismo, o único resultado plausível é a vitória, porque acredita que os níveis de descontentamento, a miséria que grassa por todo o País, os cerca de 60 por cento de taxa de desemprego entre os jovens, a impopularidade do MPLA e do seu candidato e os sucessivos escândalos de corrupção envolvendo figuras de proa do Poder, são suficientes para desalojar João Lourenço.
Com essa hiperbolizada convicção na vitória, a oposição dá erros de palmatória como revelar em comícios as conversas/negociações "secretas" com o adversário, matando, desta maneira, as fracas hipóteses de diálogo directo entre as partes.

Com uma bipolarização de facto, nesta campanha, o voto útil esteve em destaque e foi defendido publicamente a favor da UNITA por Marcolino Moco, antigo primeiro-ministro e ex-secretário-geral do MPLA, e por filhos do então presidente emérito do mesmo partido. Por outro lado, um dos descendentes de Jonas Savimbi posicionou-se a favor do MPLA.

Num País onde pelo menos três milhões de crianças estão fora do sistema de ensino, na campanha não se ouviu uma palavra sobre como resolver urgentemente um problema que aprofunda as desigualdades e a exclusão.

Um gravíssimo problema que já se tornou num passaporte para o ingresso de crianças e jovens ao submundo do crime, como se pode constatar nas ruas da capital onde crianças em idade escolar se dedicam a pequena, média e, até, grande criminalidade.
Neste País, o próximo Governo só pode ter a educação como a prioridade das prioridades, redistribuindo melhor a riqueza e, sem populismos, diminuindo as regalias e privilégios da classe política para que nenhuma criança fique sem escola.
Deverá investir na Educação também como forma de investir na segurança, no desenvolvimento, colocar os interesses das populações acima da ambição dos políticos e fazer do sector lugar de transparência com a aplicação de um apertado regime de incompatibilidades para impedir que o sector volte a ser tutelado pelo lobby dos estabelecimentos de ensino privados.
Num País assim, esperava-se que a campanha discutisse, com profundidade, as incompatibilidades e a necessidade de um regime de exclusividade para políticos, sobretudo governantes e a proibição de estes acumularem a gestão pública com a privada ou de transitarem do público para áreas privadas que tenham estado sob sua tutela.
Onde as desigualdades estão no centro do seu atraso, onde uma parte considerável da população - 44 por cento - vive abaixo do limiar da pobreza, excluída das riquezas do País, ignorar esses problemas significa hipotecar o futuro do Estado para atender à mesquinhez de políticos oportunistas e egoístas.
No País em que as desigualdades de género configuram um apartheid social, a discussão não pode ser a quantidade, quando falta transparência à volta das candidaturas e quando a única preocupação é o número de mulheres para melhor subjugação, confundindo, assim, igualdade de género com quantidade de género, sem atender à liberdade de género.
Aqui onde as desigualdades políticas económicas e sociais são gritantes, os discursos passaram ao lado das melhores formas para combater as assimetrias regionais, para a desluandização de um País com uma superfície muito acima dos mil metros quadrados.
No País onde a corrupção tem origem no desvio dos recursos financeiros do Estado, com epicentro no Orçamento Geral do Estado, os candidatos fugiram da divulgação dos seus rendimentos e património como o diabo foge da cruz, aumentando ainda mais o descrédito na classe política, sobretudo da que se apresenta como o arauto do combate à corrupção.
Neste País onde chegar ao Executivo ou estar ligado ao Poder é pré-requisito para o enriquecimento ilícito, esconder as declarações de rendimento e de património dos políticos gera todo o tipo de suspeições à volta dos bens e empreendimentos empresariais da classe política, onde se localiza o antro da corrupção.
Incluindo a corrupção política que abarca o suborno de adversários e aliados circunstanciais. Por isso, a lisura e transparência governativa na gestão pública como o primeiro passo para esse combate, devia ser um slogan da campanha.
Para combater a corrupção e em defesa da ética republicana, os mais altos cargos do País devem estar vedados a homens de negócios que têm como missão produzir riqueza e a obtenção do lucro.
No País de nações, de diversidade linguístico-cultural, a cultura, como traço essencial dos povos, ficou de fora do centro dos discursos da campanha eleitoral.
Que cultura projecta um País onde as línguas nacionais não têm lugar de destaque, vivem em semiclandestinidade e, algumas, em risco de extinção, sob o olhar silencioso dos decisores políticos?
Neste quesito, espera-se que a educação e a comunicação social assumam a responsabilidade de contrariar o preconceito segundo o qual o País é Luanda e o resto é paisagem.
Depois da recente aliança ao ocidental apartheid de viagens contra os povos da África Austral, que levou o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, a acusar o País de se comportar "como os antigos colonizadores", foi estranho ver afastado da campanha o debate sobre o lugar de Angola na região e no continente.
Neste País, em nome do Poder, devem ser intoleráveis silêncios coniventes com alianças com apartheids, independentemente dos seus promotores e natureza.