O "Ndoloto Strangula" destacou-se também na formação de enfermeiros, na construção de um hospital com 140 camas e na criação de 43 centros médicos nalgumas aldeias da região. Além do trabalho na Saúde, o casal Strangway fez um valiosíssimo trabalho na educação, investigação e de cariz humanitário. O seu empenho, dedicação, simpatia, humildade e altruísmo eram reconhecidos por todos. A decisão do Executivo em honrar a figura de Walter Strangway com o nome no hospital do Cuito, além de ser acertada, é bastante nobre. É um justo reconhecimento ao homem que deixou o conforto do seu país, Canadá, para adoptar Angola como a sua segunda Pátria, onde aplicou todo o conhecimento e saber adquiridos, onde viu nascer os filhos e onde, perante dificuldades e adversidades, educou e curou as suas gentes, tendo, também, gerado muitos empregos e sustento para várias famílias. Fez de Angola a sua Pátria amada e das suas gentes a sua maior paixão. Como escreveu o historiador Córnelio Caley: "As boas causas dedicadas aos povos não conhecem fronteiras". Missionários como o casal Strangway contribuíram muito para a melhoria da rede sanitária e qualidade do ensino em Angola. Para além dos valores éticos e morais que incutiram às populações, dar o nome a um hospital central era o mínimo que se podia fazer face ao relevante trabalho e legado que Strangway deixou (soube que há uns anos os locais queriam que a localidade de Catabola tivesse o seu nome).

Ainda que, por razões de "justiça histórica", reconhecimento de um feito inédito e relevante, também por razões afectivas e sentimentais, a decisão de João Lourenço trouxe-nos uma figura (e feitos) que era desconhecida de muitos, lançou o debate sobre a necessidade de se divulgar e estudar mais o nobre trabalho que os missionários americanos, canadianos, ingleses e de outras nacionalidades fizeram no País. Também, e pelo lado negativo, a decisão de João Lourenço veio revelar, igualmente, um estranho, descontextualizado e ridículo "ultranacionalismo", que, pelos meios virtuais, tentava "reprovar", sem argumentos, a atribuição de nomes de cidadãos estrangeiros a instituições como escolas, universidades, hospitais, ruas e localidades. Obviamente uma visão radical e ainda muito periférica de um mundo cada vez "global" e com novas dinâmicas de pensamento e actuação.

Existem em Portugal várias ruas com o nome de Agostinho Neto, há também uma rua com nome de Neto na Holanda e avenidas com o seu nome no Zimbabwe e na Namíbia. O Aeroporto Internacional de Ponta Negra, na República do Congo, tem o nome de Agostinho Neto. É assim com o maior hospital público de Cabo Verde. Temos o nome de Mário Pinto de Andrade, de Óscar Ribas em ruas de Portugal, só para citar casos. Então, se temos os nomes dos "nossos" em vários países como reconhecimento dos seus feitos, das suas figuras, das suas dimensões cultural e humana, qual é o problema em reconhecer que cidadãos estrangeiros também ajudaram a fazer nascer e crescer a nossa Angola?

Espero que o exemplo com o caso do Dr. Walter Strangway venha despertar a necessidade de se fazer a "justiça histórica" com a memória de pessoas que muito fizeram para o desenvolvimento económico, social, cultural, ético e humano da nossa Angola. Cito aqui também um nome: Manuel Carvalho Brito de Vinhas, o dono e fundador da Central União das Cervejas de Angola (CUCA) , tinha explorações agró-pecuárias no Sul de Angola, investimentos na banca, na indústria vidreira, nos transportes, no imobiliário e na comunicação social. O empresário e mecenas português investia na criação de infra-estruturas e modelos de produção locais que acreditava ser o caminho para a autodeterminação de que era defensor e de uma visão que já tinha sobre o mundo, soube que Manuel Vinhas, a dada altura, terá pedido para ser enterrado em Angola (morreu no dia 25 de Julho de 1977, no Brasil, e está enterrado no Cemitério dos Prazeres, em Portugal).

Como escreveu Fernando Pereira "Karipande", em Fevereiro de 2009 no Novo Jornal: "Manuel Vinhas não foi só o fundador da CUCA, foi provavelmente o primeiro a perceber que os trabalhadores mereciam ordenados compatíveis com as suas necessidades básicas, a criar condições para que tivessem acesso à cultura e desporto e que não fossem apenas números..." As redes sociais estão a criar certas sociedades de revoltados e nacionalismos bacocos. Está a criar cidadãos agridoces que gostam de ser vítimas e agressores ao mesmo tempo. Estamos a ser tomados por um "umbiguismo" que não nos acrescenta valor algum, um narcisismo que provoca uma insatisfação conveniente. Criam a ideia de que somos sempre vítimas de alguém ou de qualquer coisa, e que de fora ou dos outros nunca vem nada de bom.

Este complexo de ver sempre naquele que vem de fora o colonizador, o dominador, o causador de todos os males, e no que está dentro o colonizado, o subjugado, o prejudicado pela presença "alheia e exterior" é algo que não nos ajuda a desenvolver, a evoluir e a ver novos mundos. É um complexo que ainda nos estrangula.