Esta libertação de todas as grilhetas ao continente africano para usar as suas importantes reservas de gás natural deve suceder, apontou ainda a também antiga Presidente irlandesa, mesmo face à urgente redução das emissões de gases com efeito de estufa que têm nos hidrocarbonetos a sua principal fonte emissora..

Esta posição foi assumida por Robinson, que passou ainda pelo cargo de Alto-Comissário da ONU para os Direitos Humanos e é actualmente líder do grupo denominado Elders- Anciãos, composto por antigos estadistas e lideres do universo empresarial, em entrevista ao jornal britânico The Guardian, sob o argumento de que os países africanos têm uma "necessidade tão avassaladora de energia que deviam estar libertos dos limites impostos internacionalmente face ao urgente processo de transição energética".

Mas, ao contrário de África, Mary Robinson entende que os países mais desenvolvidos devem conter de forma radical o uso deste tipo de energia porque disso depende a eficácia da redução da emissão de gases poluentes que estão a destruir o Planeta Terra.

"África está a tentar fazer-se ouvir sobre a necessidade de uso equitativo e justo de energia, o que, naturalmente, implica o uso de gás natural numa fase de transição justa", apontou.

Como pano de fundo para esta tomada de posição, a antiga Presidente da Irlanda nota que há em África mais de 600 milhões de pessoas sem acesso à electricidade e 900 milhões usam obsoletos fogões a lenha que facilmente podem ser substituídos por fogões à gás, que são uma alternativa menos poluente e mais amiga do ambiente porque impediria a destruição de milhões de hectares de floresta todos os anos.

"É fundamental dar a África uma renovada capacidade de caminhar de forma mais rápida e tem de haver, certamente, uma forma mais fácil de reduzir a pobreza energética no continente", enfatizou ainda nesta entrevista ao The Guardian.

Para isso, aconselha Mary Robinson, os lideres africanos deveriam ter preparado um plano para a Conferência do Clima COP27, que terá lugar no Egipto, em Novembro deste ano, onde é urgente, também, considerar uma resposta à histórica vulnerabilidade energética africana, que é um entrave de sempre ao seu desenvolvimento e progresso social.

Uma das criticas feitas recentemente por Robinson, em Bona, Alemanha, em eventos preparatórios da COP27, é que o gás natural africano está quase todo nas mãos de companhias multinacionais que o exploram para enviar para o mundo desenvolvido, onde existe mais capacidade de apostar nas energias verdes alternativas, em vez de o gás ser usado em África, onde essa aposta levará mais tempo a ser concluída, estando centenas de milhões de pessoas obrigadas a queimar madeira para as suas necessidades diárias.

Mas esta antiga funcionária de topo das Nações Unidas não está livre de críticas e ouviu-as pela voz de Thuli Makama, o director do programa africano da Oil Change Internacional, uma organização que visa facilitar o caminho para a transição energética através da explicação do negócio dos combustíveis fósseis, que apontou o facto de que os países africanos não devem ser incentivados a extrair mais hidrocarbonetos porque o mundo precisa de substituir o petróleo e o gás que está impedido, por sanções, de sair da Rússia devido à guerra na Ucrânia.

"África não precisa de desenvolver e explorar as suas reservas de gás para responder às suas necessidades energéticas. É um mito que os combustíveis fósseis são bons para o desenvolvimento", disse ainda Thuli Makama, citado pelo diário britânico.

E ficou ainda claro que existe um sentimento negativo em África sobre o facto de os países desenvolvidos terem extinguido as suas reservas e agora procuram soluções em África porque os preços estão a "voar" e existe um risco sério de défice de oferta em consequência da guerra na Ucrânia e das subsequentes sanções aplicadas a Moscovo.

As reservas conhecidas em África de gás natural ultrapassam os 620 triliões de metros cúbicos, em 2021, de acordo com o site Statista.com.

Deste total, a Nigéria tem 203 triliões de metros3, a Argélia 159, Moçambique 100. Enre os 10 primeiros está ainda Angola, em 6º, com 12 triliões de metros cúbicos, sendo a lista das 10 maiores reservas continentais ainda englobada pelo Egipto (63) e Líbia (53), e ainda pelo Congo, Guiné Equatorial, Camarões e Sudão, estes últimos com valores inferiores a 10 triliões m3.

Apesar destas reservas importantes, embora relativamente escassas quando comparadas com as quatro maiores, a Rússia, com 1,688,228,000 m3, o Irão (1,201,382,000), o Qatar (871,585,000) e os Estados Unidos, como 368,704,000 metros cúbicos, é em África que se consome mais madeira para cozinhar em todo o mundo, sendo esta prática responsável, como é o caso de Angola, pela devastação de milhares de hectares de floresta insubstituível no médio prazo, o que facilita o processo de desertificação galopante a que se assiste em quase todo o lado.

Há, todavia, experiências que demonstram que a facilitação do acesso ao gás nas regiões mais rurais pode ser altamente vantajoso para os países na forma como isso trava o processo de desertificação que está a levar a situações de seca prolongadas jamais vistas e à redução acelerada de áreas agrícolas viáveis.