O Brexit não surpreendeu apenas os europeus, que não esperavam a vitória do sim ao "divórcio". Também apanhou desprevenidos milhares de imigrantes que acreditavam na vitória da permanência.

Entre eles incluem-se os angolanos, muitos dos quais assistem com preocupação aos episódios de racismo e xenofobia contra imigrantes. Os maiores visados têm sido os imigrantes polacos, mas as irrupções criaram um clima de apreensão geral entre as comunidades de estrangeiros.

"Estamos a passar por um período de incertezas e instabilidade por não saber o que poderá acontecer nos próximos anos com a saída do Reino Unido da UE", afirmou Edson Matias ao Novo Jornal. O jovem, de 27 anos, optou por deixar o seu testemunho sob um nome falso. Mas a inquietação que vive é bem real e é partilhada por grande parte dos mais de 25 mil angolanos que residem no Reino Unido, sendo a segunda maior comunidade na Europa, depois de Portugal.

Há quatro anos em Inglaterra, Edson não se lembra de viver um momento tão complicado. "O maior receio é de vir a perder o estatuto para poder viver, tra-

balhar ou estudar no Reino Unido. Há também o receio de ser excluído ou de ser visto como um intruso", esclarece.

Tudo isto desagua num sentimento de grande desconfiança por não saber se os colegas de trabalho ou de estudo o valorizam ou se são daqueles que querem que ele regresse ao seu país.

O jovem, que reside em Cambridge e tem familiares a viver noutra cidade inglesa, escapou até agora à onda anti--imigração. Contudo, sabe de casos de portugueses e angolanos que "foram vítimas de provocações e de abuso verbal na rua ou no trabalho".

"Vão-se embora" é a frase que mais se vê escrita nas paredes ou que mais se ouve nas altercações na rua. "Ingleses em 1º lugar" e "imigrantes fora" são outros impropérios que o Brexit trouxe para a sociedade britânica, tradicionalmente multicultural.

Uma multiculturalidade que é bem visível em Londres, que, por estes dias, tem sido a capital da xenofobia, estimando-se que os crimes xenófobos tenham aumentado na ordem dos 50%, como refere Edson, socorrendo-se de uma estimativa da estação televisiva Sky News. O jovem recorda o episódio protagonizado por um grupo que fez campanha pelo Brexit. Foi celebrar a vitória num restaurante e pediu para ser atendido por um empregado inglês.

À semelhança de outros imigrantes, Edson tem estado atento às notícias que surgem nas televisões e nos jornais, procurando orientar-se no meio da desorientação geral em que mergulhou o Reino Unido e que é bem visível na crise política vivida em Inglaterra. Vários políticos demitiram-se, incluindo o primeiro-ministro, David Cameron, que foi esta quarta-feira substituído por Theresa May, que escolheu para seu ministro dos Negócios Estrangeiros, o antigo mayor (presidente da Câmara) de Londres, Boris Johnson, que foi uma das personalidades que mais se bateu pela saída do Reino Unido da UE.

Como em tudo, há o reverso da medalha. O Brexit também fez emergir os valores de muitos britânicos que têm estado ao lado dos imigrantes, defendendo--os de insultos e de ataques xenófobos, muitas vezes, interpondo-se no meio para defender a integridade física dos estrangeiros. Há quem peça inclusive desculpa pelo comportamento impróprio dos seus compatriotas.

Também, no Parlamento "muitos políticos defenderam os estrangeiros" e disseram que "não há perdão para os crimes de xenofobia ou racismo", sublinhou Edson.

Apesar das petições e pedidos para que haja um segundo referendo, porque este "não defende o interesse do povo, mas sim dos políticos", o jovem angolano acredita que agora não há volta a dar. O Reino Unido vai acabar por sair, "talvez com um acordo especial", para que "possa continuar o comércio com a UE", aceitando "algum nível de imigração". Edson espera que assim seja. Não pensa, para já, na possibilidade de ter de fazer a mala.