Qual é o estado dos profissionais de enfermagem em Angola?

Depende de várias perspectivas. Se olharmos para perspectiva da formação, nós, agora, estamos melhor que antes. Hoje, temos muitas instituições de ensino a formar o profissional de Enfermagem. Eu até digo com um certo "exagero", porque, se formos a olhar para alguns países, como Cuba, por exemplo, deve ter menos de 10 instituições de ensino superior de Enfermagem, mas cá, em Angola, das instituições oficiais reconhecidas pelo Ministério do Ensino Superior Ciência Tecnologia e Inovação, temos um controlo de 23.

Quantos do ensino médio?

Do ensino médio, temos o controlo de 22 oficiais, que agora são designadas de instituto técnico de saúde. Para além destas, há uma série de colégios privados em todo o País.

Quantos?

Não consigo precisar-lhe o número agora, porque surgem diariamente novos colégios. Ainda não temos o controlo dos últimos anos para saber quantos temos hoje.

Será que o País precisa destas instituições todas?

Não. Não precisamos de tantas instituições de ensino em Enfermagem, sobretudo com a qualidade que temos, porque o excesso de instituições baixa a qualidade de ensino. Vão surgindo novas instituições e não há o aumento de unidades sanitárias para o estágio. Muitas vezes, quando vamos a uma unidade sanitária e vemos tanta gente de bata branca, pensamos serem todos médicos e enfermeiros, mas, na sua maioria, são estagiários. Reitero: quando há um excesso de estagiários, também baixa a qualidade dos serviços hospitalares, porque não há um acompanhamento adequado. Há aquelas instituições que chegam a largar os estagiários nas unidades e só vão visitá-los uma vez por semana, ou quando terminam o estágio. Isso baixa a qualidade em termos de formação.

Há uma frase célebre do doutor de que "estamos a formar matadores". Podemos associá-la ao «exagero» a que se referiu sobre colégios e escolas de formação de técnicos de enfermagem?

Certamente, porque há outro problema que se associa a isso: o rácio professor/aluno. Por norma, devíamos ter em cada turma, no máximo, 35 a 40 alunos, mas hoje há turmas com mais de 200 alunos. Havendo esse número de alunos numa turma, o professor não tem como acompanhar o aproveitamento de todos. Pedagogicamente falando, o importante não é o professor estar ali a descarregar a matéria e ponto final!

Como deve ser?

O professor deve acompanhar a evolução de cada estudante, deve saber o aproveitamento de cada aluno, temos aqueles alunos que têm uma capacidade de absorção imediata, mas há outros que precisam de um acompanhamento. Tanto é que, muitas vezes, em salas de aula, vamos encontrar alunos que interagem e outros que não. Daí o professor tem de puxar para o estudante falar, tem de ouvir esse estudante, mas eu tenho 100 ou mais estudantes e tenho apenas 45 minutos, quer dizer, ainda que eu ouvisse em um minuto cada estudante, não teria tempo para ouvir todos.

Será que se pode incluir a isto o plano curricular?

Não necessariamente. O problema é que o curso de Enfermagem hoje é o que dá mais dinheiro às instituições de ensino. É o mais procurado porque um enfermeiro formado pode criar o seu negócio, quer dizer, pode não conseguir emprego na função pública ou numa instituição privada, mas pode criar o seu consultório de enfermagem ou posto.

Podemos afirmar que as pessoas passaram a procurar pelo curso de Enfermagem só pelos lucros?

E as instituições, ao invés de olharem para a qualidade, olham mais para os lucros e, repito, isso é que faz que a qualidade baixe. Além disso, temos um Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário que tem a definição de determinado número de profissionais de Enfermagem que deve ser formado por ano.

No País, este plano é respeitado?

Claro que não. Estamos a formar mais do que aquilo que o País precisa.

Isto não é bom?

De um lado, pode ser bom, mas do outro não. Anualmente, no País, temos a média de formação de 25 mil profissionais de Enfermagem de todos os níveis, tanto básico, como médio.

Quantos estão absorvidos?

Às vezes, o Ministério da Saúde absorve cinco a seis mil técnicos. Vimos isso nos últimos anos, mas imaginemos que sejam absorvidos 50% desses profissionais, quer dizer, são 12.500 que são absolvidos e ficam outros 12.500 desempregados, e as nossas leis, infelizmente, não sei como são concebidas. O indivíduo que participa no concurso público tem de ter uma idade limite de 35 anos e, muitas vezes, o nosso profissional sai da escola com 35 anos e já não tem a possibilidade de concorrer. Então, estamos a formar profissionais para pôr na rua, aí é que está o erro de termos escolas por excesso. Não precisamos de muitas escolas, precisamos é de escolas com qualidade.

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