Os técnicos do Instituto Nacional de Desminagem de Angola (INAD) deixaram de receber o incentivo financeiro trimestral de 75 mil kwanzas em 2014 e isso ressentiu-se na sua qualidade de vida, porque os salários "são muito baixos".
O gabinete de assessoria de imprensa do Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS) confirma que o incentivo, "criado quando a desminagem era um imperativo nacional", porque "só assim seria possível recuperar estradas e vias-férreas, campos agrícolas e áreas para criar indústria... foi efectivamente cancelado por decisão do Executivo. A decisão foi publicada em DR em 2011 mas só foi aplicada em 2014.
Para essa decisão contribuiu o facto de o país estar a atravessar sérias dificuldades financeiras, admite Celso Malavoloneke, assessor para a imprensa do MINARS, "mas também porque o imperativo da desminagem que motivou o incentivo, deixou de existir" com o passar dos anos.
Só que o mesmo argumento da crise é esgrimido pelos funcionários do INAD, que garantem estar a passar por "muitas dificuldades" porque fizeram planos para as suas vidas com base no que recebiam e, "de um momento para o outro, e logo na pior altura", ficaram sem o equivalente a 25 mil kwanzas por mês.
O Novo Jornal Online falou com alguns dos técnicos do INAD, organismo que é responsável pela desminagem do território nacional e que tem no currículo muitos milhares de quilómetros quadrados limpos de minas terrestres.
Um destes funcionários do INAD, técnico de 3ª Classe, admitiu que "o descontentamento é muito grande", especialmente porque os salários não permitem "viver com o mínimo de condições", sendo que o salário médio, adiantou, ronda os 32 mil kwanzas nesta especialidade, o que considera que, "sem aquele suplemento (incentivo) é todos os dias mais difícil aguentar a vida".
Os trabalhadores do instituto com quem o Novo Jornal falou dizem ainda que também os subsídios foram retirados.
"Muitos de nós arriscam a vida diariamente em zonas muito isoladas e isso não está a merecer a atenção do Governo", lamentou este técnico, adiantando que desde 2014 que estão a "enviar cartas ao Ministério (da Assistência e Reinserção Social) a chamar à atenção para este problema e, até agora, nenhuma resposta".
O que diz a lei
O pessoal operativo, com contacto directo com os engenhos explosivos, conforme o Estatuto Remuneratório da Carreira do Pessoal de Desminagem, publicado em Decreto Presidencial 163/11, tem direito a subsídio de risco igual a 15 por cento do seu vencimento base, outro de sete por cento por exposição directa a agentes biológicos e ainda mais cinco por cento por isolamento e igual montante por exposição indirecta a agentes biológicos.
Os funcionários do INAD que não estão ligados directamente à acção de desminagem no terreno mas sim em áreas administrativas, segundo o Decreto Presidencial nº 231 de 2014, no seu artigo 33º, têm direito a um subsídio de risco, correspondente a 15 por cento do vencimento base e a um subsídio de exposição indirecta aos agentes biológicos, correspondente a cinco por cento do vencimento base, sem prejuízo dos subsídios gerais vigentes na função pública.
Tanto o pessoal operativo como o administrativo, ainda segundo o mesmo decreto, têm direito a um seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais.
No entanto, como adiantou ao Novo Jornal um técnico médio de desminagem, cujo vencimento ronda os 30 mil kwanzas, sendo este, mais coisa menos coisa, o salário médio de uma significativa maioria dos mais de 1800 funcionários do INAD, não faz sentido retirar "os subsídios", que o articulado legal não distingue entre incentivo e subsídios mas que, para os trabalhadores dos escalões mais baixos do quadro de pessoal, é apenas mais dinheiro no fim do mês.
"Muitos estamos a passar mal só porque não nos querem pagar os subsídios de direito", notou este técnico, que optou por não se identificar, garantindo, todavia, que "todos têm consciência do que estão a fazer para ajudar o país".
O empenho e a dedicação destas pessoas à causa da desminagem, e o que isso significa para o desenvolvimento do país, é sublinhado também por Celso Malavoloneke, descrevendo-o como "o extraordinário trabalho de desminagem do país".
No entanto, Malavoloneke recorda que os subsídios não foram retirados, apenas os incentivos, e que "é do conhecimento das pessoas que a tendência da função pública é de retirada dos subsídios" em função das dificuldades financeiras que o país atravessa.
O passado a explodir nos pés dos camponeses
A limpeza de muitos milhares de engenhos explosivos esquecidos da guerra, havendo algumas organizações internacionais que apontam para mais de 10 milhões de minas terrestres "plantadas" durante os conflitos armados em todo o território angolano, tem permitido a centenas de localidades do interior do país regressar às actividades tradicionais de pastoreio e agricultura.
Tem permitido ainda a reconstrução de infra-estruturas essenciais, como as linhas de alta e média tensão entre as hidroeléctricas e as cidades, bem como a recuperação de milhares de quilómetros de estradas e de via-férrea.
Este trabalho é ainda mais difícil porquanto se sabe que a dispersão de minas terrestres em Angola não obedeceu a um mapa, mas sim às necessidades estratégicas impostas pelos avanços e recuos das guerras vividas por Angola, não havendo, por isso, registos fidedignos da "sementeira" de minas terrestres, bem como da localização de outros tipos de engenhos utilizados na guerra e não explodidos.
Ainda hoje, e apesar dos milhares de km2 limpos no país, dezenas de pessoas morrem ou ficam feridas todos os anos quando o passado - as minas deixadas pela guerra - lhes rebenta nos pés, especialmente em áreas rurais onde as populações se dedicam à agricultura de subsistência.