O deputado da UNITA, o médico Maurílio Luiele, disse ao Novo Jornal que a cremação de cadáveres é opcional, sendo compulsiva apenas nos casos em que os corpos representem "um sério risco de contágio" que comprometa a segurança sanitária.

"A Lei não determina que todos os falecidos passam doravante a ser cremados", observou, afirmando que, "nos últimos tempos, as autoridades sanitárias têm vindo a ser pressionadas com solicitações no sentido da cremação de cadáveres, havendo casuisticamente autorizações favoráveis, sendo o procedimento realizado em condições inapropriadas".

De acordo com o deputado e médico, já têm sido realizadas casuisticamente cremações de cadáveres, havendo, pois, necessidade de regular este procedimento, "devendo obviamente ser complementada por regulamentos mais específicos".

O deputado destacou que o sepultamento continuará a ser a principal forma de tratamento final que as famílias angolanas darão aos seus entes queridos falecidos, havendo casos pontuais, sobretudo estrangeiros, em que as famílias optarão pela cremação, garantindo que "não há motivos para receios, nem por parte das famílias nem dos profissionais dos cemitérios".

Para a conformação da presente Proposta de Lei foram consultados os departamentos ministeriais com interesse na matéria, bem como organizações da sociedade civil e profissionais de saúde relevantes, nomeadamente as plataformas ecuménicas de igrejas e ordens profissionais.

De acordo com o deputado, o Executivo solicitou o parecer de entidades religiosas, sem que houvesse qualquer pronunciamento. E preveniu que muitos quererão pronunciar-se quando a Lei for promulgada, mas nessa altura será tarde.

A respeito da situação, segundo o médico, pronunciaram-se apenas os ministérios do Interior e da Justiça e dos Direitos Humanos.

É mais barato cremar do que sepultar

Na opinião do médico, é mais dispendioso sepultar do que cremar, se se tiver em conta dois factores relacionados com o sepultamento: a urna funerária e o espaço no cemitério.

"Nos países mais desenvolvidos os espaços nos cemitérios são cada vez mais caros e isto tem levado a que famílias optem cada vez mais pela cremação de cadáveres. Entre nós, esta questão do espaço ainda não se coloca com esta premência, mas futuramente, quando estivermos mais evoluídos em termos de ordenamento do território e organização dos espaços das nossas cidades, certamente estas questões começarão a ser sentidas e para muitas famílias a cremação será certamente a opção", esclareceu.

Para o deputado, a proposta de Lei da Cremação não define os custos deste procedimento, por se tratar de uma Lei genérica.

"Talvez este aspecto venha a constar de regulamentos subsidiários que venham a ser produzidos", elucidou.

Apesar de ter vivido muito tempo lá fora, concretamente no Brasil, onde a opção pela cremação é muito comum, o deputado não faz ideia dos custos da cremação.

"Os custos variam muito com a realidade económica e social de cada País", acrescentou.

Guardar corpos cremados nas residências

Maurílio Luiele esclareceu que o destino a dar às cinzas dependerá inteiramente das famílias.

"As cinzas são completamente inócuas do ponto de vista de saúde, por isso as autoridades não interferirão em relação ao destino que as famílias pretenderem dar aos familiares", elucidou.

O líder do Grupo Parlamentar do MPLA, Virgílio Fontes Pereira, disse que, mesmo não sendo uma prática social entre os angolanos, existem famílias ou comunidades que já praticam a cremação, mas fora de um quadro jurídico legítimo.

Segundo o líder do grupo parlamentar do MPLA, a cremação não é um acto universal, mas é para aqueles que se sentirem culturalmente vocacionados para a praticar.

De igual modo, o deputado Benedito Daniel, do PRS, reconheceu que se vai introduzir no ordenamento jurídico angolano uma prática que não é comum no País.

"Nós, os africanos, sobretudo os Bantus, não cremamos os corpos, a nossa natureza é essencialmente cristã, mas agora estamos misturados com outras culturas, que acham que os restos mortais, em vez de repousarem na terra, devem ser cremados, portanto, devemos satisfazer essas franjas", exprimiu.

Segundo o diploma que vai a votação final no dia 27 deste mês, o pedido de cremação é requerido pelo cônjuge ou companheiro da união de facto reconhecida, pais, descendentes, irmãos ou tios da pessoa falecida.

Compete às autoridades judiciais e sanitárias a fiscalização da actividade crematória, e esta deve ser feita em estabelecimentos com equipamentos apropriados e que obedeçam às disposições previstas na Lei e demais legislação aplicável.

Segundo dados do Ministério da Saúde, Angola realiza mensalmente três a quatro cremações, número que poderá aumentar sobretudo em Luanda, capital do País, com a aprovação do diploma.

Segundo o Ministério da Saúde, os que mais solicitam a cremação são os cidadãos chineses, coreanos, vietnamitas e indianos.

Cemitérios de Luanda são um atentado à saúde pública

O ambientalista Cardoso Paulo Zingo disse que os cemitérios, sobretudo os da capital do País, apresentam problemas sanitários e ambientais que ameaçam a saúde dos habitantes próximos destas áreas.

"A cidade de Luanda está superlotada de gente. Os cemitérios recebem diariamente dezenas de corpos. Os corpos enterrados em três meses são logo retirados para dar lugar aos novos", lamentou o ambientalista, que saudou a proposta de Lei.

Segundo Cardoso Paulo Zingo, nos cemitérios do Camama, Benfica, Catorze (...) Viana, e tantos outros, as sepulturas não atingem mais de um metro de escavação, constituindo um risco ambiental.

"A actividade crematória é importante para a protecção do meio ambiente e contra possíveis fontes de infecção, especialmente quando a morte for causada por doença infecciosa. Hoje os cemitérios de Luanda são um atentado à saúde pública", observou, afirmando que os cemitérios em Angola não são tratados convenientemente.