Depois do primeiro ataque de Israel ao Irão, a 13 de Junho, apanhando tudo e todos de surpresa, quando Washington e Teerão estavam em negociações sobre o programa nuclear iraniano, e a entrada efectiva dos EUA na guerra, ao lado de Telavive, a próxima etapa "quente" nesta crise é claramente se o Irão fecha ou não o Estreito de Ormuz, por onde circula mais de 25% do crude global e cerca de 20% do gás natural liquefeito.
A única certeza que existe é que o Irão tem nesta manobra arriscada uma última cartada e só a colocará na mesa depois de obter a concordância da Rússia e da China, os seus grandes aliados, o que pode ser conseguido com um fecho parcial desta estratégica passagem marítima entre o Golfo Pérsico e o Oceano Índico, deixando passar a energia com destino a Pequim e barrar a que se destina ao ocidente.
Para isso, segundo algumas fontes, esta conversa com Putin, e com o seu homólogo russo, Sergei Lavrov, servirá ao ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Abbas Araghchi, para obter não apenas a posição russa mas igualmente a chinesa, seja pela voz do chefe do Kremlin, que tem relações de grande proximidade estratégica com o Presidente chinês, Xi Jinping, ou com uma ida a Pequim desde Moscovo.
Porque, com tanto em suspenso, especialmente agora que o norte-americano Donald Trump, depois de garantir que o ataque ao complexo nuclear do Irão era um "golpe único" e que não haveria seguimentos militares, vem agora dar, mais uma vez, o dito por não dito, admitindo que, afinal, não recusa a possibilidade de uma mudança de regime em Teerão, tanto o aiatola Ali Khamenei, como o Presidente Masoud Pezeshkian estão obrigados a aumentar o volume da resposta.
Além do bloqueio do Estreito de Ormuz, o Irão tem, segundo veio já admitir o Presidente do Parlamento iraniano, Mohammad Bagher Qalibaf, como cartada de força a saída do Tratado de Não-Proliferação Nuclear e da Agência Internacional de Energia Atómica, nu que seria um passo ousado e arriscado rumo à obtenção de uma arma nuclear.
Isto, como nota, por exemplo, Mohammad Marandi, um académico iraniano e antigo assessor do Presidente Pezeshkian para as relações internacionais, a suceder, seria resultado de uma constatação simples: garantir que não se quer obter uma arma nuclear não é suficiente para garantir que EUA e Israel não atacam o Irão, a que se soma o facto de, por exemplo, a Coreia do Norte, depois de mostrar ao mundo o seu potencial nuclear adquirido, deixou de ser sucessivamente ameaçada por Washington.
E a prova de que Israel não tenciona parar é que, já nesta segunda-feira, 23, desferiu aquilo que o jornalista da CNN International em Teerão, Fred Pleitgen, apelidou como o mais robusto ataque israelita de sempre à capital iraniana, havendo fontes que referem ser uma ofensiva nunca vista até agora, deixando, literalmente, como as imagens mostravam atrás de si uma parte alargada da cidade sob uma espessa nuvem de fumo negro.
Todavia, antes, o Irão tinha lançado uma nova vaga de misseis balísticos de longo alcance sobre Israel, garantindo Teerão ter destruído vários objectivos militares, embora as televisões internacionais apenas mostrem, porque, como estas repetem, as forças militares israelitas instauraram um regime de censura aos media estrangeiros, proibindo-os de filmar e relatar os ataques que não se restrinjam a áreas civis.
Com estes desenvolvimentos é crucial acompanhar o que sairá do relevante encontro em Moscovo até porque há indícios de que no campo dos ataques mútuos, verifica-se um recrudescer das operações israelitas no Irão.
Isto, ao mesmo tempo que estes acontecimentos mostram não apenas que Israel não está a tirar o pé do acelerador, como deixam no ar a permanência da ameaça norte-americana, que não retiraram nenhum das largas dezenas de navios de guerra da região.
E os meios disponíveis para actuar neste conflito são gigantescos e não eram vistos em tamanha concentração há décadas no Médio Oriente, incluindo três porta-aviões e vários submarinos nucleares.
Enquanto isso, nas bases de apoio espalhadas pelo mundo - por exemplo, mantiveram 12 (doze) aviões de reabastecimento aéreo nas bases das Lajes, no Açores, Portugal, um ponto estratégico de apoio sempre que os EUA entram numa guerra no Médio Oriente, há registos de concentração inaudita de aviões da Força Aérea dos EUA, incluindo cargueiros pesados e bombardeiros estratégicos, desde a Turquia às bases no sudoeste asiático e ainda em África.
Uma guerra muito maior que o Médio Oriente
A tese mais sublinhada por esta altura entre os analistas fora do leque dos "especialistas" comprometidos com a versão israelo-norte-americana, e fora do universo dos media mainstream, é que Washington está a usar Israel para atacar o eixo estratégico Pequim-Moscovo, de forma a destruir a pretensão sino-russa-iraniana de orquestrar uma nova ordem mundial multipolar e libertada do sufoco de Washington e do Dólar como moeda franca universal.
Sendo o Irão a parte mais frágil, e depois de a Rússia ter dado provas de resiliência inesperada no contexto da guerra na Ucrânia, e quando o mundo se inclina geoestrategicamente para o Sul Global, onde estão mais de 2/3 da população mundial, menorizando o Ocidente Alargado liderado pelos EUA, esta guerra, justificada com a ameaça do nuclear iraniano, está cada vez mais claro que se trata de algo muito maior.
Outro indício de que existe algo de mais abrangente que um conflito israelo-iraniano aparece nas palavras do chanceler alemão Friedrich Merz quando este diz que Israel "está a fazer o trabalho sujo" pelos europeus e norte-americanos.
Há ainda a acrescentar a esta possibilidade o facto de os EUA e Israel já terem dado a conhecer a vontade clara de mudar o regime em Teerão apresentando mesmo o príncipe Reza Pahlavi, o filho e herdeiro de linhagem do antigo Xá do Irão, Mohammed Reza Pahlavi, deposto em 1979 por uma revolução islâmica que deu início à teocracia dos aiatolas, como o futuro governante do país assim que o aiatola Ali Khamenei seja derrubado.
E a vontade em matar o Líder Supremo do Irão, entidade cujo poder resulta, desde 1979, de uma escolha entre os clérigos superiores do Irão, e partilha com o Presidente, que é eleito por sufrágio universal, o poder Executivo, foi manifestada por Donald Trump ao dizer que "ainda não deu a ordem" para o seu assassinato "por enquanto".
A todo este conjunto de demonstrações que Telavive, Washington e os países europeus ocidentais querem destronar o actual regime no Irão, o aiatola Ali Khamenei tem repetido com persistência que o seu país "vai resistir" e que "o regime terrorista israelita vai pagar caro esta guerra desencadeada contra o Irão".
Também o ministro dos Negócios Estrangeiros, Abbas Aragchi, tem dito quase diariamente que o Irão, apesar de querer a paz e estar disponível para parar os ataques a Israel se Israel parar os ataques ao Irão, vai responder com "cada vez mais força" a todos os ataques que forem infligidos sobre o país, incluindo "com novos misseis hipersónicos que o inimigo sionista nem sabe que existem ou as suas novas capacidades".
Entretanto, depois de o Presidente russo, Vladimir Putin, ter telefonado, logo no início deste conflito aberto isarelo-iraniano, a Donald Trump, oferecendo-se para colocar a diplomacia do Kremlin ao serviço da procura de uma solução pacífica, para já sem resultados que se vejam, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa veio alertar para o "sério risco de uma escalada" nuclear.
Sergei Lavrov, notando que o ataque de Israel "é ilegal e ameaçador da estabilidade global", acrescentou que o Governo israelita liderado por Benjamin Netanyhau está a fazer representa um "claro risco de desencadear uma catástrofe nuclear" ao atacar as áreas onde está localizado o programa nuclear civil iraniano.
"O ataque continuado e intenso de Israel às instalações nucleares civis do Irão é ilegal do ponto de vista da Lei Internacional, cria ameaças inaceitáveis à segurança internacional e arrasta o mundo para uma catástrofe nuclear", apontou Lavrov citado pela RT.
Os efeitos no mundo do petróleo
Se não fosse esperado, o ataque dos EUA ao Irão teria causado um pandemónio nos mercados petrolíferos, mas como todos o esperavam, foi apenas mais um dia normal no escritório, com uma subida para máximos desde Janeiro....
Com as palavras do Presidente dos Estados Unidos a seguirem na direcção esperada, querendo tudo e o seu contrário, como não querendo, primeiro, mudar o regime no Irão, para depois, apenas passadas algumas horas, já admitir que até era boa ideia, os mercados começaram a estabilizar.
Não por não haver razões mais que suficientes para se poder estar à beira de um cataclismo económico global, como o justifica a decisão do Parlamento iraniano de aprovar o bloqueio do Estreito de Ormuz, por onde passa mais de 20% do crude consumido em todo o mundo...
... mas sim porque a resposta iraniana ao ataque do fim-de-semana dos EUA sobre os três locais mais importantes do programa nuclear de Teerão não foi contra os interesses norte-americanos na região mas sim contra Israel.
E a decisão de bloquear o Estreito de Ormuz ainda não foi tomada por quem efectivamente manda no Irão, que é o seu Líder Supremo, o aiatola Ali Khamenei, provavelmente porque esta estará dependente do périplo diplomático do ministro dos Negócios Estrangeiros por Moscovo e, provavelmente, por Pequim, depois de ter estado na Turquia.
Com efeito, o encontro desta segunda-feira, 23, de Abbas Araghchi, com o Presidente russo, Vladimir Putin, em Moscovo, poderá ditar os contornos decisivos da resposta iraniana, como o próprio chefe da diplomacia iraniana afirmou antes de embarcar para a capital russa: "Está tudo em aberto!".
Para já, o barril de Brent, que serve de referência principal às ramas exportadas por Angola, estava, perto das 11:20, hora de Luanda, nos 77,48 USD, uma subida de quase 0,7%, depois de ter chegado aos 79,15 USD horas antes.