Com o encontro de Istambul já no horizonte, por proposta da Rússia, para esta segunda-feira, 02 de Junho, e numa escalada claramente planeada, a Ucrânia, na passada semana, lançou mais de 1300 drones contra Moscovo, a que os russos responderam com uma chuva de misseis e drones sobre dezenas de cidades ucranianas, a maior desde o início deste a invasão russa.

Até este Sábado, 31 de Maio, os dois contendores tinham já realizado das mais poderosas vagas de ataques com drones, os ucranianos, e misseis e drones, os russos, mas a grande surpresa estava reservada para Domingo, 01, com a mais ousada operação ucraniana contra a Rússia.

Volodymyr Zelensky já veio garantir que foram precisos 18 meses para planear esta operação, que consistiu em ataques quase em simultâneo a cinco bases aéreas russas, algumas a mais de 4 mil kms da fronteira ucraniana, atingindo vários aviões estratégicos da Federação Russa.

Mais de 24 horas apos esse ousado e devastador ataque, numa operação denominada (Teia de Aranha) para a capacidade militar russa, e ainda não existem dados concretos sobre o resultado, mas Kiev diz terem sido destruídos 40 aviões estratégicos, e do lado russo, embora ainda, a meio da manhã de hoje sem declarações oficiais, se admita apenas a destruição de até 12 aparelhos.

Entre os destroços deste ataque coordenado e longamente planeado por Kiev, terão sido destruídos TU-95, bombardeiros estratégicos de longo alcance, e TU-22, um bombardeiro supersónico de médio porte, além de aviões de carga Antonov e o A-50 Beriev, de recolha de dados e vigilância.

Além desta destruição em cinco bases aéreas, que atingiram áreas tão distantes de Kiev como a Sibéria, Amur ou a costa do Pacífico, do outro lado da Rússia, que atravessa 11 fusos horários, os ucranianos conduziram pelo menos duas operações especiais destruindo duas pontes sobre ou sob linhas férreas, desvitalizando a capacidade logística russa para a frente de guerra do norte ucraniano, nas regiões de Kursk e Briansk.

Nestes ataques, conduzidos, ao que tudo indica, por comandos infiltrados no território russo, morreram pelo menos sete pessoas e mais de 50 ficaram feridas, num dos comboios atingidos, que levava 380 passageiros, enquanto o outro, era de carga, havendo apenas danos materiais.

A resposta russa, que os media, tanto ocidentais como russos, admitem que possa ser mesmo assimétrica, apontando a alvos de maior importância política, como ministérios em Kiev, com alguns analistas a admitirem que esta operação ucraniana foi o "Pearl Harbor" russo, ainda não ocorreu.

A razão, como nota o major-general Agostinho Costa, é a reunião que começa esta segunda-feira em Istambul, Turquia, para a segunda ronda negocial directa entre russos e ucranianos, que Moscovo, mesmo sendo tudo para fazer de conta, não quer dar motivos a Kiev para acusar a Rússia do "descarrilamento" das negociações mediadas e impulsionadas por Donald Trump.

As posições de ambos os lados permanecem extremadas, sem sinais de cedências no horizonte, com Kiev, essencialmente, a exigir um cessar-fogo imediato, a saída dos russos das suas terras conquistadas desde 2014, a presença de forças militares ocidentais para impedir futuras agressões russas, e a responsabilização de Moscovo pela destruição e respectiva indemnização por danos, negando ainda a exigência de não procurar a adesão à organização militar norte-atlântica.

Já Moscovo, em síntese, nem quer ouvir falar de tropas ocidentais na Ucrânia, e muito menos a sua entrada na NATO, o reconhecimento das regiões das Crimeia, Kherson, Zaporizhia, Donetsk e Lugansk como terras de soberania russa de facto, e a desnazificação do regime de Kiev, que é o mesmo que dizer, a saída de cena de Zelensky e dos seus principais colaboradores civis e militares.

A não ser que aconteça algo de extraordinário, como, por exemplo, Kiev aproveitar este momento de forte humilhação para Moscovo, com a destruição de quase 40% do potencial aéreo russo, avançar com algumas cedências essenciais nas exigências do Kremlin, que, mesmo que apenas do ponto de vista mediático, pode concorrer para um equilíbrio nas percepções públicas, sempre muito valorizadas pelos ucranianos, este segundo encontro de Istambul está condenado ao fracasso.

Se a reunião de Istambul, onde ambos os países têm delegações chefiadas por figuras de segunda linha, Kiev pelo ministro da Defesa, Rusten Umerov, e os russos por Vladimir Medinsky, conselheiro do Presidente Vladimir Putin, for mais um passo em falso no caminho da paz, então é de esperar a resposta russa à humilhação ucraniana.

O que pode resvalar claramente para uma escalada de difícil contenção neste conflito, porque, como disse o analista militar Agostinho Costa, na CNN Portugal, "ninguém sabe o que a Ucrânia deixou em território russo" da operação deste fim-de-semana.

E a razão é simples, porque é muito difícil, como admitem vários analistas, a Vladimir Putin conter a fúria dos extremistas que também existem tanto nas forças militares russas como no próprio Kremlin, se a Rússia ficar com a humilhação sem resposta à altura e não reagir com vigor adequado.

Nunca como nestas últimas horas, olhando para as redes sociais russas, especialmente no canal Telegram, foi tão ensurdecedora a vaga de apelos a uma declaração de guerra formal à Ucrânia, com um clamor gigantesco para que Putin autorize ataques ao coração do Estado ucranianos, nomeadamente os ministérios da Defesa e as sedes das secretas em Kiev.

Isto, porque, como o Presidente Zelensky explicou, além de ter ele próprio supervisionado esta operação planeada nos últimos 18 meses e agora ordenada claramente para descarrilar as negociações de Istambul, por detrás dela esteve, operacionalmente, o SBU (Serviços de Segurança da Ucrânia) e o GUR (secreta militar).

Os operacionais ucranianos conseguiram introduzir camiões com contentores disfarçados onde movimentaram os drones usados nos ataques, usando, crê-se, porque a informação sobre esse pormenor é escassa, sinais por satélite para os dirigir aos alvos.

E é aqui que outro problema poderá surgir, porque a Ucrânia não possui satélites e a rede Starlink, de Elon Musk, que serve Kiev na guerra, não está acessível na Rússia, o que implica a possibilidade de os ataques terem sido desferidos com apoio ocidental, através dos satélites militares norte-americanos, o mais provável, mas eventualmente franceses ou britânicos.

Se tal vier a ser demonstrado, Washington perde mais um degrau na sua condição de mediador do conflito entre KIev e Moscovo porque foi e é um co-beligerante ao permitir, e ajudar a organizar, um dos mais devastadores ataques em solo russo desde a II Guerra Mundial.

Nas regiões atingidas, Murmansk, no Ártico, Ivanovo e Ryazan, no centro da Rússia, Irkutsk, na Sibéria, e Amur, já próximo da Costa com o Oceano Pacífico, seria absolutamente impossível o comando dos drones FPV, com câmara que permite ao controlador ver o alvo guiando o drone para ele, via rádio a partir da Ucrânia.

Esse comando foi, como se vê nalguns vídeos divulgados nas redes sociais ucranianas, efectivo com drones de vigilância a sobrevoar as bases aéreas e os kamikazes a despenharaem-se sobre os alvos estacionados nas pistas, sem qualquer protecção, o que também expos a falha de segurança nestas infra-estruturas estratégicas russas.

É que, além da sua importância para o lançamento das vagas de misseis sobre a Ucrânia, estes aparelhos, tanto os TU-95, aviões de grande porte quadriturbo a hélice, e os TU-22, supersónicos, integram a "tríade nuclear" da Federação Russa, que é composta pelos navios da Marinha Russa, os silos de lançamento terrestre e os aviões-bombardeiros estratégicos.

O que significa que com, a confirmar-se, 35% dessa capacidade destruída num dos pilares fundamentais da "tríade nuclear" russa, que é a componente aérea, a Federação Russa não sofre apenas um revês gigantesco na capacidade de infligir ataques na Ucrânia, fica igualmente desguarnecida no quadro global do equilíbrio estratégico com os Estados Unidos e os restantes países da NATO.

Como vai o Kremlin reagir perante este momento de extremo desgaste para a imagem global ver-se-á no rescaldo na reunião desta segunda-feira, em Istambul, na Turquia, até porque há notícias por confirmar que apontam para que Washington e Londres tenham sabido com antecedência do ataque que estava a ser planeado há 18 meses.