A destruição de dezenas de alvos de relevância militar levou o Presidente ucraniano a sair a terreiro criticando os aliados norte-americanos por estarem a incentivar o Kremlin com o seu silêncio sobre a escalada russa num momento em que decorrem negociações mediadas por Washington.

Donald Trump parece ter ouvido Volodymyr Zelensky e veio dizer que está "muito insatisfeito" com os ataques russos, sublinhando que não sabe "o que se passa na cabeça de Putin", que "ficou louco", mas, ao mesmo tempo, deixou sinais de que não está a gostar também dos reparos que o ucraniano lhe faz.

Trump, nessas declarações, fala em "muita gente civil morta de forma que não se compreende", o que demonstra escassa informação do Presidente norte-americano, porque os dados oficiais ucranianos referem apenas feridos entre civis, o que clarifica que a Rússia visou alvos militares.

Estes ataques, que já foram considerados pelos analistas como os mais volumosos desde o início da guerra, em Fevereiro de 2022, seguiram-se, todavia, a uma vaga de mais de 500 drones ucranianos lançados sobre Moscovo, vários deles atingindo áreas civis, com uma situação pelo meio ainda por esclarecer que é ter Putin e o helicóptero em que seguia sido um dos alvos destes drones.

Tal terá ocorrido, segundo relatam alguns media russos a partir de informações cedidas pelo Ministério da Defesa, quando o chefe do Kremlin fez uma visita surpresa à região de Kursk, recentemente libertada de uma ocupação parcial de meses por forças ucranianas e, alegadamente, Kiev terá sabido e tentado assassiná-lo derrubando o seu aparelho com o impacto de um enxame de drones.

E foram essas centenas de drones disparados por Kiev que levaram o Presidente Putin a voltar a dizer claramente que a Rússia vai ocupar uma vasta área no norte da Ucrânia de forma a criar uma "zona tampão" para impedir esse tipo de ataques.

Porém, esta possibilidade não é nova porque já no ano passado o chefe do Kremlin tinha dito que as suas forças iriam ocupar as regiões de Kharkiv e Sumy, parcial ou totalmente, para proteger Moscovo de ataques ucranianos de longo alcance.

Esta colocação das duas regiões (oblasts) no mapa das conquistas russas faz com que os objectivos da Federação Russa na geografia ucraniana sofram uma alteração relevante, porque junta Kharkiv e Sumy a Donetsk, Lugansk, Zaporizhia e Kherson, anexadas em 2022, e à Crimeia, conquistada em 2014.

Esta alteração anunciada por Putin deixa em aberto igualmente o "apetite" de Moscovo por Odessa e Mykolaiv, o que perfaz uma ideia antiga de agregar toda a geografia da Novorossya (Nova Rússia) aos objectivos militares da "operação militar especial" lançada pelo Kremlin há mais de três anos.

E quando os dois lados voltam a conversar directamente sobre as condições para um cessar-fogo, este alargamento do mapa dos objectivos russos, como notam vários analistas, pode significar que Putin percebeu que Kiev está efectivamente debilitado tanto política como militarmente e pode impor novas exigências, ou é uma forma de pressionar Zelensky a aceitar as condições anteriores para evitar perder mais territórios.

O efeito Trump

É claro para a generalidade dos analistas que a chegada de Donald Trump à Casa Branca coincidiu com uma redução do compromisso militar dos EUA com a Ucrânia (ver links em baixo), apostando o Presidente norte-americano em negociações para acabar com a guerra, usando como forma de pressão a ameaça de que se não houver resultados concretos, sairá de cena.

Se tal suceder, deixará o "problema" ucraniano nas mãos dos europeus, que, apesar da retórica ameaçadora contra Moscovo, há muito que se sabe que nem britânicos, alemães ou franceses, possuem capacidade para manter o apoio que até aqui foi (é) fornecido pelos Estados Unidos.

Essa a razão pela qual Zelensky está permanentemente a pedir que Washington não deixe o papel de mediador e mantenha o apoio militar que, segundo vários media, está actualmente limitado à intelligentsia e reparação de material danificado, por saber que apesar da muita conversa dos europeus, o esforço de guerra ucraniano depende quase integramente dos EUA.

E é por isso que Trump, não tendo gostado de ver Putin a reforçar os ataques em solo ucraniano, também se mostrou incomodado com as palavras de Zelensky, sobre quem disse que "tudo o que sai da sua boca causa mais problemas para o seu país".

Trump referia-se, numa publicação na sua rede social Truth Social, às críticas que Zelensky fez aos norte-americanos por se mostrarem passivos face ao recrudescer dos ataques russos sobre a Ucrânia nas últimas três noites, considerando que esse "silêncio está a encorajar os russos".

"Ele (Zelensky) não está a fazer favor nenhum ao seu país quando fala desta forma. Tudo o que sai da sua boca causa problemas. Nâo gosto disso e é melhor que ele pare já", avisou Donald Trump.

Mas, provavelmente ainda mais importante que os avisos que fez a Zelensky e a Putin, foi Trump ter dito que está não é a sua guerra, que "é a guerra de Putin, de Zelensky e de Biden", sublinhando que apenas está a querer ajudar a extinguir um "grande e feio fogo" que nunca teria começado se ele fosse Presidente.

Um facto que alguns analistas notam como curiosidade é a coincidência no tempo das negociações directas entre russos e ucranianos, que foi uma lufada de ar fresco no impasse que se verificava, e a escalada violenta na guerra, com os milhares de drones e misseis usados pelos dois lados nos últimos dias.

Foram os ucranianos que iniciaram esta fase especialmente violenta com os mais de 500 drones lançados sobre Moscovo na passada semana, quarta e quinta-feira, a que se seguiu a vaga russa de ataques durante três noites consecutivas.

E esse dado levou o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, a voltar a dizer que o Presidente ucraniano quer fazer desmoronar as negociações e evitar um acordo sustentável que ponha fim ao conflito por interesses pessoais.

Estas declarações de Lavrov têm como contexto uma ideia que nas últimas semanas tem ganho tracção nos media russos e que passa por acusar o Presidente ucraniano de não querer deixar as negociações terem sucesso porque isso significaria a sua saída do poder a prazo, porque teria de realizar eleições e todos os indicadores o colocam sem possibilidades de reeleição.

Além disso, como recordou recentemente o major-general Agostinho Costa, na CNN Portugal, no dia em que o conflito terminar, as centenas de milhares de soldados ucranianos vão pedir contas ao Governo de Kiev pelos camaradas que tombaram em combate nos últimos anos em vão.

O estranho recado de Trump

Ainda na sua rede social, Donald Trump deixou outro recado ao seu "amigo de longa data" Vladimir Putin, dizendo-lhe que se a sua intenção for conquistar toda a Ucrânia, isso conduzirá ao desmoronamento da Federação Russa.

"Eu sempre tive uma boa relação com Putin, mas alguma coisa aconteceu que o deixou completamente louco!", escreveu Trump, acrescentando, segundo The Guardian, que "sempre disse que se ele quiser conquistar toda a Ucrânia, não apenas um pedaço, isso vai conduzir ao desmoronamento da Rússia".

Ora, se Trump diz que o desmoronamento da Rússia só acontecerá, mesmo não explicando como fará tal acontecer, se Putin quiser "conquistar a Ucrânia toda", então, o que o Presidente dos Estados Unidos está a informar é que Washington está pronto para aceitar que o Kremlin fique com uma parte do território ucraniano.

Isto, apesar de ter admitido que Washington pode em breve lançar novas sanções contra Moscovo por causa dos ataques das últimas noites, que o levaram a admitir que Putin "ficou louco" mas não deu o passo que Zelensky lhe pediu, exercer "maior pressão" sobre os russos através de novas sanções.

Apesar desta crescente fricção, no terreno os combates continuam e as forças russas avançam de forma lenta mas imparável sobre novas posições ucranianas, aproximando-se das cidades que ainda não conquistou na região de Donetsk, como Kramatorsk e Slaviansk.

Isto, quando vários analistas admitem que a Federação Russa está a semanas de lançar um ofensiva de grande envergadura sobre vários pontos da extensa linha da frente de mais de mil kms em simultâneo, aproveitando a debilidade ucraniana em repor as perdas através da mobilização de novos combatentes e escassez de armamento que "queima" a um ritmo que os seus aliados ocidentais não conseguem acompanhar.

Entretanto, na mesa das negociações, depois do primeiro encontro em Istambul, Turquia, há cerca de duas semanas, ainda estão, aparentemente inamovíveis, as condições russas e ucranianas.

Kiev não abdica de ver as forças russas fora dos seus territórios, incluindo a Crimeia, e, admitindo retirar da linha das prioridades, a entrada na NATO, exige o envio de largas dezenas de milhares de militares ocidentais como garantia de segurança, ao mesmo tempo que quer ver Moscovo a pagar a reconstrução do país.

Moscovo, no topo das suas exigências, mantém o reconhecimento de Kiev e dos seus aliados da soberania russa das cinco regiões anexadas em 2014 e 2022, a saída das forças ucranianas das áreas por conquistar em Donetsk, Kherson e Zaporizhia, a neutralidade ucraniana e a substituição de Zelensky, o que é dito na forma de "desnazificação do regime de Kiev".

Se nada acontecer em breve, e com estas posições de início sem sinais de poderem mover-se, alguns analistas admitem que esta é uma guerra para ser decidida nos corredores das trincheiras do leste ucraniano e não nos corredores da diplomacia em Istambul.