A Ucrânia e a Rússia estão a elaborar os memorandos, como ficou definido na ronda negocial de Istambul, na Turquia, (ver links em baixo) com as condições de base mínimas para trabalhar num futuro cessar-fogo, mas os sinais oriundos de Kiev e de Moscovo apontam para a continuidade da guerra.

Depois de as forças russas terem confirmado o lançamento de cerca de cinco centenas de drones kamikaze contra Moscovo, o Presidente russo, Vladimir Putin, veio dizer que a Rússia vai criar uma zona tampão no norte da Ucrânia para evitar que estes ataques se repitam.

Essa zona tampão compreende uma área de território extensa junto à fronteira russa, que abrange a quase totalidade de duas regiões, Sumy e Kharkiv, o que daria aos russos o controlo da segunda maior cidade ucraniana, e colocaria as suas forças às portas de Kiev.

No entanto, como notam alguns analistas, este alagamento do mapa dos objectivos russos em território ucraniano, é uma forma de pressão do Kremlin sobre o Governo de Volodymyr Zelensky, de forma a que este ceda em questões que Moscovo tem como incontornáveis.

Para os russos, mesmo que a lista de exigências seja mais vasta, o que é efectivamente inegociável é a neutralidade ucraniana e a sua permanência fora da NATO, e a aceitação da soberania russa sobre as regiões já anexadas, a Crimeia em 2014 e Kherson, Zaporizhia, Lugansk e Donetsk, em 2022.

E isso parece encaixar com precisão de relojoeiro no momento em que russos e ucranianos estão a trabalhar nas propostas de memorando para acolitar um cessar-fogo e as bases de um eventual acordo de paz lá mais para a frente.

O ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, anunciou esta sexta-feira, 23, que o documento russo está "numa fase de preparação bastante adiantada", reiterando a disponibilidade russa para continuar as conversações directas com a Ucrânia.

Todavia, Lavrov descartou a possibilidade de aceitar o convite do Vaticano, feito pelo novo Papa, para continuar as conversações, o que poderá muito bem ter a ver com a mudança de agulha feita por Leão XIV face à posição que era de Francisco, agora mais colada aos interesses ucranianos.

Isto, porque o Papa Leão XIV usou uma terminologia muito semelhante à de Kiev para se referir aos objectivos das negociações que é exigir que estas resultem numa "paz justa e sustentável" para Kiev, que é, como se sabe, a retirada dos russos das regiões ocupadas desde 2022.

Embora Lavrov tenha, diplomaticamente, optado por justificar a recusa do Papa com o facto de se tratar de dois países ortodoxos a serem convidados pelo chefe da Igreja Católica mudial, considerando ser "deselegante" usar o Vaticano quando se trata de "eliminar as raízes do conflito", que são, entre outros pontos, a destruição da igreja ortodoxa mais próxima de Moscovo.

A questão do memorando surgiu na conversa de Putin com o Presidente dos EUA, Donald Trump (ver links em baixo), na semana passada, onde, aparentemente, porque o norte-americano tem mudado de opinião de forma repetida, terá ficado combinado que é Zelensky quem terá de ceder, mesmo que isso não tenha sido especificamente dito desta forma.

Até ao momento não se sabe o estado de elaboração da proposta de memorando ucraniana, mas a russa, como nota o major-general Agostinho Costa, deve conter de forma clara as posições já conhecidas do Kremlin, a aceitação da realidade no terreno de três anos de guerra.

Todavia, a ter em consideração as posições mais recentes de Zelensky, que são também muito semelhantes às que são conhecidas desde 2022, embora com avanços e recuos nos seus limites, devem manter a exigência de retirada dos russos e de uma base de garantias de segurança fornecidas pelos EUA e europeus para futuras agressões russas.

Se Kiev e Moscovo estão mais perto ou mais longe de m entendimento mínimo para dar continuidade a estes contactos bilaterais directos, tal só será possível analisar quando forem conhecidas as propostas ucraniana e russa.

Mas o mais certo é que estas mostrem que a situação está praticamente como estava no início da invasão russa, em 2022, ou mesmo do início histórico do conflito, em 2014, aquando do golpe de Estado apoiado pelo ocidente para destituir o Presidente pró-russo em Kiev, Viktor Yanukovich.

O que é uma garantia da continuação da guerra por muitos e longos meses.