O Presidente norte-americano, pelo menos para já, recuou na ameaça de aprovar novas sanções contra a Rússia devido a um alegado procrastinar do Kremlin no avanço para cedências que permitam um cessar-fogo no conflito ucraniano, afirmando que é ele quem vai decidir e que a sua decisão dependerá do que for a realidade dos próximos dias e semanas.

E o seu secretário de Estado, e chefe da diplomacia norte-americana, Marco Rubio, voltou a defender em público, alto e em bom som, que os Estados Unidos estão fartos de lidar com o problema ucraniano e querem sair de cena para se focarem no essencial, que é a China.

Há muito que o tema China está na lista das prioridades de Washington, não apenas na guerra económica (tarifas) declarada a Pequim por Donald Trump mas, e essencialmente, na dimensão geoestratégica que visa conter o crescimento da influência chinesa no mundo e, em especial, no Indo-Pacífico (ver imagem).

E percebe-se que a actual maior potência económica e militar do mundo quer manter esse estatuto porque lhe permite manter a flutuar a sua moeda, o Dólar, como o pilar do comércio global, entre outras ferramentas de domínio planetário, como a influência no FMI ou no Banco Mundial.

E é neste capítulo que a guerra na Ucrânia (ver links em baixo), como veio agora explicar Marco Rubio, é um "distracção do essencial" nos interesses externos prioritários dos Estados Unidos, claramente localizados no Indo-Pacífico, a vasta área geográfica que abrange desde a costa oriental de África às margens das Américas, com o estratégico continente asiático no meio.

O novo centro do mundo

Há muito que a ideia de que o "centro do mundo" está no velho continente europeu deixou de fazer sentido devido à emergência asiática, onde estão colossos como a China, a Índia, Japão ou Indonésia... como motor da economia mundial e do surgimento dos mais robustos poderes económicos.

E, como defendem alguns dos analistas mais respeitados em todo o mundio, como John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, há anos que em Washington cresce a convicção de que um confronto com a China é uma inevitabilidade, faltando saber quando e não se...

Ora, é nesta certeza que se enquadra as recentes declarações do chefe da diplomacia norte-americana, Marco Rubio, onde este defende a decisão de Donald Trump em não avançar com novas sanções a Moscovo.

Isto porque, recorda, "cada dólar e cada minuto gasto com o conflito europeu é uma distracção para o nosso foco e os nossos recursos que devem estar concentrados no muito mais sério e possivelmente cataclísmico confronto no Indo-Pacífico".

Se a questão da disputa pela hegemonia global dos EUA com a emergente China vai tendo momentos demonstrativos de que em Washington esse é o foco nalguns sectores, desde logo a recente guerra de tarifas com Pequim, a aproximação de Trump à Rússia não é senão a prova desse plano de fundo norte-americano para conter a crescente influência chinesa no mundo.

Isto, porque, como alguns analistas, entre estes John Mearsheimer, mas também Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, nos EUA, notam amiúde nas suas análises, que o foco de Washington na China leva a que seja uma prioridade a procura de criar brechas na robusta parceria estratégica entre Pequim e Moscovo.

Washington já só tem olhos para a China

E a ideia genérica, partilhada por cada vez mais analistas, é que nos EUA, no patamar onde se tomam as decisões de geoestratégia, se sabe que um confronto com a China num contexto em que o gigante asiático mantém a parceria "sólida como uma rocha" como a definiu o Governo de Pequim, como a Rússia, é um confronto perdido.

Porque, se actualmente os EUA ainda são tanto militarmente como economicamente uma potência superior à China, o mesmo não é verdade quando têm pela frente uma aliança da gigantesca capacidade industrial chinesa e a sua população de 1,4 mil milhões de pessoas, com os infindáveis recursos naturais e alimentares, bem como a já demonstrada poderosa tecnologia militar, sem paralelo em alguns sectores, da Federação Russa.

E já não é segredo para quase ninguém que Donald Trump, ao mostrar-se disponível para uma aproximação ao seu homólogo russo, ao mesmo tempo que se afasta lentamente da Ucrânia, está a jogar um jogo perigoso que é, procurar que a aproximação dos EUA à Rússia seja proporcional ao afastamento de Moscovo da tal parceria sólida como uma rocha com Pequim.

Os analistas entendem que o xadrez que se joga neste momento é marcado pelo empenho de Trump em afastar Putin do Presidente chinês Xi Jinping enquanto Putin procura ganhos com Trump na Ucrânia sem ceder no essencial com Pequim, ao mesmo tempo que a China se prepara para todos os cenários, mesmo que seja quase certo que no derradeiro momento antes do xeque-mate, Putin não troque Trump por Jinping.

E o empenho dos norte-americanos em consolidar a retoma das relações com o Kremlin é de tal ordem que pelo caminho a Casa Branca parece não travar o passo nessa caminhada mesmo que pelo caminho fiquem as relações históricas com os históricos aliados europeus.

É isso mesmo que se pode concluir ao ouvir os lamentos dos lideres europeus quando acabaram de aprovar o seu 17º pacote de sanções à Rússia que só faria sentido se fossem acompanhados pelos EUA e Donald Trump acabou por lhes tirar o tape desmarcando-se de novas sanções a Moscovo, deixando Bruxelas e Londres a falar sozinhos.

Um antes e um depois

É que este momento pode vir a ser considerado histórico porque tem todos os condimentos para marcar um antes e um depois nas relações entre europeus e norte-americanos, dando corpo ao que o secretário da Defesa norte-americano, Pete Hegseth, já disse por mais que uma vez, alinhado com Rubio, que é que a China é a "principal prioridade da Defesa dos EUA" por ser um competidor que tem potencial para "ameaçar os interesses dos Estados Unidos no Indo-Pacífico".

Numa demonstração de que a mudança de agulha dos interesses estratégicos dos EUA da Europa para a Ásia é um incómodo para o eixo Bruxelas-Londres, a União Europeia e o Reino Unido estão a procurar agarrar Washington à sua responsabilidade no apoio aos ucranianos que têm raízes na anterior administração de Joe Biden que afirmava amiúde que o apoio a Kiev seria "ilimitado e até onde fosse preciso" para derrotar a Rússia no campo de batalha.

Alinhando com os pedidos do Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que reagiu ao telefonema de Trum com Putin pedindo mais sanções à Rússia porque só quem essa pressão Moscovo deixará de manter a exigência de soberania sobre os territórios anexados na Ucrânia, os lideres europeus apostam tudo nesse caminho, o mesmo desde 2022, ano da invasão russa.

A chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, que é uma defensora férrea da entrada da NATO na guerra contra a Rússia, já veio dizer que só com mais pressão de europeus e dos EUA será possível forçar Moscovo a aceitar um cessar-fogo incondicional e negociar com Kiev o fim da guerra nos termos ocidentais.

Kaja Kallas avisou que estas sanções atingem os cerca de 200 navios fantasma russos e que a resposta da União Europeia e do Reino Unido será "tão mais dura quanto for a teimosia russa em não ceder às exigências de Kiev" para aceitar um cessar-fogo incondicional, anunciando que "há mais e mais robustas sanções a serem preparadas".

Estas novas sanções europeias, que não foram acompanhadas pelos EUA e, assim, se tornam praticamente inúteis, visam impedir Moscovo de continuar a vender a sua energia através do uso de uma frota de petroleiros "fantasma" que não obedece às normas internacionais ocidentais, atingindo todos os que compram esse petróleo russo já alvo de sanções.

A China, que é, a par da Índia, um dos países visados pelas sanções europeias, porque são os dois grandes clientes da energia russa, já definiu estas como "irracionais" por não terem sentido prático e não produzirem resultados positivos para o que é essencial, que é a estabilidade das relações políticas e comerciais internacionais.

Mais e mais sanções... até Moscovo ceder

Segundo The Guardian, o Presidente ucraniano já pediu mais sanções contra a Rússia aos seus aliados europeus e defendeu que chegou a vez de Bruxelas e Londres meterem a mão nos mais de 300 mil milhões USD de fundos russos congelados no sistema financeiro ocidental, como indemnização de guerra.

E o seu principal conselheiro e um dos mais aguerridos defensores da ideia de que Kiev não deve ceder nenhum dos seus territórios a Moscovo, incluindo a Crimeia, Mikhail Podoliak, veio agora assumir publicamente a postura de Kiev contra a aproximação de Donald Trump a Kiev.

"Infelizmente nada mudou após a conversa de Trump com Putin e a Ucrânia mantém a oferta da única possibilidade de uma solução para acabar com a guerra, um imediato e incondicional cessar-fogo sem prazo definido", elogiando o apoio total" dos europeus a Kiev ao contrário dos EUA, que olham para a Rússia como "um país com quem se pode conversar e que quer acabar com a guerra devido a interesses e negócios".

Podoliak acrescentou, citado pelo canal digital ucraniano Espreso TV que "a posição da Rússia não mudou e continua a ser a de quem quer continuar a guerra, a destruição e a mortandade, porque é a única forma de o actual regime sobreviver".

"A Rússia não está pronta para um cessar-fogo e recusa-o fortemente aludindo a uma ideia de que existem raízes do conflito para discutir, quando a única razão da guerra é a própria Rússia e a sua agressão não provocada", adiantou Podoliak a este canal ucraniano de tv online.

Este conselheiro de Zelensky, um dos principais do seu núcleo duro, é conhecido por estar entre os mais radicais do regime de Kiev, e visto como muito próximo dos sectores reconhecidamente neonazis, como o famoso "Batalhão Azov" e a "Ala Direita", ambos com ligações históricas a Stepen Bandera, um nacionalista ucraniano e oficialmente herói nacional que militou em unidades nazis alemãs na II Guerra Mundial.